Fugas - restaurantes e bares

  • Hugo Santos
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A cozinha saborosa e delicada de António Loureiro

Por José Augusto Moreira ,

Guimarães já merecia um restaurante assim. Tradição e inovação, serviço elegante e apurado sentido gastronómico.

Mesmo no coração do cuidado centro histórico de Guimarães, o Largo do Serralho é uma espécie de viela esquecida, alheada dos circuitos de maior movimento. Igualmente discreto é o edifício que alberga o restaurante A Cozinha, levantado sobre os restos graníticos de uma antiga construção num estilo contido e enquadrado com o velho casario envolvente. Sem placas ou luzes de néon, a porta apenas entreaberta, como quem entra em casa de amigos, o restaurante passa facilmente despercebido, mesmo para aqueles que o procuram.

É assim, também, António Loureiro, o cozinheiro que pensou e fez nascer o espaço e a ele se dedica de corpo e alma. A cidade há muito que merecia um restaurante com alguma sofisticação, a condizer com o seu estatuto e cosmopolitismo, e esse era o sonho do chef que fez tarimba em cozinhas de exigência como Azurmendi, Belcanto ou The Kitchen, comandou fogões em cadeias hoteleiras (Pousadas de Portugal e Meliá) e foi Chef Cozinheiro do Ano 2014, antes do regresso a casa.

Costuma dizer-se que dificilmente alguém consegue ser profeta em causa própria, mas A Cozinha por António Loureiro aí está para o contradizer. A completar um ano da abertura de portas, o restaurante acumula elogios, atrai clientela e é hoje mais uma bandeira para os orgulhosos vimaranenses, ciosos como poucos dos valores e património da sua cidade.

“Restaurante de tradição inovadora”, assim se anuncia, num slogan que na sua aparente contradição bem espelha a cozinha cuidada e tecnicamente apetrechada que ali se pratica. Com base no produto, na memória e sabores da tradição, servidos com apurado sentido gastronómico.

Depois da bebida de boas-vindas, um fresco cocktail com base em vinho verde, o precioso pesto de tomate e a manteiga trufada logo despertam o sentido do gosto. O pão, em fatias de duas variedades, num delicado saco de linho, acentua o cuidado estético do serviço, que se há-de repetir ao longo da refeição com elegantes empratamentos e loiças a condizer.

De gosto refinado o pequeno cone com um recheio aveludado de salmão, ovinhas pretas e complemento de presunto, tal como o cubinho de foie gras, maçã e groselhas, que completaram as cortesias do chef. Sabores marcados, precisos, e grande delicadeza de texturas, que fazem disparar todos os alertas sensoriais.

Nas entradas, a “horta do Minho” (7€) é um delicioso quadro de sabores, com morcela, cogumelos, minilegumes e verduras, que levam à cena os viçosos canteiros das terras minhotas. Na “cavala” (8€), os quatro generosos lombos, de textura delicada e aroma levemente fumado, envolvem-se de forma gulosa com uma base de avelã, foie, gelatina de alvarinho e um soberbo gelado de tomate. De grande nível!

A roçar a perfeição também a “maresia” (10€), com uma espuma de mariscos a envolver berbigão, camarões e uns delicados rolinhos com aveludado de mariscos envolto em lâminas de abacate.

Nos peixes, além do “robalo, cabeça de xara e caldeirada” (23€), com a generosa e suculenta posta também apanhada pela espuma da maresia e o molho de caldeirada a dar profundidade aos sabores, saboreou-se a “pescada ao anzol na brasa” (16,50€), cuja delicadeza e sabor nos deixou completamente rendidos. Acompanhou com legumes ao vapor — um hino à cozinha simples e saborosa, que destaca apenas a excelência do produto.

O “cordeiro” (17,50€), de carne rosada, macia e suculenta, acompanhou com minifavas (gulosas e crocantes) com chouriço, puré de aipo e um jus que tudo envolve.

Para a sobremesa, o “Abade de Priscos” (8€) em três rectângulos gelatinosos com complemento de gelado de lima e esponja de pistacho e melancia cristalizada, serviu para demonstrar o mesmo grau de competência e criatividade no que à doçaria respeita.

Além dos pratos provados, a carta oferece ainda o “Bacalhau negro” (20,50€) e “da costa… o rodovalho” (24€), nos pescados, enquanto “pato” (16,50€), “porco ibérico… lombelo” (17,50€) e “especial para dois” com carne maturada (50€) ou presa ibérica (40€) completam as propostas de carne.

A carta actual — que está prestes a mudar — mostra que António Loureiro está claramente entre os mais apetrechados cozinheiros da actualidade, num estilo sóbrio que acaba por destacar a competência e o sentido do gosto. Além da extrema elegância, os pratos apresentam sempre sabores bem definidos e em perfeito equilíbrio, com texturas quase imaculadas.

Numa sala dimensões reduzidas (cerca de 25 lugares) e ambiente descontraído, a experiência gastronómica e sensorial é ainda potenciada pela convivência com a cozinha. A separação faz-se com uma parede de vidro, que serve também como garrafeira, permitindo acompanhar o trabalho “de ourives” do chef na montagem de todos os pratos.

Além do piso térreo, no primeiro andar há uma sala com mesa única alargada, para refeições em grupo ou eventos específicos. No mesmo piso, no terraço exterior, onde se podem tomar os aperitivos, destaca-se a horta vertical de ervas aromáticas, cuja iluminação projecta um interessante cenário nas noites quentes.

Mesmo dentro do contexto culinário de sofisticação, o ambiente é descontraído, para o que contribui também o serviço caloroso e profissional. A carta de vinhos, com propostas interessantes, abrangendo sobretudo verdes, Douro e Alentejo, denota também o propósito de contornar preços especulativos. Também por aqui se avalia o propósito de valorização da experiência gastronómica, que faz com que esta cozinha saborosa e delicada de António Loureiro seja hoje uma das melhores referências no panorama nacional.

Nome
A Cozinha
Local
Guimarães, Oliveira do Castelo, Largo do Serralho, 4
Telefone
253 534 022
Horarios
Segunda a Sábado
Observações
Reserva aconselhada
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