Fugas - restaurantes e bares

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O pato assado e as cabidelas de carolino que nos chamam ao Baixo Mondego

Por José Augusto Moreira ,

Em Tentúgal não há só os famosos pastéis e uma tradição e realeza que envolve a povoação. À tradição doceira junta-se a cozinha típica da Casa Arménio, que honra os pergaminhos locais e destaca o melhor dos produtos da região.

Em Tentúgal há os pastéis, que são uma autêntica obra de filigrana da doçaria tradicional, e também uma nostalgia de realeza, que transpira de uma mão cheia de edificações que remetem para essa antiguidade luminosa de poder e reconhecimento.

Muito antes de ser sede de concelho, Tentúgal foi condado, fundado por D. João III, e a sua carta de foral é de data ainda anterior à nacionalidade, outorgada pelos condes D. Henrique e D. Teresa, em 1108, depois de a povoação ter andado cá e lá na guerra entre muçulmanos e cristãos pela conquista do território.

O concelho e a realeza foram-se em 1853, depois da vitória das forças liberais, mas ficaram os famosos pastéis de uma massa finíssima que envolve o creme de ovos que são hoje o emblema e a coroa daquela que foi a mais nobre povoação do Baixo Mondego.

Mesmo no centro da vila, num dos bonitos edifícios que evocam esse passado dourado, está a Casa Arménio – Restaurante Típico, cujo conceito e decoração não deixam de remeter também para o ambiente de memória e nobreza que envolve a localidade.

Desde logo na pose, austera, assertiva e rigorosa, com que somos recepcionados. Rodrigo, que toma conta sozinho do serviço e da recepção, move-se com o estilo de mestre-de-cerimónias, a competência do chefe de sala e a proximidade de um serviço cordial e atento. Tem postura e conhecimento, o que é tanto mais de assinalar quando estamos num restaurante típico e em contexto de província.

Também na salinha de recepção/entrada há quadros, estandartes, mobiliário e uma vitrina com rigorosas miniaturas de trajes tradicionais, que igualmente dão testemunho desse orgulho de um tempo passado. Na sala, de tecto baixo e com algumas arcadas que identificam a antiga cave, as mesas estão cobertas com toalhas de tecido a condizer com os reposteiros, o mobiliário é simples e despojado e adequado à função.

Há lugar para uns 40 comensais e, numa espécie de espaço lateral no acesso para a cozinha, está também posta uma mesa maior que se percebe ser para as refeições da família ou grupos mais próximos. Também pela carta, curta e com base em receitas locais, se percebe que este não é um restaurante de modas e que a designação como “típico” faz mesmo sentido.

Algumas entradas, cabidelas de arroz, pato, coelho, codorniz, vitela e lombo de porco, sendo que o pato assado em forno a lenha é o cartaz maior da casa. Há também pratos de bacalhau e especialidades como o arroz de pato, também no forno a lenha, ou os borrachinhos de cebolada, que só são servidos com reserva antecipada.

A oferta de vinhos é igualmente muito frugal, mas criteriosa e com a preocupação de propor pelo menos um vinho de cada região. Contenção e critério, que é sempre um bom princípio.

Principiou-se, já agora, com os pastéis de massa tenra (1,10€ a unidade) e as pataniscas de bacalhau (1,20€ cada), que chegaram à mesa depois de dois cestinhos com pão, incluindo a broa de milho e a dos santos, que leva uvas passas e frutos secos.

Muito saborosos os pastéis com recheio de vitela, e o mesmo vale para as pataniscas, com o bacalhau e cebola em evidência, como mandam os melhores cânones. Deliciosa também a canja de galinha (1,80€), que a lista informa só haver nas refeições de sábado e domingo.

Um prato de estalo as codornizes de cebolada (13€). Carnes macias, equilíbrio de sabores e a envolvência aveludada da cebola a dar um toque requintado. Fica, de facto, a água na boca pelos borrachinhos em idêntica preparação, mas foi-nos explicado que está a rarear a tradição dos criadores locais, o que dificulta o fornecimento da matéria-prima e obriga à reserva antecipada.

Nas cabidelas, há um protagonista principal que é o arroz carolino da produção local, independentemente de o refogado ser de miúdos de pato (10€), galinha (13€) ou pato (16€). Saboreou-se a que envolve moelas, fígados, coração e outras miudezas do palmípede, que se devorou com desavergonhada gulodice. E vale mesmo a pena a deslocação até à vestuta vila da margem direita do Mondego, já que dificilmente se poderá saborear uma arrozada de idêntico gabarito.

Culpa principal do carolino, que nasce ali, nos arrozais vizinhos, que proporciona uma envolvência tão saborosa e rica em cereal que até parece que os carolinos a que estamos habituados são coisa completamente distinta. Grão consistente e a fazer-se notar na boca que liberta sabores e sensações a cereal que nos remetem para a memória das coisas naturais e autêntica ques, por vezes, pensamos já não existir. Mas há! Pelo menos nos arrozais do Baixo Mondego, e só se estranha que este não seja um produto estrela da nossa gastronomia.

Para fechar o tal pato assado em forno a lenha (18€), uma tradição da casa que terá sido a principal responsável pela evolução da casa de petiscos de há mais de três décadas para o restaurante típico de hoje. E não é só o milagre do forno e fogo lento, as carnes escuras, texturadas e cheias de sabor, a pele crocante e a envolvência gordurosa só vem mesmo dos patos de aldeia. Daqueles que se alimentam em ambiente natural e à moda antiga.

Com receitas antigas se fazem também as sobremesas da casa. Saborearam-se com entusiástica aprovação o pudim conventual (3€), a queijada de Tentúgal (1,30€) e a broa de amêndoa e chila (1,50€) que são testemunho vivo da glória da tradição doceira local.

Diga-se também que o complemento de vinhos bairradinos, um Garrafeira branco da Quinta das Bágeiras e um tinto Luís Pato, em muito contribuíram para a safisfação e agrado com que se saiu desta casa de boas comidas típicas. Afinal, tudo produtos da região, que, a par do orgulho na memória passada, mostra também que as coisas genuínas são sempre actuais e acrescentam valor. 

Seja pelo pato, pelas cabidelas de carolino, os borrachinhos de cebolada, ou até só pelos famosos pastéis, será sempre recompensada a viagem até ao Baixo Mondego.

Nome
Casa Arménio
Local
Montemor-o-Velho, Tentúgal, Rua do Mourão, 1 Tentúgal
Telefone
239 951175
Horarios
Domingo, Segunda-feira, Terça-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado
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