Rejuvenescer depois dos 80 pode parecer algo estranho, mas se explicarmos que se trata de um dos restaurantes mais antigos e carismáticos do Porto, a coisa muda de figura. Pois é disso mesmo que se trata. A velha Adega de São Nicolau está nova, mais clara e acolhedora. E até com aquele ar de modernidade e um toque de glamour, que muitos diriam impensável para as esconsas vielas da Ribeira.
E se pensarmos que tudo em volta conta por séculos a sua existência, bem se pode dizer que a adega cumpre agora o papel de menina gaiata do bairro, com uma pose catita e arrebitada, que leva a modernidade àquele ambiente histórico.
Acalmem-se, no entanto, os mais receosos, que a renovação foi apenas no espaço. A comida continua a de sempre e a competência e dedicação do cozinheiro, proprietário e gerente, António Coelho, só pode ter refinado. E se algo mudou, foi para melhor. Como é patente na cozinha, no mobiliário e na carta de vinhos. Mais importante ainda: os preços não se alteraram, o que só por si já era notícia nos tempos que correm.
Noutras ocasiões já por aqui nos deliciámos com um memorável naco de vitela arouquesa, saborosas tripas à moda do Porto ou competentes pratos de lampreia (ainda há por estes dias). Mas a novidade do menu diário é, talvez, uma das características mais aliciantes deste poiso. A ementa depende sobretudo do que o mercado oferece diariamente e da imaginação do cozinheiro. E é bom que nos deixemos guiar pelas suas orientações.
Desta vez a novidade chegou através de uns surpreendentes salmonetes e do galo à bordalesa. Cozinhados únicos, resultado da mestria e traquejo do cozinheiro e a mostrar que, apesar da idade, cada visita a esta adega é sempre uma novidade.
Os salmonetes, de boa envergadura (dois para os quatro comensais), passaram primeiro pela chapa, para lhe afinar a textura, e foram depois ao forno, regados com um pouco de sumo de laranja e de limão. Apenas o tempo necessário "para afinar os sabores", como explicou António Coelho. Chegam à mesa no tabuleiro, a soltar aromas e a aguçar o apetite. Além da frescura e delicada elegância, há que referir a qualidade do trato culinário, a decompor-se em lascas coesas e levemente consistentes. Mesmo muito bem cozinhados. Acompanharam com legumes e batatinhas salteados, cada um em seu tachinho.
Com aroma e sabores a denunciarem a lenta cozedura em vapores de bom vinho, o galo à bordalesa mostrou-se deveras apetitoso. Deixava também na boca o rasto de um apetitoso vinagrinho, que é um dos segredos da cozinha de António Coelho. Segredo, mas nada escondido, já que se trata de um vinagre de vinho tinto, daqueles que não há no mercado e que dá vida aos mais variados petiscos da casa. Como acompanhamento, tostinha de pão torrado e arroz branco, para empapar com o molho e refinar sabores.
Este é um espaço de boa cozinha tradicional, com um saber ancorado nas memórias e apurado pela sucessão de gerações. Manda também o critério da escolha a qualidade dos produtos. Sempre frescos e genuínos e aos quais o cozinheiro faz questão de espevitar os sabores. "Estrugidos bem fortes, com muita cebolinha e tomate maduro", sintetiza, frisando também que não dispensa nunca o bom azeite e o vinagre tinto "da aldeia". A aldeia é o concelho de Resende, na margem esquerda do Douro, que lhe activa a memória dos sabores de infância e onde procura ainda hoje abastecer-se de produtos que fazem a diferença.
Coisas como os saborosos grelos migados com broa e toucinho e ovo escalfado, que foram apresentados em jeito de entrada. Serviam de complemento para as lascas de presunto, queijo da serra curado e costelinhas de porco fritas, num estilo petisqueiro a que dificilmente se consegue resistir.
Além dos salmonetes (21 euros) e do galo à bordalesa (14 euros), a ementa do dia propunha ainda bacalhau à Gomes de Sá (13 euros), filetes de polvo com arroz do mesmo (14 euros), ou costeletas de sardinha com arroz de feijão (10 euros) no que aos peixes diz respeito. Quanto às carnes, a oferta alargava-se às tripas à moda do Porto (12 euros), pernil de porco (11 euros), rabo de boi estufado (13,50 euros), costeleta de porco avinhada (9 euros) e posta de vitela arouquesa (15,50 euros).
Além do espaço, também a carta de vinhos aparece agora remoçada e mais organizada. Alargado o lote de escolhas para as regiões do Douro e Alentejo, sobretudo nos tintos, onde não faltam os pesos-pesados como os Barca Velha, Batuta, Vale Meão e Vinha Maria Teresa, ou ainda o Pêra Manca e Tapada dos Coelheiros. A escolha permite também ampla variedade de preços, que, diga-se, são em regra contidos e a permitir boas opções. Tome-se como exemplo os vinhos convocados para este repasto, com interessante relação entre o preço e a qualidade.
Enquanto os peixes acompanharam com o Quinta de Gomariz Colheita Selecionada Alvarinho (13 euros), da região dos Verdes, as carnes convocaram o Quinta do Encontro 2008 (16 euros). Dois vinhos de excelente porte, que são bons exemplos do melhor que se vai fazendo nas respectivas regiões e a preços sensatos.
Além de uma das boas casas de comida do Porto histórico, a Adega São Nicolau é também um dos melhores exemplos da boa cozinha tradicional, mas isso já não será novidade por aí além.A novidade é que está remoçada e é agora também um excelente exemplo de recuperação e bom gosto, numa das zonas que disso mais se mostra carenciada. Mesmo mantendo as reduzidas dimensões, o espaço onde se podem sentar uns 30 comensais é agora mais luminoso e modernamente confortável. Dominam as madeiras claras, a luz indirecta e até uns elegantes dourados, com um toque de elegância que se estende às mesas e seus adereços. Obra, ao que nos informaram, da responsabilidade do arquitecto Pedro Jervell, que é merecedora de aplauso.
A elegância do espaço sai também reforçada pelo enquadramento e contraste com as velhas construções da Ribeira. Além da sala, subsiste a pequena esplanada com vista privilegiada para o rio e Muro dos Bacalhoeiros.
- Nome
- Adega São Nicolau
- Local
- Porto, Porto, R. São Nicolau, 1
- Telefone
- 222008232
- Horarios
- Segunda a Sábado das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 23:00
- Preço
- 20€
- Cozinha
- Trad. Portuguesa
- Espaço para fumadores
- Não