Fugas - restaurantes e bares

  • Nelson Garrido
  • Nelson Garrido

Um bom exemplo, da cozinha à intervenção social

Por José Augusto Moreira ,

Espaço elegante, cozinha tradicional cuidada e uma localização histórica e deslumbrante sobre o Douro. Além de restaurante, é também a face de um trabalho de intervenção social de enorme mérito. Dá gosto e satisfação.

No meio do turbilhão que anima o centro do Porto, o restaurante Torreão destaca-se por três razões principais: cozinha tradicional cuidada e bem apresentada; localização privilegiada, com terraço e vistas deslumbrantes sobre o Douro e a zona histórica; um projecto de economia social absolutamente exemplar. 

Sim, não se trata de mais um negócio de restauração — que não deixa, também, de o ser —, vai muito para além disso. É uma das vertentes de um plano de intervenção social que já tirou da rua e das várias dependências cerca de 200 de pessoas. O exemplo acabado de ensinar a pescar em vez de dar o peixe. 

Depois da fase de regeneração e dos adequados cursos de formação, são os próprios utentes que fazem agora funcionar o restaurante. Com excepção do chef, Carlos Correia, todo o pessoal passou por esse percurso e é no mínimo gratificante ver como tudo funciona. 

Mas vamos à mesa, que é o que aqui nos traz. A lista, que tem a evidente preocupação de não se alongar, é complementada com uma mais alargada opção de entradas. “Para começar” são generosas minidoses que vão da alheira de Trás-os-Montes às tripas à moda do Porto, passando ainda por coisas como por rojões com castanhas, costelinhas de porco preto em vinha de alhos, cogumelos, queijos e enchidos do Barroso. Preços entre 3,50€ e 9€.

Começamos, então, com uma alheira grelhada de Trás-os-Montes (4,50€), cogumelos selvagens e redução de vinho do Porto (9€) e ovos escalfados com ervilhas (4,50€). A par do evidente cuidado com a origem e qualidade dos produtos, confecção cuidada e apresentação elegante. Destaque para os grelos que acompanharam a alheira, viçosos, aromáticos e de saboroso amargor.

Para continuar, os filetes de polvo com arroz do mesmo (18€) deram muito boa conta de si. Octópode no ponto certo de cozedura, macio e de leve resistência ao dente, polme crocante, e um arroz levemente humedecido e de grão aberto. Equilíbrio, sabor e bom trabalho de fogão. 

Como já pouco se vê, o lombo de bacalhau de cura amarela assado (22€). Não é barato, mas faz toda a diferença. Fibroso, lascas firmes e gelatinosas, é assado no forno com batatinhas redondas em cama de cebola, como era de tradição mas já raramente de encontra. Grande aplauso, portanto. 

Provou-se ainda o folhado de caça com puré de maçã (18€). Execução culinária rigorosa e, mais uma vez, evidente preocupação com a origem e qualidade dos produtos num conjunto harmonioso, mesmo tendo em conta a escassa variedade dos espécimes de caça. 

Nos pescados, as propostas incluem ainda um risotto de tamboril e gambas com coentros e hortelã, bacalhau em crosta de broa e espetadas de atum marinado em ananás, com preços entre 13€ e 18€. 

Na parte cárnica, bochechas de porco preto confitadas com puré cremoso de grão de bico, espinafres, coroa de borrego com molho de mel e figos e couscous de sultanas, costeletão angus com molho mirandês, naco de vazia com molho de mostarda e tomate seco, e pernil de porco fumado com puré de batata doce, completam a oferta. Preços a oscilarem entre 13,50€ e 19€, com excepção do costeletão (2 pax), que custa 34€. 

A carta propunha ainda uma sopa de castanhas com cogumelos (6€) e também, como solução para vegetarianos, alheira vegetariana (4,50€) e caril de espargos verdes e caju (9,50€).

Nos doces, as propostas são no mínimo tentadoras: mousse de requeijão com doce de abóbora, ovos moles das Virtudes, pudim de chila e cidrão, tarte de limão, azeite e sal marinho, e chocolate geométrico, com as doses a custarem entre 4,50€ e 6€. Boa opção é o mix conventual (12,50€), que traz um pudim Abade de Priscos, duas fatias de lampreia de ovos e dois ovos moles das Virtudes. Tudo muito bem confeccionado e em quantidade que dá para satisfazer bem mais que as duas pessoas que se aconselham na carta. 

Nos vinhos é claramente assumida a opção de contenção, apenas com propostas do Douro e alguns Verde brancos. É que a racionalidade manda e todos os custos e investimentos são minuciosamente calculados. O restaurante é para dar lucro e as suas receitas são preciosas para o funcionamento das valências de apoio social do SAOM — Serviços de Assistência Organizações de Maria, a Instituição Particular de Solidariedade Social que lhe está associada.

A par da cozinha cuidada, o Torreão cativa ainda pela elegância e enquadramento. Entra-se por um terraço lateral do palacete granítico da Rua das Virtudes e, ao fundo, ergue-se o torreão, uma espécie de torre medieval. No piso de entrada está a elegante recepção; a sala de refeições, com apenas cerca de trinta lugares, acomoda-se em dois espaços complementares do primeiro andar, onde umas escadinhas dão acesso ao terraço de vistas esplendorosas que funciona com o espaço de bar e onde se servem também refeições em tempo adequado.

A construção é, de facto, do século XIV e está incrustada num troço da muralha fernandina que só é visível subindo ao terraço. Só por isso, e pelas vistas sobre o Douro e o velho casario, já justificaria a visita. Como enquadramento histórico, acrescente-se que foi no terraço deste torreão que esteve montada uma das baterias de defesa que ajudaram a manter inviolável a cidade durante o Cerco do Porto. 

Apesar da sobriedade, a decoração é elegante e nota-se o esforço de enquadramento do serviço. Atendendo aos seus percursos de vida, dá gosto ver o brio, empenho e satisfação com que se esforçam no desenvolvimento das funções. Por nós, temos que o dizer, houve até uma pontinha de emoção. 

E o que de mais gratificante podemos ter numa refeição quando à boa cozinha se associa o elemento emocional?

O projecto “Dar Sentido à Vida”, assim é denominado, acaba de ser distinguido pelo IAPMEI, Agência para a Competitividade e Inovação com o 1.º Prémio na área de Empreendedorismo Responsável e Inclusivo, mas outras se seguirão certamente. 

Além da gratidão enquanto cidadãos, este Torreão proporciona-nos, assim, dupla satisfação: a dos prazeres da mesa e a de contribuir para um projecto de intervenção social que é a todos os títulos exemplar.

Nome
Torreão
Local
Porto, Miragaia, Rua das Virtudes, 11
Telefone
919 471 037
Horarios
Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado
Website
www.torreao.pt
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