Um menu é um percurso pelos gostos dos seus autores, quiçá pelas histórias da sua vida, pelos sítios que percorreram. Outras vezes será sinal dos seus desejos, dos sítios ou dos tempos onde gostavam de ter estado. A carta de gelados artesanais de Rui e Patrícia Pascoalinho também tem o seu tempo e o seu lugar. É terra-a-terra, do Ribatejo: “São os sabores de casa”. “Sim, os sabores do Ribatejo dão um gelado”, garantia de chef.
Em Santarém não havia gelados que não tivessem o selo das grandes marcas. Nada que fosse além da mistura de pós, leite e água. Até há quatro anos, quando Rui e Patrícia Pascoalinho, filhos emprestados da terra, abriram as portas da Pascoalini Geladaria na principal avenida da cidade.
Sem nunca deixarem o ninho, abriram em Maio uma loja em Lisboa. Era o regresso de Rui a casa. Nascido na capital, deixara a cidade para estudar engenharia de produção animal na Escola Superior Agrária de Santarém. Patrícia, do Algarve, fizera o mesmo percurso para estudar a indústria agro-alimentar. Ficaram por lá e acostumaram-se à maneira de ser de uma cidade mais pequena. Apegaram-se e foi com medo que voltaram à capital. “Pensávamos que não iria ter o bairrismo de Santarém. Achámos que os moradores não iam dar por nós.” Mas deram.
A 21 de Maio, as vizinhas do Príncipe Real vieram dar-lhes “uns beijinhos de boa sorte” para o novo negócio que abria portas para a Rua da Palmeira. Algumas tornaram-se clientes habituais. “Vêm mais cedo aos domingos, ainda antes de a loja abrir, para levarem caixas para casa dos amigos”, conta Rui. Ainda fica perplexo — “Não, nada fazia prever esta reacção.”
Passaram de um lugar onde eram a única casa de gelados artesanais para uma cidade repleta delas. Só no Príncipe Real, Rui conta perto de 20. Quer-se distinguir pela prata da casa: os doces regionais do Ribatejo convertidos em gelado. Ainda se riem quando têm que explicar aos turistas o que é isso de em Aveiro os ovos serem moles. Esse gelado foi o primeiro que “inventaram”.
Seguiram para o gelado de celestes de Santa Clara, com miolo de amêndoa e ovos, e de pampilho, doce escalabitano com recheio de doce de ovos e canela, sabores que receberam a medalha de ouro no concurso Great Taste Award em 2016 e 2017. Este ano preparam-se para propor o de mousse de chocolate com arrepiados, biscoitos de amêndoa típicos de Almoster.
Premiados foram também o gelado de morango e o de melão de Almeirim. A dada altura, Rui repara que a maioria dos seus fornecedores é dessa cidade na Lezíria do Tejo. Excepção para os “limões do Manuel João” e as framboesas do Algarve.
Os sabores vão mudando para que a preguiça não conquiste nem clientes, nem vendedores. “Só não podemos tirar o morango nem o chocolate”, ri-se Rui. De resto, tudo está a saque da imaginação. Com loja aberta há pouco mais de um mês, quase todas as semanas são de experiências: na semana passada, estrearam o gelado de pistacho da Sicília e esta semana enchem-se pela primeira vez as cuvetes de gelados sem açúcar. Estreiam também os batidos servidos com palhinhas comestíveis de lima, limão ou morango, e os waffles.
Aprender em Itália
Pascoalini Geladaria: o trejeito italiano podia vir da família de Rui, com raízes nessa Europa sulista banhada pelo Mediterrâneo. Mas quis o destino que Rui procurasse aprender com Itália pelos seus próprios meios. Chegou lá pela primeira vez em 2010 para estudar gelados. Voltou passado uns meses, já depois de se despedir do laboratório onde trabalhava, para aprofundar os estudos.
“Sempre foi ideia dele abrir uma geladaria. Sempre foi.” É com entusiasmo que Patrícia conta os sonhos do marido, ele que reclamava cada vez que tinham que pegar no carro para ir comer gelados a Lisboa. “Foi um golpe de fé” quando Rui, aos 39 anos, e Patrícia, aos 37, deixaram os respectivos trabalhos enquanto delegados de informação médica. Abriram a geladaria de Santarém e dois anos depois lançaram-se à estrada em eventos de street food.
Com duas motos, a Pascoalini começou a percorrer o país em eventos gastronómicos, festivais de Verão e encontros particulares. Muitos deles em Lisboa. “Quando lhes dizia que a loja era em Santarém, todos me diziam como era longe, que precisava de uma loja na capital.” A ideia criou raízes e, no ano passado, começaram a olhá-la “com olhos de ver”.
O espaço no número 28 tinha paredes cinzentas, escuras, de um antigo bar. Rui e Patrícia deram-lhe a volta: não há parede que não seja branca, à excepção daquela em que os cones de gelado se alinham em várias cores, para a delícia dos visitantes que registam a estética entre filtros e redes sociais. O espaço pequeno, recatado na esquina de um prédio que há-de curvar a rua que sobe até ao Príncipe Real, não tem cadeiras nem mesas: “É comprar e levar.”
- Nome
- Pascoalini Geladaria
- Local
- Lisboa, Mercês, Rua da Palmeira, 28A
- Telefone
- 937 031 330
- Horarios
- e