Não será difícil imaginar que O Farela possa derivar de uma qualquer alcunha associada ao significado popular de bagatela ou bazófia que é também atribuído ao termo farelo. Sem farelo, no entanto, que nesta casa a qualidade é coisa consistente e levada mesmo a sério.
Bazófia teve a cidade quando, durante um período efémero, ostentou o título de diocese, que lhe foi atribuído pelo Papa Clemente XIX. Foi também nesse ano de 1770 que a antiga e histórica vila de Arrifana do Sousa passou a chamar-se Penafiel e viu ainda ser-lhe atribuído, por D. José I, o título de cidade, a segunda em todo o Norte do país.
E tão efémero foi o estatuto diocesano que o bispo nomeado nem chegou a assentar arraiais em Penafiel. O nomeado era o então confessor da princesa do Brasil, a futura rainha D. Maria I, que logo que foi coroada o convenceu a renunciar ao bispado. A diocese não durou mais que oito anos e foi extinta em 1778 pelo Papa Pio VI.
Sem diocese mas com uma longa e rica história, a cidade justifica a visita também por este O Farela, que se instalou numa moradia cujos sinais de cuidado restauro não escondem os traços da típica casa de arrabalde, agora envolvida pelo avanço urbanístico.
À rampinha da frontaria junta-se o acolhedor terraço traseiro, ainda com cobertura de ramada como evidência dessa ruralidade perdida. É agora preciso serpentear por arruamentos de urbanizações recentes e em construção, mas não será difícil arrimar tendo como referência a capela de Santa Luzia, ali ao lado.
A sala, de tecto alto, decoração funcional e ambiente acolhedor, tem neste tempo de calor o atraente complemento de dois terraços, um traseiro e outro lateral, para repastos mais longos e descontraídos. Baixela aprimorada, toalhas e guardanapos de linho. Sem concessões!
A par dos assados em forno de lenha de cabrito e vitela, aos domingos ou por encomenda, a carta destaca as preparações de bacalhau, polvo e as carnes das melhores origens. Um atractivo extra com a cachena da Peneda, de origem certificada, uma saborosa raridade fora das aldeias do Gerês. Como complemento, também o feijão tarrestre, outro produto com registo na exclusiva lista da slow food com origem nos cultivos das leiras da Peneda
Pão, em duas variedades, e azeitonas sobre a mesa, gordos cogumelos Portobelo salteados, minifolhados com recheio de vitela (tipo rissóis) e enroladinhos de bacon e linguiça como apetitosas e prometedoras entradas. Há também canja ou sopa de legumes (2,90€ cada).
Primorosos os “filetes de polvo” (16,95€), tenros e macios, de polme crocante e sem resíduos de fritura. Meia dose abundante, com os filetes servidos em travessa branca e alinhados sobre um folha de repolho e com grossos gomos de limão a compor o quadro. Acompanharam-se apenas com salada de tomate, da variedade coração de boi mas ainda sem aquela acidez e concentração de sabor que em plena temporada os distingue.
O “bacalhau à Farela” (13,90€) apresenta dois lombos altos, de lascas escorregadias e gelatinosas, coberto com cebola e broa que vai ao forno a tostar e base de batatinhas a murro. Salgado, consistente e de cura a sério, como já vai escasseando mesmo em restaurantes nomeados onde vem sendo substituído pelos melados, esbranquiçados e sensaborões ultracongelados.
Aqui sim, o bacalhau é mesmo seco, curado e salgado, demolhado a preceito e cozinhado como manda a tradição. Pode ser ainda saboreado nas versões “à lagareiro”, “à Zita” (a dona da cozinha), “dourado”, “à pescador” (com camarões), ou “à pedreiro” com arroz de feijão.
Também o polvo, além dos filetes, tem declinações “em arroz”, “no forno afogado em azeite”, “à lagareiro” ou em “arroz de forno”, neste último caso apenas servido em dose dupla (27,50€). Além do “peixe fresco” segundo a oferta do mercado, os filetes de pescada em três diferentes preparações completam a oferta.
São um hino aos melhores sabores os medalhões da carne cachena. Macia, suculenta, cheirosa e ainda por cima atraente na sua cor rosada e brilhante. Tratamento culinário impecável, com as carnes apenas seladas de forma a preservar fibras e gorduras. O arroz caldoso, com tomate e feijão, é outra bênção que chega à mesa no tachinho que onde o cozinhado se completa. Podia ser com o “nosso” carolino, que lhe daria outra riqueza e envolvência que não dá a “dureza” do agulha. A par da raridade, do sabor e textura únicos, o feijão tarrestre mostra também como a cozinha pura e básica é insuperável e um património de cuja riqueza nem sempre temos consciência.
À cachena juntam-se os bifes (11,95€) — “do vazio”, “à pimenta” e “à Farela” —, os “medalhões de vitela no espeto” (16,90€), os “lombinhos”(13,90€) — com queijo, batata a murro ou champignons — , as “costeletas de borrego” (13,95€) ou as “costelas de porco grelhadas” (10,95€). A lista completa-se com o “arroz de pato” (13,95€) e os tais assados em forno de lenha de cabrito e vitela que animam as mesas de domingo.
Das sobremesas, provou-se um bem interessante bolo de laranja e cenoura (3,50€), de meia-secura e pouca doçura, que deixa muito boa impressão da oferta de doçaria de concepção caseira.
No que respeita aos vinhos, a oferta é avantajada e denota conhecimento e actualização em relação ao que de novo o mercado vai oferecendo. A carta é rica, sem ser óbvia nem se submeter à ditadura da distribuição e a proporcionar, por isso, boas e interessantes opções sem preços malucos.
Em ambiente familiar, o serviço é cuidado, competente e de uma cordial proximidade que convida ao regresso.
Sem bazófias nem sombra de bagatelas, bem pelo contrário, O Farela é uma muito boa razão para nos levar até à Santa Luzia.
- Nome
- O Farela
- Local
- Penafiel, Penafiel, Rua de Santa Luzia (junto à capela)
- Telefone
- 0
- Horarios
- Domingo, Segunda-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Feriados
- Cozinha
- Regional