Fugas - restaurantes e bares

  • Nelson Garrido
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Viva a lampreia e o sável, e quem os cozinha também!

Por José Augusto Moreira ,

O país gastronómico já se agita à volta da lampreia e, à beira-rio e com cozinha afinada, o Margem Douro põe-se muito a jeito para celebrar mais uma temporada do divino ciclóstomo. E do sável, que tem também forte tradição e anda a sair grande de gordo.

Faltam ainda as chuvas que fazem as águas dos rios correr em turbilhão, mas já se agita o país gastronómico em volta da lampreia. Não é tarde, convenhamos, que nas zonas mais altas do Minho, como Monção e Melgaço, onde a espécie tem mais história e tradição, a temporada ainda nem sequer começou.

Só a partir da próxima quarta-feira, dia 15, diz o calendário oficial, é que a pesca é aí autorizada. Mas se em qualquer lado onde a servem já desde início de Janeiro se perguntar pela sua origem, a resposta é sempre igual: são do Minho. E muita lampreia teria que ter o rio para servir tamanha gula.

Venha donde vier, a febre já se instalou e o divino ciclóstomo aí está para despertar paixões e avivar palatos. Há os que adoram e os que detestam, mas àquela que também apelidam de chupa-pedras e rainha de Inverno ninguém é indiferente. A lampreia é sempre protagonista de uma das temporadas mais animadas e palpitantes da restauração.

Tradição e fervor em volta do sável e da lampeira nunca faltaram nas margens do Douro, principalmente no seu troço final, a partir de Entre-os-Rios. Com as barragens e a consequente regularização do caudal a faina amainou, mas na restauração nunca se perdeu essa palpitação e os festivais e concursos dedicados ao tema fazem também parte da temporada.

Várias vezes premiado neste contexto tem sido o restaurante Margem Douro, casa de evidente fulgor tradicional, instalada em edifício próprio de construção granítica antiga e exemplarmente recuperada para o efeito. De frente para o rio e com vistas para um dos trechos mais bucólicos no seu percurso de aproximação à cidade.

Como sempre nesta temporada, a lampreia e o sável são protagonistas numa carta avantajada, que propõe cozinha regional, cuidada e consistente. O menu do dia abre com uma secção de lampreia, que a propõe “inteira de arroz” (130€) e “inteira à bordalesa” (130€). A “meia lampreia” passa para 70€, enquanto as doses se fixam nos 40€.

O sável encabeça as propostas de “peixe”, que se alargam dos bacalhaus (à lagareiro ou frito com cebolada) aos filetes de pescada, polvo à lagareiro, sardinhas, carapaus, lulas, ou robalo, dourada e rodovalho para grelhar. Os preços oscilam entre 11,75€ e 19,50€ para a meia dose, ou 16,75€ e 30€ para a dose.

Nas carnes a oferta é igualmente rotunda, com cabrito, vitela, rojões, cozido, arroz de pato e bifes. No menu do dia seleccionavam-se as “tripas à moda do Porto” (11,75/16,50€), “bife de cebolada” (16,75/11,75€), “secretos de porco preto” (17,75/13,25€), “posta de vitela à Margem Douro” (21,50/14,75€), “bifinhos de lombo de boi no espeto” (28,75/18,75€) e “entrecôte de boi laminado” (25,75/17,25€).

Duas salas amplas e contíguas, a poder acolher bem perto de uma centena de comensais cada, mesas correctamente aparelhadas com toalhas e guardanapos de algodão branco, decoração sem espalhafatos.

A par do cestinho com pão de mistura em fatias, pires com polvo em molho verde (bem cozido e apaladado) e outro com azeitonas. Pediram-se bolinhos de bacalhau (0,80€ a unidade), fritos na hora, fofos, crocantes e bem executados, mas ainda gordurosos. De corte exemplar — que se assinala por ser raro — o presunto de porco preto (7,50€), de boa textura mas já um tanto ressequido.

Cozinha cuidada e equilibrada

A celebração da temporada começou com o “sável frito com açorda” (28€), em dose avantajada que serve à vontade um mínimo de quatro. A lista de “especialidades” assinala também as versões assado e de escabeche, mas que não constavam da oferta do dia. Belas postas, com as ovas a denunciar tratar-se de exemplar fêmea, a gordura a colar-se à pele e as carnes humedecidas a separarem-se em delicadas lascas e a permitir detectar as intrometidas espinhas. Ponto de fritura cuidadoso, bem escorridas e sabor afinado.

Preciosa também a açorda de ovas que acompanhava. Sem excessos, equilibrada no sabor e aroma de coentro. Acompanhava ainda com uma salada de tomate, alface e cebola, igualmente de tempero sápido e equilibrado, e um arroz branco solto.

Também na generosa “dose de lampreia à bordalesa” (40€), cinco troços do bicharoco de tamanho grande, sobressaíam o equilíbrio e a boa execução culinária. Servida em púcaro de barro, com cobertura de tostas de pão frito e o molho espesso polvilhado de salsa. Mesmo sendo raspada (como impõe a tradição local), os resquícios de pele em nada interferiam no equilíbrio de sabor e boa confecção.

Exemplar também o arroz branco, de grão graúdo, aberto, solto e levemente humedecido. Daqueles que só mesmo na cozinha nortenha sabe fazer e com um plus da folha de louro que aromatiza o estrugido. Boa cozinha!

Pediu-se ainda o “entrecôte de boi laminado” (15,25€), numa meia dose que será bem mais avantajada que as doses comuns. Acompanha com especiosa batatinha palha frita na hora e legumes muito bem salteados. A carne é de qualidade, mas há que ter cuidado com o tempo de exposição ao calor para não se desperdiçar toda a suculência, principalmente nas extremidades. É regada com um molho adocicado (de cenoura?), que nos disseram fazer as delícias da clientela mas que bem se dispensaria.

A par da qualidade e critério culinário com que são tratados o sável e a lampreia, devemos destacar o acerto da escolha do tinto da casta Vinhão da Quinta de Carapeços (12,50€). É uma velha e interminável discussão se o Vinhão é ou não o parceiro ideal para a lampreia e, como é óbvio, tudo depende daquilo que é colocado na garrafa e da forma como é feito.

Para os mais cépticos e renitentes, recomenda-se que provem este Vinhão de Carapeços, cujo trabalho enológico o coloca na garrafa em contexto elegante e com taninos domados. Vai muito bem com a força gustativa da lampreia, e pode muito bem emparceirar com gorduras e assados se o deixarmos ganhar forma em garrafa, como foi o caso de um exemplar da colheita de 2011 que ainda recentemente saboreamos com grande agrado e surpresa.

Falando de vinhos, diga-se que a oferta deste restaurante concentra no Douro e Alentejo, com os rótulos óbvios e de maior rotação comercial. Faltam, pelo menos, os Dão e Bairrada, incluindo espumantes, que se enquadrariam com a cozinha cuidada e sabores equilibrados que são a marca culinária da casa.

Nas sobremesas, a oferta é igualmente vasta e divide-se em três capítulos: frutas, doces e gelados. Fomos tentados com as “rabanadas de leite” (2,85€), que são confeccionadas por um dos elementos do staff de sala. Bom trabalho! Provou-se também o “pudim Abade de Priscos” (3,95€), que, não sendo um portento, não desmerece a memória do criador.

Na margem (direita, já agora) do Douro, este restaurante é um baluarte da tradição gastronómica do sável e da lampreia, mas também pela oferta alargada, cozinha cuidada e competente e serviço acolhedor se justifica a visita.

Nome
Restaurante Margem Douro
Local
Gondomar, São Cosme, Av. Clube de Caçadores, 4563 (EN 108)
Telefone
224 541 852
Horarios
Domingo, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado
Website
www.margemdouro.pt
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