Fugas - restaurantes e bares

A cozinha inteligente e culta de Luís Baena

Por David Lopes Ramos ,

O talento culinário de Luís Baena já dita as regras nas cozinhas de todos os hotéis do grupo Tivoli. O navio almirante será o prestigioso restaurante Terraço, do Hotel Tivoli, da lisboeta Avenida da Liberdade. Fomos lá experimentar o "buffet" dos almoços e um dos menus de degustação e voltámos convencidos.

O grupo hoteleiro Tivoli contratou o chefe de cozinha Luís Baena, que começou a andar nas bocas do mundo gastronómico pátrio depois de uma temporada na Quinta de Catralvos, em Azeitão, onde deu largas ao seu espírito arejado e viajado, cultura culinária e ousadia técnica, para renovar as cozinhas da empresa. 

Fizeram bem os do Tivoli, cujas cozinhas beneficiarão, e muito, dos trabalhos que nelas desenvolverá aquele que é, provavelmente, o nosso chefe de cozinha com mais mundo. Os primeiros resultados já podem ser apreciados no mais emblemático espaço restaurativo do grupo, o restaurante Terraço, do Hotel Tivoli da Avenida da Liberdade, localizado no oitavo andar do edifício e de onde se avista um extraordinário panorama sobre "Lisboa, Tejo e tudo".

O espaço foi renovado e rearrumado, mas sem perder o ar austero e a discreta elegância, a baixela também levou uma volta e ganhou em requinte, e a ementa, como seria de esperar, coloca o espaço no rumo da contemporaneidade culinária. Mas, porque Luís Baena é uma pessoa inteligente, há, na ementa, uma vénia ao passado prestigioso do restaurante na rubrica dos "Clássicos do "Terraço"", com, entre outros, os "crepes de lavagante com salsa frita"; o "carré de borrego grelhado com molho de hortelã e batata soufflé"; e o "arroz de frango com miúdos, caldento feito ao momento".

Ao almoço, de segunda a sexta, o Terraço serve agora um "buffet" (45 euros, sem bebidas) que, digo-o depois de o experimentar, rivaliza com o que, até agora, era para mim o melhor da cidade, o do Hotel Ritz. Está muito bem organizado em "corners", um de charcutaria, outro vegetariano, outro misto, ainda um outro marítimo, mais um de não cozinhados (especialidades japonesas), para terminar num de doces, no qual está incluída uma tábua de queijos. O "buffet" é completado por um conjunto de quatro/cinco pratos diários quentes (peixe, carne, vegetariano, massa e grelhados).

Tem tudo muito bom ar, as porções de cada um dos petiscos não em grande número, o que obriga à respectiva renovação, e o conjunto, além de muito variado, revelou-se muito saboroso. Sublinho, entre outros, a sapidez dos ovos verdes, das bolinhas de chouriça moura; da mini bola-de-berlim com recheio de santola, da cabeça de xara, do creme de abóbora com manjericão, da terrina de "foie gras" caseira, da salada de ovas, da vieira grelhada, da salada de orelha de porco, dos meios camarões gigantes grelhados, dos peixes fumados (salmão e espadarte), da salada de batata com mexilhão. O que fica enunciado é tão só uma parte da oferta, pois há também saladas, molhos diversos, e sushi e sashimi, com os primeiros pouco conseguidos devido à cozedura deficiente do arroz.

Os pratos quentes, no dia que por lá passei, eram uns deliciosos "raviolis de foie gras com manjericão", umas belíssimas pataniscas de bacalhau (confeccionadas com massa de bolinhos de bacalhau) com arroz de tomate, uma tranche de robalo do mar grelhado muito boa e umas castiças e bem guisadas favas com entrecosto. A doçaria honra a nossa tradição conventual com papos de anjo, toucinho-do-céu, sericá e pão-de-ló de Alfeizerão, mas não se fica por aqui. Beberam-se vinhos novos do Douro, levados por um dos convivas, os Conceito, branco, tinto e uma novidade que vai fazer história, um tinto jovem, se quiserem chamem-lhe palhete, da casta Bastardo. Guloso, muito fresco, especiado, deixou a câmara de provadores, que o reprovou, em muitos maus lençóis. A autora é uma jovem enóloga, Rita Marques, de que também se irá ouvir falar.

Uma "burra" de antologia

A ementa dos jantares, intitulada "Os Novos da Avenida" por Luís Baena, inclui, além de dois menus de degustação ("Experience", 55 euros, sem bebidas; e "Experience more", 70 euros, sem bebidas), três entradas, outras tantas sopas, dois pratos de ovos, três pratos de peixes, mais três de mariscos, seis de carnes, quatro "nem carne nem peixe", os "clássicos do "Terraço"", uma "tábua de queijos" (16 euros) e oito sobremesas doces. A carta de vinhos, em organização pelo crítico e especialista Aníbal Coutinho, já apresenta muito bom nível e equilíbrio. A escolha, que inclui alguns bons vinhos estrangeiros, tem lugar para valores seguros e para vinhos mais na moda. Outro dado a sublinhar é a sensatez dos preços. Há alguns dos vinhos que são servidos a copo.

Experimentou-se o "Experience". E verifiquei como Luís Baena é rigoroso quando caracteriza a sua cozinha como "um espaço de intervenção, de interpretação e experimentação", que "reflecte influências de outras latitudes" e que "reproduz e reinterpreta os clássicos, questiona-os e reinventa-os. Faz uma interpretação livre da nossa cozinha regional e emancipa-se na criação".

Assim, o "pastel de massa tenra com galinha e salada de folha de carvalho" é uma reinterpretação com o recheio de ave em vez do clássico de carne de bovino. Bom, mas o original tem mais sabor. No "creme de caldeirada de peixe", elogie-se a cremosidade do caldo, mas, caso substituam o filetinho de salmão de viveiro por um de peixe do mar (garoupa, cherne, salmonete, peixe-galo, dourada...) o resultado final será muito melhor. Quanto ao "risotto de bacalhau com pastéis de bacalhau e gengibre", fixo-me na genialidade da reinvenção do pastelinho. Tem o sabor clássico mas mais acentuado, não sei se por ser feito com batata azul peruana, e a textura é mais rica com o acrescento de uns fios de puré de batata de polpa amarela que, devido a uma passagem pelo forno, penso, ficam crocantes. O resultado, além de surpreendente, é delicioso. De genialidade culinária se tem que falar também no caso da "burra de porco confitada com a "maldita" da espuma de coentrada, migas e gelado de "ketchup" caseiro". Luís Baena pegou neste prato da cozinha popular alentejana e, respeitando-lhe os sabores que o individualizam, desconstrui-o e recriou-o, requintando-o. A carne, bem temperada, gelatinosa de uma cozedura competente, encima um pequeno paralelepípedo de açorda, com o seu toque refrescante de vinagre, na muito adequada companhia de gelatina de laranja (em vez da rodela de laranja original), a verde e evanescente espuma de coentros e o agridoce gelado de "ketchup", um acentuador do paladar. Prato muito bem pensado e confeccionado.

Na cozinha, Luís Baena conta com a colaboração de um cozinheiro talentoso, João Hipólito. Concluiu-se a degustação com doçaria conventual: toucinho-do-céu, papo de anjo com manga (a fruta tropical tira finura ao doce, prefiro o açúcar em ponto), trouxa de ovos, barriga-de-freira e um refrescante pudim de café. Bebeu-se um branco francês de 2003, o Chablis Les Vénerables Vieilles Vignes 2003 (36 euros), com corpo e frescura capazes de aguentar toda a refeição. Serviço, de bom nível, a cargo de Paulo Galveias e Nuno Isabel. A arte culinária de Luís Baena fará (já faz) do Terraço um restaurante de visita obrigatória.

Nome
Terraço - Hotel Tivoli
Local
Lisboa, Coração de Jesus, Avenida da Liberdade, 185 (Hotel Tivoli)
Telefone
213198934
Horarios
Todos os dias das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 23:00
Website
http://www.tivolihotels.com
Preço
55€
Cozinha
Contemporânea
Espaço para fumadores
Não
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