Fugas - restaurantes e bares

O novo fado da Adega Machado

Por Luís J. Santos, Joana Bourgard (vídeo) ,

E subitamente as guitarras e as vozes voltaram à histórica Adega Machado, 75 anos após abrir no Bairro Alto alfacinha, três anos após fechar as portas. Fizeram-se obras de alto a baixo e mudou-se praticamente tudo. Mas neste novo restaurante contemporâneo, que guarda as memórias de quase um século de canção nacional, o fado continua a razão de ser.

Anoitece na rua do Norte, ilumina-se a icónica fachada corrida a painel de azulejos de motivos populares e folclóricos criado pelo artista Tom de Melo. Passeantes e turistas disparam olhares e flashes. Quem só admira a fachada, portas e janelinhas, preservadas e restauradas, não consegue adivinhar a mudança e modernidade do interior da versão adega do século XXI. Da tasquinha com que o casal Armando Machado, violista, e Maria de Lourdes, fadista, marcaram o fado desde 1937, só restam as memórias.

"Não se conseguia aproveitar nada", conta-nos o gerente João Pedro Ferreira Borges do grupo Fado & Food, que, com a compra da adega à família Machado, passou a deter um triângulo histórico que se completa com o Luso e o Timpanas. "Foi do esgoto ao fio eléctrico", resume Ferreira Borges, uma "remodelação interior a 100%". E "fizemos questão de recuperar todo o património", assegura. Entra-se e acredita-se. O machado cortou a eito e o fado ecoa agora por três pisos, três espaços com uma decoração moderna, entre o sóbrio e o museológico.

Logo à entrada, uma janela deixa-nos espreitar o filme da sala principal, a do restaurante, quase palaciana, preparada para uma centena de pessoas, onde os fadistas e guitarristas se aprontam a meia-luz e os comensais silenciam o jantar. Para baixo, recebe-nos Amália, num recanto que homenageia a fadista (muito amiga da casa e presença constante, até porque era madrinha de dois filhos dos donos). Mais à frente, uma "tasca moderna", destinada a tertúlias, petiscos e vinhos a copo (e cocktails) para prolongar a noite. Para cima, uma surpresa: um terraço que permitirá jantares ao ar livre e "sentir o bairro".

A marcar todo o espaço, a história desta casa tão amada pelo mundo do fado: mais de uma centena de fotografias, quadros e caricaturas - que pertencem ao espólio da família Machado - contam o que foi o século XX da casa e do fado e, portanto, até de Lisboa e do país, incluindo os muitos artistas que a marcaram e os visitantes ilustres que recebeu. Se a diva do fado volta e meia voltava, registem-se também dois momentos marcantes da história: Alfredo Marceneiro, também homenageado com recanto especial, era espírito da casa (foi o último sítio em que trabalhou contratado, conta o seu neto no seu blogue), e já Mariza contava que foi o primeiro palco profissional onde cantou, tinha sete anos.

Até o fadista Marco Rodrigues (cujo apelido é apenas coincidência e sem conexão familiar à diva), director artístico da adega após mais de uma década a gerir os fados do Luso, chegou a cantar na anterior encarnação da casa. Agora, a ideia é "cantar mais próximo das pessoas" porque neste espaço "é mais fácil criar um ambiente intimista", conta-nos. Por volta das nove da noite, na sala do restaurante, Marco, que além de cantar toca viola de fado, toma o centro, rodeado por jovens guitarristas. O espectáculo começa, vai-se cantar o fado. Pedro Moutinho, Isabel Noronha e Joana Veiga hão-de ir chegando, vozes jovens e seguras, estrelas do elenco base das novas noites talhadas pela Machado. Uma desgarrada põe fim à primeira apresentação da noite.

"Queremos apostar na nova geração de fadistas, com grandes intérpretes", resume, realçando que o que se pretende são "noites de sentimentos à flor da pele", entre "os fados tradicionais, os musicados ou dos reportórios de cada artista". E talvez uma ou outra noite temática, "convidando alguns notáveis", exemplificando com a figura que muito gostaria de ali ver - e com quem canta num dos seus discos -, Carlos do Carmo. E também, uma ou noite por outra, é garantida a presença de mais uma ligação realmente amaliana: Celeste Rodrigues - a irmã da diva continua, quase aos 90 anos, a erigir o seu histórico fado. "Existe uma cidade em cada esquina / e cada esquina guarda algum segredo", vai-nos cantando Marco.

A adega, embora esperando uma natural grande maioria de turistas, não quer é ser uma "casa para turistas", sublinha o fadista, realçando que "há um aumento de portugueses". Porém, "seria impensável que as casas de fado tradicionais sobrevivessem sem turistas. Há um elenco profissional, uma grande equipa, e isso tem custos".


Fado comido
A cozinha é chefiada pelo brasileiro Alex Gregório. Natural de Minas Gerais, há mais de uma década em Portugal, também chefia o Luso. A sua "costela portuguesa" permite-lhe reinventar a gastronomia do fado na "cozinha vinte estrelas" deste "restaurante contemporâneo", como já nos tinha dito Ferreira Borges. Espere-se uma "cozinha de fusão". "Tentamos preservar a gastronomia portuguesa. Pegamos um prato e utilizamos novas técnicas de confecção, damos um toque de autor", explica-nos o chefe. Exemplos desta união, podem ser o "quase exótico" Medalhão de garoupa com camarão salteado em caramelo e espuma de batata doce, ou o Lombinho de bacalhau seco confitado em azeite com migas de coentros e broa de milho e coulis de coentros.

Fado das contas
É voz corrente que ir a uma casa de fado profissional não é coisa barata. E a Adega Machado não contradiz a sabedoria popular, até porque se posiciona num segmento elevado. Não existindo taxa de espectáculo (usada noutras casas), se optar por jantar, conte com algo entre 50 e 75€: os pratos principais custam 31/34€, as sobremesas 15/17€. Na ementa assinala-se ainda que "a divisão de um prato principal por duas pessoas implica o suplemento de €10". Já o couvert é cortesia. Como exemplo, um café fica por 3,50€, um sumo de laranja natural custa 9€, o mesmo preço mínimo no bar para um aperitivo, whisky ou cocktail. Uma cerveja ou copo de vinho fica por 7€, a tradicional sangria por 17€ (para uma pessoa, para duas custa 27€) e um cocktail custa 13€. Na área de petiscos (com carta final ainda a ser ultimada), o preço é 17€ (valor tanto para um chouriço assado como para um prego do lombo ou prato de queijos).    

Preços: Consumo mínimo €27 (após 22h30 - €17). Jantar: custo médio de 50€ a 75€ (entradas entre 19€ e 21€, pratos principais desde 31/34€, sobremesas 15/17€) 

Nome
Adega Machado
Local
Lisboa, Encarnação, Rua do Norte, 91
Telefone
213224640
Horarios
Terça a Domingo das 20:00 às 03:00
Website
http://www.adegamachado.pt
Cozinha
Portuguesa
Espaço para fumadores
Não
--%>