Fugas - restaurantes e bares

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Voltar aos Carvalhos em busca de prazer e satisfação

Por José Augusto Moreira ,

No restaurante Mário Luso, o tempo apurou e refinou qualidades. Em Gaia, uma cozinha tradicional, sólida, segura e consistente, assente em criteriosa e cuidada escolha dos melhores produtos.

Hoje já não é obrigatória a passagem pela laboriosa vila dos Carvalhos para se chegar ao Porto pela Arrábida, mas há pelo menos uma boa razão para lá voltar. Após 73 anos de porta aberta, o Restaurante Mário Luso continua a ser um daqueles poisos sempre apetecíveis e cada vez mais raros, onde o tempo parece ter o benéfico efeito de refinamento. E isto é válido tanto para aquilo que vem à mesa como para o ambiente e acolhimento, prazenteiros e convidativos. Tudo sem perder a patine do tempo, a solidez e sabedoria da tradição.

O sinal de diferença em relação à modernidade urbana que rodeia a casa é logo dado pelo lampião e velho portão de madeira que se abre para uma espécie de pracinha interior coberta onde se vislumbra ainda a velha parreira. O restaurante apresenta-se agora em dois salões, amplos, bem-postos e confortáveis. O balcão, a garrafeira e algumas máquinas e utensílios de outros tempos deixam clara a presença da tradição e história da casa; já as mesas amplas, os sólidos cadeirões, toalhas e alfaias de evidente critério e bom gosto dão inequívoco sinal de confiança. É daquelas casas onde a sensação de satisfação se instala logo à primeira vista.

A meio da semana e ao almoço, calhou termos sido recebidos pela proprietária, que entre bonomia, humor, eficiência e artes de comerciante, cedo começou a desconfiar da postura interessada dos clientes. A “Meninha do Luso”, como D. Arménia diz sempre ter sido conhecida, nasceu praticamente com o negócio dos pais e aos 72 anos é o espelho da arte de bem servir e receber. No feminino, mas um restaurateur na sua melhor versão.

Começou pelo couvert (1,15€), com azeite, pãezinhos de trigo, tostinhas e, frisou, “broa de Avintes quentinha”, que colocou na mesa enquanto com gestos carinhosos alinhava os napperons do cestinho do pão e alisava a toalha de linho. Logo depois chegou o “requeijão da serra da Estrela” (3€) e umas rodelas de paio de “lombo de porco preto” (5,75€), ambos de qualidade e sabores supremos, tal como os “bolinhos de bacalhau” e “croquetes de vitela” (0,80€ cada) que se seguiram.

Para lá da nutrida carta, as propostas para essa quinta-feira contemplavam duas variantes de “arroz malandrinho” — um de tomate para juntar com “joaquinzinhos fritos” (8,50€) e outro com legumes para companhia da “pescada dourada” (9€) —, “fígado de vitela mirandesa em cebolada” (8,50€) e “arroz de pato à antiga” (8,50€). Seguiam-se as “especialidades do dia” anunciando “arroz de tamboril com gambas” (20€), “peixe-galo em filetes e açorda do mesmo com coentros” (18,50€), “linguado dourado com açorda do mar” (17€), “arroz de robalo selvagem pescado à linha” (19€), “posta de vitela mirandesa com batatinhas a murro” (18,50€), “naco de mirandesa na grelha à flor de sal com batata frita” (16€) ou “bife mirandês laminado” (18,50€).

Convocou-se o peixe-galo, que chegou em filetes douradinhos na capa de polme com farinha de trigo. Peças da parte mais alta com textura firme a denunciar a frescura do espécime e o apuro do trato culinário. Especiosa a açorda, com as mílharas e outras miudezas do peixe e cativante frescura do aroma a coentro.

Nota superior também para a peça cárnica de mirandesa, tenra, suculenta e saborosa que, a par de legumes em juliana salteados, pimentinhos e tomate-cereja assados, acompanhava com um molho aveludado onde eram perceptíveis cebola, pimento e especiarias (noz moscada? cravinho?) e também a frescura de bom vinagre.


Carne mirandesa

Percebe-se que há uma ligação especial na cozinha do Mário Luso com a carne mirandesa, que tem até um capítulo exclusivo na carta com cinco variantes (16-18,50€) e a indicação da exclusividade no fornecimento por parte da respectiva associação de criadores. Há também polvo e bacalhau à lagareiro (16/15,50€), outra versão, “à Brás” (13€), para o gadídeo e “secretos ao pimentão” (16,50€) de puro ibérico de belota.

Particular mesmo é o capítulo das sobremesas, com uma lista de doçaria tradicional capaz de abater até os mais ousados e pujantes. A anfitriã propôs uma espécie de rapsódia (misto, 5,50€) incluindo, pelo menos, leite-creme, favo de caramelo (com nozes), pudins (de laranja e abade de Priscos), tarte real, bolo de bolacha e bolo de amêndoa. Difícil mesmo é dizer qual o mais guloso.

Igualmente recheada é a carta de vinhos, abrangendo todas as regiões e categorias com opções seguras e adequadas, como foi o caso do Julia Kemper Touriga Nacional 2010, um tinto opulento, fresco e profundo, que bem mostra a melhor face do Dão. Há mesmo uma invulgar quantidade de vinhos com idade, todos com indicação do ano de colheita e criteriosamente arrumados numa secção de “vinhos antigos”. Igualmente alargada a oferta de aguardentes whiskies, Portos. Também champanhes e espumantes, estranhando-se, no entanto, que não haja um único da Bairrada.

A par do evidente cuidado na escolha dos produtos, o Mário Luso associa uma cozinha sólida e que bem expressa aquela sabedoria e confiança que só o tempo consegue doar. Junte-se o serviço atento e cuidado, o ambiente acolhedor e convidativo e temos uma das mais seguras e consistentes casas de comidas do país. Mesmo fora de mão, é caso para dizer que vale a pena voltar à estrada dos Carvalhos.

Nome
Mário Luso
Local
Vila Nova de Gaia, Pedroso, Largo França Borges, 308
Telefone
227842111
Horarios
Terça a Domingo das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:00
Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 15:00 e das 19:30 às 22:30
e Domingo das 12:00 às 15:00
Website
http://www.marioluso.com/
Preço
25€
Cozinha
Trad. Portuguesa
Observações
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