Um quarteto improvável juntou-se há uns anos na Póvoa de Varzim. Não planearam o assalto do século, mas um projecto que, como pretendiam, os pôs nas bocas da cidade, e não só. Um velho teatro dos primórdios da República, conhecido, pelos contemporâneos, como uma loja de venda de gás, encerrada em 2013, reabriu, no mês passado, como o Theatro. Na sua nova e luminosa encarnação, o número 10 da Rua Santos Minho não tem um palco, mas em compensação ganhou uma imensa livraria, um restaurante, um wine bar e uma galeria de arte.
Talvez seja melhor trazer para o texto essa definição de felicidade nórdica, dinamarquesa, a que por lá chamam hygge. Pode parecer estranha a conversa, quando se está num sítio de um pé direito imenso, com dois mezaninos. Mas é preciso lembrar que, reza a lenda, os vikings terão feito uns quantos filhos loiros e ruivos e sardentos por aqui, e garantir que, apesar desta largueza de alçados, há uma estranha sensação de conforto neste espaço onde se pode comer, beber, ver um quadro ou procurar, na imensidão de prateleiras, um bom livro para comprar, e começar a ler logo ali.
Talvez seja da alvura das paredes, realçada pela luz das clarabóias e da longa vidraça da fachada, rasgada, como porta alta, numa segunda vida em que o edifício chegou a ser fábrica têxtil; talvez seja da arquitectura de linhas simples, da madeira à vista, no mobiliário, e da longa mesa em que, lá em cima, no mezanino dedicado à literatura e à arte, o pão partilha espaço com alguns livros, numa combinação feliz. Este lado de “nem só de pão vive o homem”, lembra-nos o quanto é preciso ler. E se pudermos fazê-lo na companhia de um bom vinho, na esplanada abrigada da nortada, melhor. A carta é já diversa, com referências ousadas, a pedir gosto pela experimentação, e ainda vai crescer.
Por isso, ao Theatro, pode dizer-se, ao jeito nórdico, apenas falta uma lareira e um par de carapins para cada cliente, tal o ar aconchegante do espaço recriado por Alberto Bago, livreiro de terceira geração, de 39 anos, pelo irmão Eduardo (35), por um filho e neto de ourives, Luís Milhazes, que aos 40 sonhava abrir um restaurante, e por Jaime Oliveira, um antigo engenheiro que trabalhou para as Nações Unidades, na reconstrução de cenários devastados pela guerra, e que, com 67 anos, está no projecto pelo seu gosto, e contactos, no universo da arte. É este o quarteto de poveiros que decidiu arriscar, mesmo sabendo que o Porto, com a sua força centrífuga, que tudo atrai para a movida, está ali à mão. “Se a malta vai lá de metro, outros também podem vir cá de metro”, nota Milhazes, sem receio.
Os primeiros dias — que valem o que valem, eles sabem — foram de bom augúrio. Quando a Fugas lá passou, uma sexta-feira ensolarada, a clientela multiplicou-se: fosse para provar o menu executivo do almoço (18 euros, com sobremesa), que incluía uma sopa, um arroz de polvo malandrinho, maçã assada e bebida; fosse para provar um bolo e um chá, durante a tarde; ou, à noite, após uma sessão de cinema no renovado, e reaberto Cine-teatro Garret, para um copo entre amigos. Alberto Bago, que se imaginou, há uns anos, a espraiar neste edifício o imenso catálogo da sua livraria Minerva, gosta do que vê agora, na diversidade de estilos, idades e propósitos de quem pára ali. E gosta da estranha sensação de vender um livro à uma hora da madrugada.
“Os nossos amigos, quando acabam de jantar, ficam em casa, ou se saem, vão para o Porto. Queríamos ter um espaço onde pudessem vir, comer ou beber um copo, conversar tranquilamente”, explica Alberto Bago. Mas o Theatro ressuscitado, depois do trabalho dos arquitectos Fábio Milhazes e Rui Lourenço e os interiores de Joana Monteiro e Cristina Ferreira, não é um bar/restaurante com livros, nem uma livraria com comida. É outra coisa qualquer, em que tudo isto se complementa e a cultura vai ter espaço para acontecer, como se percebeu, há dias, com o lançamento, pelo poveiro José Milhazes, do seu último livro.
Na verdade, as paredes forradas com tanta palavra impressa em papel, e a atenção dada aos clássicos e a autores arredados de outros escaparates, fáceis de encontrar aqui, entre as inevitáveis novidades editoriais, são a assinatura mais visível deste espaço, talvez a sua alma. Como se via, à noite, nos rostos surpreendidos de quem aqui entrava, ainda, pela primeira vez.
- Nome
- Theatro
- Local
- Póvoa de Varzim, Póvoa de Varzim, Rua Santos Minho, 10
- Telefone
- 918 803 798
- Horarios
- Terça a Sexta das 10:00 às 00:00
Domingo e Sábado das 10:00 às 02:00