Abriu em Agosto de 2010 e entrou rapidamente para as preferências da clientela gastronómica e não só. No arranque sentiu-se perfeitamente o trabalho de comunicação para pôr de imediato o restaurante Pedro e o Lobo no mapa restaurativo da cidade de Lisboa. A “irreverência” gastronómica dos dois jovens cozinheiros iniciais - Nuno Bergonse e Diogo Noronha -, aliada aos currículos onde se faziam notar as passagens por cozinhas renomadas, foram sendo meticulosamente divulgados para os promover, e também à casa, claro, pois ambos eram igualmente sócios do projecto. Ascenderam logo à categoria de chefs de primeiro plano, só que, dois anos depois, ambos saíram do projecto.
Primeiro foi Nuno Bergonse, em 2012, um ano depois seguiu-lhe os passos Diogo Noronha. Depois de tanto alarido (e quiçá investimento em agência de comunicação) à volta da chegada destes “jovens turcos” à restauração da capital, a saída foi no mínimo inesperada. O projecto tão bem orquestrado provavelmente abanou (digo eu), mas não caiu, e por isso em Setembro pegou na batuta Frederico Guerreiro. Jovem cozinheiro que já tinha estado sob a regência da anterior dupla, e que depois de ganhar mundo na cozinha por várias cozinhas do planeta, voltou para mostrar o seu trabalho.
O local de regresso não podia ser melhor, pois ao entrarmos no Pedro e o Lobo sente-se que o espaço foi pensado com ideias sólidas. Localização excelente para captar almoços de negócios e jantares descontraídos e uma decoração elaborada quase ao pormenor. As ripas de madeira escura que preenchem as paredes dão um ambiente francamente acolhedor, que infelizmente a iluminação quase desvanece. De dia, as enormes janelas inundam tudo de luz com naturalidade, mas aos jantares os rasgos de iluminação indirecta por detrás dos painéis de madeira são incomodativos consoante o lugar onde se fica sentado, sobretudo se fizerem reflexo nos espelhos, enquanto a luz fria dos estilizados candeeiros/lâmpada “gela” o ambiente, dando ao espaço uma iluminação dispersa e pouco confortável.
O bom reverso é que o serviço é afável, profissional, atento, com grande disponibilidade e empenho. Uma vantagem a manter e que faz mais por qualquer restaurante que os aspectos estéticos da sala, acredite-se. O menu tem um cunho criativo que é a matriz desde sempre, com produtos sazonais e opções mais seguras em termos de sabores, como um arroz de marisco em caldo de lavagante, um magret de pato fumado com castanhas, dióspiro e romã ou um naco de novilho. Os tempos de querer causar espanto deram lugar a uma estratégia de querer continuar a impressionar os clientes, mas sem os espantar. O que não garanto que não aconteça, ao verificar-se que não há carta de almoços, só um prato do dia a 12,50 euros, com o menu geral de preços mais elevados a ser comum aos dois serviços.
Outra “originalidade” é não haver direito a toalhas na mesa. Percebe-se que se queira estar em linha com as modas do momento, mas há coisas que não estão à mercê de modismos, são apenas retrocessos a hábitos medievais. Ter um tampo com migalhas de pão, pingos de azeite ou molhar os punhos sobre as marcas que os copos vão deixando são situações inadvertidas e casuais numa refeição, mas evitáveis em consideração ao cliente.
Na “piscina” dos grandes
Apesar de haver um menu degustação de sete pratos a 45 euros (três entradas, carne, peixe e duas sobremesas, tudo escolha do chef), optou-se por ir à carta e começar pela “selecção de pães, azeite DOP & azeitonas” (3,50 euros), um couvert de qualidade, com umas óptimas azeitonas e dois bons pães feitos na casa, um com azeitonas e o outro tipo focaccia. Seria bom era ter um pão mais “neutro”, de mistura simples à base de trigo. Ter na mesa um azeite categorizado como o virgem extra da Cartuxa (que por acaso não é DOP, como está anunciado) para depois o embeber em pão focaccia (azeitado e com orégãos), ou em pão com azeitonas, é uma redundância sobre sabores fortes que não favorece nenhum dos produtos. Um bom azeite precisa de uma “tela” em branco para brilhar, o que acontece se o pão tiver um sabor neutro.
Das propostas listadas “para picar” veio um saboroso “dim sum de camarão ajillo” (7,50 euros), com o cestinho de bambu a trazer quatro mini dumplings de massa fina fechada em trouxa, a resguardarem um picadinho do crustáceo com alho em suave equilíbrio, nesta feliz ligação “hispano-nipónica”. Muito bons os “croquetes, maioneses & mostardas” (6,50 euros) sob a forma de quatro esferas crocantes fritas ao momento, bem guarnecidos de carne estufada e desfiada num recheio ligeiramente cremoso sem exageros “bechamélicos”. Vinham assentes em maionese para não resvalarem sobre a ardósia de xisto e um pouco de mostarda à antiga no sopé de cada unidade para um condimento extra que nem era necessário, pois a qualidade do preparado valia de per si.
Nas entradas, o “creme de ostras, gin & mar” (9 euros) era um prato fundo com tofu, tiras de maçã verde, uma ostra, algas, salicórnia e esferas de gin. Em seguida os ingredientes foram cobertos pelo intenso e sedoso creme de ostras, onde sobressaíam notas de iodo, a acidez equilibrante dada pela bebida da moda ao libertar-se das esferificações, e aqui e ali laivos de sal ao trincarem-se as pontas de salicórnia - uma composição marítima impecável. O “ovo escalfado, alheira, grelos & cogumelos” (7,65 euros), foi a variação (mais uma) deste casamento tradicional de ingredientes que de tão visto começa a parecer banal. Há que destacar a categoria superior do enchido transmontano e o facto de ter sido apresentado em troço (em vez de vir esfarelado, como se vê muito), conjugado com o ovo em ponto “rompente”, pronto a misturar-se com os grelos em puré, encimado por elegantes cogumelos nameko. A “salada de beterrabas, queijo de cabra e amêndoas” (6 euros) era uma engenhosa ligação de sabores com cubos de beterraba roxa, folhas de acelga bebé (espécie da família beta vulgaris), a juliana dos seus talos avermelhados e pontas de minibeterrabas a desfilarem em curva sobre a ardósia (diga-se que esta profusão de cores merecia mais contraste que um fundo preto). Literalmente como numa orquestra - a metáfora não é exagerada -, este naipe de beterrabas era intercalado com sabores melodiosos de tiras de gengibre cristalizado, amêndoas caramelizadas e uma potente espuma de queijo de cabra (versão chèvre), que “amainava” com elegância os vários açúcares que o prato trazia. Uma “simples” salada que era afinal uma composição magíster para as papilas gustativas. Bravo!
Nos principais, o “atum patudo, batata-doce, mostarda & gengibre” (19,75 euros) era um naco soberbo da barriga do tunídeo açoriano, “selado” ao segundo, divido em dois a exibir a suculência e rigidez da carne piscícola. Um pouco de beterraba assada, chips de cenoura e um puré de batata-doce com gengibre faziam coro sem atropelos, a deixarem o magnífico sabor do atum exprimir-se em pleno. A “perna de cordeiro, rösti de batata & esparregado” (23,50 euros) é um dos pratos mais caros da lista, mas uma parte do preço deve ser para a conta da luz, pois o resultado não justifica. As febras desfiadas e enfiadas num pequeno cilindro para dar forma tinham a suculência de uma cozedura prolongada, mas só no molho se ia buscar o sabor da carne. A batata eram tiras prensadas tipo bolacha crocante a saberem mais a tostado que ao tubérculo, o esparregado estava correcto. As “bochechas de porco, alfarroba, figos, amêndoa & laranja” (17,75 euros) pareciam um prato de homenagem ao Sul de Portugal. As duas porções da carne levaram um tratamento parecido ao do borrego, mas foram caramelizadas no molho, ficaram húmidas mas com mais sabor no interior. A alfarroba veio sob a forma de uma massa esfarelada cozida, de sabor discreto para a capacidade da vagem, mas com o conjunto de mini igos, gomos de laranja e amêndoas crocantes a darem mais fulgor a tudo. Nas sobremesas a qualidade é novamente irrepreensível. O “sablé de maçã” (6,75 euros) era uma minitarte de base um pouco espessa, mas saborosa (amanteigada), recheada com um guloso picadinho de maçã. A “tarte merengue de limão” (6 euros) era uma deliciosa síntese subtractiva, não de cores, mas dos elementos que vinham dispersos numa ardósia, onde se podia sentir bem a voluptuosidade do creme de limão, a leveza dos pináculos de merengue dourados a maçarico e a base em crumble a ladear tudo. As “farófias & leite cremoso” (5,5 euros) era antes “a” farófia, uma única, grande e de forma perfeita, a parecer-se com uma conta gigante de um colar de pérolas. Textura exterior firme e macia como algodão por dentro. As “trufas” (4,25 euros) eram quatro bolinhas tipo azeitona com chocolate de boa qualidade e notas licorosas no sabor, mas que pareciam mais um petit four para acompanhar o café do que uma sobremesa.
Carta de vinhos curta e grossa de escolha e preços, respectivamente. Serviço sem falhas ao nível de copos, temperaturas e protocolo. Uma refeição de grande nível num restaurante que, apesar do nome infantil, foi idealizado para estar na “piscina” dos grandes. Com o novo chef Frederico Guerreiro a premissa parece estar assegurada. Produtos de grande qualidade e preparações feitas com técnicas seguras e sabores directos. Um pouco mais de proximidade ao cliente em detalhes de conforto e variedade de oferta ao almoço e aí sim, a melodia deste “Pedro e o Lobo” pode ser outra ao ultrapassar os ruídos da crise. Poderá tornar-se um valor seguro harmonizando os diversos naipes que compõem um bom restaurante. Como Prokofiev fez com a música...
- Nome
- Pedro e o Lobo
- Local
- Lisboa, Coração de Jesus, Rua do Salitre, 169
- Telefone
- 211933719
- Horarios
- Segunda das 20:00 às 23:00
Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira e Sexta-feira das 12:45 às 15:00 e das 20:00 às 23:00
- Website
- http://www.pedroeolobo.pt/
- Preço
- 50€
- Cozinha
- Autor
- Espaço para fumadores
- Sim