Fugas - restaurantes e bares

António Carrapatoso

Pequeno é o espaço, grande a satisfação

Por José Augusto Moreira ,

Não sendo um restaurante no seu sentido tradicional, o Botequim da Mouraria, em Évora, está também longe do ambiente de tasquinha, se bem que conjugue na perfeição o melhor de ambos os conceitos. O nosso crítico saiu satisfeito com petiscos à moda alentejana confeccionados com apuro e esmero.
Meia dúzia de metros quadrados bem aproveitados, cozinha apurada e muita diplomacia. São estes os três ingredientes fundamentais para o sucesso de um local improvável. Não sendo um restaurante no seu sentido tradicional, o Botequim da Mourariaestá também longe do ambiente de tasquinha, se bem que conjugue na perfeição o melhor de ambos os conceitos.

Produtos locais de qualidade e receitas de tradição confeccionadas com apuro e esmero, num estilo de petisqueira alentejana que tem feito história em Évora a partir do insuperável Fialho e que se foi espalhando por outros locais da cidade. De menor opulência e pretensões, é certo, mas igualmente como veneráveis repositórios das melhores tradições dos petiscos à moda do Alentejo.

Localizado bem no miolo do centro histórico (Património Mundial da Humanidade desde 1986), logo ali junto ao início da Rua de Aviz, o Botequim enquadra-se na perfeição na atmosfera monumental da capital alentejana. Não só pelo contexto urbanístico envolvente mas porque é também património cultural aquilo que se respira uma vez franqueadas as portas. Na vertente gastronómica, bem entendido.

Além de uma robusta oferta de vinhos, sobretudo alentejanos mas não só, e da qualidade petisqueira, sobressaem ainda duas outras características: apenas nove lugares ao balcão e uma enorme diplomacia para não desiludir a muita clientela que tem que se ir embora literalmente com água na boca.

Tal como a casa, que faz gaveto logo na primeira cortada da Rua da Mouraria, a sala - se assim lhe podemos chamar - é um espaço exíguo dominado pelo balcão em L. Do lado de fora, nove lugares em bancos altos (mais três, de recurso, no acanhado espaço da janela) e do lado de dentro apenas o omnipresente Domingos Canelas, proprietário e responsável por todo o serviço. Na cozinha, ao fundo do balcão, está a mulher Florbela. Ambos chegam para encher a casa. Ele transbordando simpatia e diligência, ela recato e sabedoria.

Pé direito generoso, excelente luz natural, paredes forradas com imagens de clientela de outros repastos com ar satisfeito e uma vistosa colecção de vinhos, alguns dos mais caros e afamados, outros com mais idade (provavelmente muitos já de alma perdida) e até algumas raridades, como um tinto Bairrada de 1994, das Caves São Domingos, com o rótulo da Associação Académica de Coimbra.

Colhido o ensinamento de anteriores tentativas frustradas, fezse desta vez uma espécie de vigília à espera da abertura de portas, às 12h30, para garantir os lugares necessários. Não foi preciso esperar mais do que dois ou três minutos e a lotação estava esgotada.

A lista baseia-se na lógica petisqueira ao melhor estilo alentejano, sempre complementada por sopas de temporada e alguns pratos de peixe e de carne. As sopas de peixe ou de cação compõem só por si todo o programa de uma refeição, mas há também o típico gaspacho ou outras sopas de marca regional, como as de beldroegas ou de tomate com orelheira e linguiça.

Nos peixes, pontuam o bacalhau ou as postas de pescada ou de cherne fritas, enquanto nas carnes se destacam o borrego, assado no forno ou ensopado, havendo, em seu tempo, cozinhados de caça tais como lebre, perdiz ou tordos fritos.

Colocámo-nos nas mãos do diligente proprietário, que começou por apresentar uns cativantes pratinhos com melão, tiras de presunto e gordos figos despojados da pele e partidos em quatro. Refrescante e delicioso.

Torresmos do rissol, secos e estaladiços como manda a melhor tradição, e tirinhas de pimento (verde e vermelho) com azeite e rodelas de alho para compor a boca enquanto chegavam uns cogumelos assados no forno, queijo de Serpa, igualmente assado e com orégãos, e tomatinhos-cereja bem temperados, que antecederam finas rodelas de lula frita panadas. Tudo de qualidade e confecção irrepreensível, doses bem compostas e preços a variar entre os 3,50 e os 12,50 euros.

A parte entradeira da oferta do dia era ainda composta por cabeça de xara, paio de lombo, carapaus de escabeche, farinheira assada, gambas fritas com alho, ovos de codorniz com alho e camarão grelhado. Para além das lulas (12,50 euros), nos peixes as opções alargavam-se ao bacalhau à casa, pescada (frita ou cozida), cherne (grelhado ou cozido) e robalo grelhado.

No que toca às carnes, degustaram-se suculentos lombinhos de porco preto (12,50 euros), preparados com um molho espesso com pimentos e vinho branco. Acompanharam com rodelinhas de batatas fritas, de perfeição suprema, e espargos verdes selvagens com ovos mexidos. Um verdadeiro regalo. Para acompanhar a primeira parte, Herdade Grande 2009 (11 euros), um branco da Vidigueira extraído de uvas Antão Vaz, Arinto e Roupeiro e cuja frescura envolveu na perfeição os 13,5% de álcool. Para as carnes, um Ponte das Canas 2007 (22 euros), da Herdade do Mouchão. Consistente, guloso e concentrado, num estilo mais duriense que alentejano. Um belo vinho. Queijada, torta de chocolate e requeijão com doce de abóbora (3,80 euros cada) compuseram o capítulo dos doces, completando um repasto de grande satisfação geral.

Apesar da exiguidade do espaço, não há qualquer tipo de constrangimentos, com a vantagem da proximidade e permanente intercâmbio com o proprietárioservente num cativante ambiente de troca e convívio. De realçar também o correcto serviço de copos e a segurança no ritmo e cadência a que os petiscos são colocado na mesa, que é como quem diz no balcão. Não há pressas, no estilo "toca-a-andar que há gente à espera", mas também não há hiatos que condicionem o ritmo darefeição.

Com as dificuldades decorrentes da magreza da disponibilidade de lugares, este é um dos locais obrigatórios para os muitos visitantes da atraente e bem cuidadacidade de Évora. Pode até ligar numa tentativa de marcação, que terá sempre a mesma resposta diplomática: "Abrimos às 12h30 e vamos tentar servi-lo". O Botequimfunciona há dezasseis anos, o casal Canelas não tem mãos a medir e, pelos vistos, a clientela dá por bem empregue a paciência da espera.

Nome
Botequim da Mouraria
Local
Évora, Évora (Sé e São Pedro), Rua da Mouraria, 16-A
Telefone
266746775
Horarios
Segunda a Sexta das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:00
Sábado das 12:00 às 15:00
Preço
25€
Cozinha
Alentejana
Espaço para fumadores
Não
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