Histórias à margem da História
Estas excursões podem ser alternativas, mas não evitam os clichés de Paris. A diferença é que, em vez das histórias do costume, levam os visitantes a descobrir outras, quase sempre tão ou mais interessantes do que as primeiras. Assim de repente passamos a ler os monumentos de forma completamente diferente.
Meridiano de Paris
Fazemos escala na esplanada do Port Royal e depois na do Louvre (mesmo por detrás da pirâmide envidraçada). O propósito não é, contudo, contemplar esses monumentos, mas o espaço em volta. Nos dois lados pisamos medalhões com a mesma inscrição, a palavra Aragon com um N por cima e um S por baixo. Ninguém dá por eles, a não ser que seja fã do Código Da Vinci e é por culpa do seu sucesso que desapareceram várias dessas 120 placas, todas de 12 centímetros de diâmetro, que atravessam Paris.
Mas vamos começar pelo princípio: em meados do século XVII, o Abade Picard estabeleceu o comprimento padrão do meridiano e o rei Luis XIV mandou construir o Observatório de Paris, atravessado exactamente a meio no sentido Norte-Sul pelo meridiano estabelecido pelo astrónomo. Percebeu-se depois, no entanto, que os cálculos produzidos em função da ilha canária de Hierro não batiam certo e acabou por ser François Arago quem, nos inícios do século XIX, estabeleceu com o rigor o Meridiano de Paris. Acabou por ser suplantado pelo Meridiano de Greenwich como principal referência mundial, em 1884, embora os franceses tenham teimado em usá-lo pelo menos até aos inícios do século XX.
Em 1994, a cidade de Paris quis prestar homenagem a Arago e encomendou a obra a Jan Dibbets, artista conceptual dinamarquês a quem se deve a rede de placas. Tornaram-se célebres e pelos vistos vítimas da sua própria celebridade, quando o escritor Dan Brown decidiu fazer das ditas a chave para o seu herói Robert Langdon descobrir um antigo eixo sagrado.
Mistérios de St. Sulpice
Reencontramos a história do Meridiano, das suas conotações esotéricas e do hype provocado pelo Código Da Vinci na igreja de St. Sulpice. A maior paragem no nosso itinerário, serve de cenário a pelo menos três deambulações místicas, demasiado intrincadas para aqui reproduzir em pormenor. Recuperamos, no entanto, o essencial.
(i) St. Sulpice guarda um gnómon, isto é, um quadrante solar anual, que data de meados do século XVIII e é constituído por um obelisco em mármore branco de 10 metros de alto, uma linha no chão em latão e uma luneta num vitral do transepto sul. Acontece que o meridiano do gnómon não está alinhado com o oficial, mas esta assimetria agrada ainda mais aos místicos, que também designam o meridiano de St. Sulpice de Linha Rosa.
(ii) Quatro dos frescos que decoram as paredes da igreja são assinadas pelo artista religioso Signol (1804-1892), dois com o N no meio do seu nome invertido. Signol representa também Cristo na cruz com uma tabuleta (Titulis Crucis) de palavras invertidas, concordante com a velha tese hermética segundo a qual o Cristo que se vê na cruz não passa de uma imagem reflectida num espelho.