Fugas - restaurantes e bares

  • Adriano Miranda
  • Adriano Miranda
  • Adriano Miranda
  • Adriano Miranda
  • Lampreia
    Lampreia Adriano Miranda
  • Sapateira
    Sapateira Adriano Miranda
  • Adriano Miranda

Um arroz de lavagante para os grandes vinhos do mundo

Por José Augusto Moreira ,

Aos peixes e mariscos de imaculada frescura, o Gaveto junta um chef, Humberto Alonso, que há três décadas sustenta a fama da casa. Há assados, saborosa cozinha de tacho e um arroz de lavagante nada menos que glorioso.

Pouco mais de dois anos decorreram ainda desde a última visita da Fugas ao restaurante O Gaveto, mas o mundo deixa-nos hoje uma sensação de permanente aceleração. Também a crescente atenção aos restaurantes de Matosinhos por parte dos turistas, que cada vez em maior número procuram a região do Porto, e as encomiásticas apreciações entretanto publicadas em órgãos de tanta influência como Financial Times e Wine Spectator, acabaram por apressar o regresso. 

Agora já sem o pretexto da temporada da lampreia, que é uma das bandeiras da casa, mas com os mariscos de Verão a aguçarem o apetite, à mistura com a notícia de novidades e a passagem de testemunho geracional nas responsabilidades da gestão. Embora mantenha presença diária no contacto com a clientela, o fundador, Manuel Pinheiro, entendeu que três décadas era tempo mais que suficiente e resolveu endossar a tarefa aos sucessores. 

Sosseguem, no entanto, os leitores, que a casa continua exactamente com as mesmas características, havendo apenas o propósito de refinar a oferta associada a alguns dos produtos e pratos que sempre distinguiram a cozinha de O Gaveto. A par de uma sala apropriada, no piso superior, dedicada a momentos de celebração gastronómica que vão para além de uma normal refeição, há também, dentro da abastada carta de vinhos, a proposta de “grandes vinhos do mundo” associada a algumas das especialidades da casa. Uma forma, afinal, de demonstrar que pratos tão tradicionais como as açordas ou os arrozes caldosos de peixes são companhia ideal para vinhos do mais refinado e reconhecido que há no mundo. Ou, visto do outro lado, passar para quem vem de fora e não conhece a nossa cozinha tradicional a informação de que a qualidade daqueles cozinhados justifica nada menos que a companhia de vinhos do mais alto patamar.

Foi assim, neste contexto, que com umas fresquíssimas navalheiras, ainda com aroma a algas e sabor a mar, se saboreou o exclusivo André Clouet UJ 1911, um refinado champanhe bruto (74,50€). São elaboradas anualmente apenas 1911 garrafa, encapsuladas e guardadas com capa de palha, como forma de celebrar o primeiro engarrafamento da casa, precisamente no ano de 1911. Frescura e elegância do mesmo calibre das navalheiras, cujas carnes de imaculada brancura gulosamente se sorveram, à mão e sem o apoio das tradicionais alfaias, para melhor saborear a essência marinha. Embora marcadas por um pouco de sal, as percebes que se seguiram tiveram a virtude de pôr em evidência todas as notas extraordinárias do champanhe.

Frescas e puras a amêijoas à Bulhão Pato, gordas, macias e aveludadas pela cozedura criteriosa e coentro inebriante. É caso para dizer, neste caso, que foi o Chablis 1er Cru Montmains apenas da casta Chardonnay (33,50€) que esteve à altura do elegante cozinhado com bivalves. Um vinho francês da zona Norte da afamada região da Borgonha de que este 1er Cru, também da casa Chanson, é um dos mais conseguidos exemplares.

Desafiante mesmo foi o duplo confronto com o arroz de lavagante, que resultou não tanto da conjugação com dois vinhos do top mundial mas sobretudo da excelência — e é este o termo e não outro — do arroz de lavagante. Verdadeiros momentos de glória com um daqueles pratos que conjugam a história de sucesso das mais de três décadas de vida deste restaurante. Tudo no ponto certo, dos sabores às texturas e com o arroz — do nosso carolino, claro — a mostrar-se no pleno das suas virtudes. Goma, sabor, envolvência e um ponto de cozedura perfeito a mostrar-se rijinho na hora de apertar o dente. E depois digam que o carolino fica empapado. Há é que saber cozinhá-lo.

O confronto fez-se com o Corton-Charlemagne Gran Cru 2008 (125€), um Chardonnay poderoso e complexo criado na exclusiva Cote D’Or da Borgonha, que elevou até à glória o cozinhado matosinhense. Com uma mineralidade, acidez e doçura únicas, o SA PRUM Welhener Sonnenuhr (34,50€), um Riesling alemão da região de Mosel é um dos mais extraordinários brancos do mundo, mas mesmo assim sem conseguir impor-se à saborosa calda de tomate e arroz. 

E tal como nem só de pão vive o homem, também nem só de peixe se faz um repasto, pelo que houve que convocar uns suculentos miminhos de boi para testar dois colossos tintos. Aqui não tanto no confronto com a carne delicadamente grelhada, mas mais para pôr ombro-a-ombro dois vinhos que representam estilos e concepções contrastantes. O poderoso e impositivo L’Aventure Estate Cuvée – Paso Robles (99,50€), um novo mundo puro, da Califórnia, frente à elegância do Clos de Vougeot Grand Cru (195€), um dos melhores representantes da tradicional forma de fazer vinhos da Borgonha com Pinot Noir. É claro que numa mesa com sete apreciadores, quase todos especialistas, a questão estava resolvida à partida e mesmo antes de saltarem as rolhas. A opção pelo velho mundo é, obviamente, inquestionável entre especialistas... do velho mundo. Outra poderá ser, certamente, a escolha dos consumidores face ao poderoso concentrado de cor, fruta e taninos que exibe esta combinação de Cabernet Sauvignon, Syrah e Petit Verdot, mas esta é matéria para outro fórum.

E para quem possa ter a ideia de que só os vinhos estrangeiros são valorizados, nada melhor que terminar a refeição com um vinho de produção nacional com preço de mercado ainda bem acima de todos os outros. Para acompanhar o inigualável pão-de-ló fofo e húmido, confeccionado ao estilo de Ovar por um conhecido pasteleiro de Castelo de Paiva, uma raridade da Madeira, o Cossart Gordon Vintage Bual 1958, cuja garrafa atinge os 295€. Uma raridade a que ninguém no mundo consegue ficar indiferente.

É claro que este é uma espécie de momento de excelência que os irmãos João Carlos e José Manuel Silva propõem aos clientes de O Gaveto. Uma forma de reivindicar também para os nossos cozinhados tradicionais uma natural parceria com aquilo que de melhor há no mundo. 

E nem se pense que os pratos serão melhores com vinhos daquelas origens, já que na completa lista há múltiplas opções a preços bem mais contidos que irão igualmente muito bem com os tradicionais pratos da casa. Dos verdes ao Alentejo, do Douro ao Dão ou Bairrada.

À oferta variada de peixes e mariscos sempre frescos (que se mantêm vivos nos aquários à entrada do restaurante), a carta junta propostas de cozinhados, tanto no tacho como no forno ou na grelha, de variedades de pescado consoante a safra do dia. As propostas não se esgotam na alargada carta, juntando também uma oferta de especialidades diárias. Aos domingos, por exemplo, há cabrito ou vitela assados no forno, cozido à portuguesa e bacalhau à Zé do Pipo.

Referência também para a consistência da cozinha, que desde a abertura, em Junho de 1984, é comandada por Humberto Alonso, e que representa um dos pilares onde assenta o percurso de sucesso do restaurante.

Na vertente de atenção à gastronomia que se procura agora imprimir, a proposta de “grandes vinhos do mundo” estende-se da França, à Alemanha, EUA e Nova Zelândia, com preços que vão dos 16,50€ aos 195€. A assessoria, neste campo, cabe ao conhecedor Raul Riba D’Ave, que se prepara para a graduação em Master of Wine e domina como poucos os segredos dos mais exclusivos vinhos do mundo. 

Outro dos propósitos para o Gaveto é a revitalizaçao do espaço de balcão, com quatro lugares, não só para refeições mais rápidas e descomprometidas, mas também para petiscos e degustação de vinhos. A qualquer hora, até porque este é um restaurante que funciona até à 1h30 da manhã.

Nome
O Gaveto
Local
Matosinhos, Matosinhos, Rua Roberto Ivens, 826
Telefone
229378796
Horarios
Todos os dias das 12:00 às 01:30
Website
http://www.ogaveto.com/
Preço
30€
Cozinha
Peixe e Marisco
--%>