Do alto do meu cavalo, parece que nos conhecemos desde sempre. É assim: a relação que se estabelece com um bicho deste porte é quase imediata - este mais ainda: por ser uma paciente, embora robusta, égua, habituada a iniciados nestas lides. Mas carece de gentileza.
Do alto do meu cavalo, assumo a posição dominante. Mas não sou eu que a domino. É ela que aceita ser dominada. Do alto do meu cavalo, percebo de imediato que esta é uma relação de igual para igual. Uma relação de confiança. É precisamente por aqui que se inicia o contacto com o cavalo: a brusquidão não é bem-vinda.
E o bicho revelar-se-á mais prestável se tal lhe for pedido em vez de exigido. Revela, por isso, paciência, mesmo quando as divertidas dificuldades em trepar para o seu dorso o obrigam a uma concentração de equilíbrio. Mas, já no controlo das rédeas, a facilidade em guiar esta égua sobrepõe-se a qualquer nervoso miudinho que pudesse ter antecedido o momento, ou a quaisquer odores mais agressivos que nos acompanham numa incursão ao picadeiro.
"Há sempre um elo que se cria com o cavalo ao longo do caminho", garante Tiago Abecasis, director da Coudelaria Henrique Abecasis (H.A.), na Quinta do Pilar, em Aveiras de Baixo. Mas nem todos revelam temperamento tão fácil. Mesmo ao lado do picadeiro onde damos os nossos primeiros passos de cavaleiros, mais de uma dezena de exemplares exibem - sonoramente, até - a sua raça.
De comportamento altivo, não admitem grandes aproximações - excepto aos cães da quinta que, alegremente, vão saltitando entre nós e passeando-se entre estes cavalos que não são preparados para o ensino de cavaleiros. Mas são dos mais imponentes que vemos durante a visita. Pelo contrário, noutras cavalariças, uma mão-cheia de cavalos mais jovens mostram-se contentes com a nossa chegada, com a aproximação e até com o toque: as festas são por isso bem-vindas - deleitam-se eles e derretemo-nos nós.
Mas nem só de criação ou de ensino se faz a Coudelaria H.A.. O turismo equestre é uma das fortes apostas, com propostas de passeios de horas ou mesmo de dias (como o que, em cinco dias, une esta quinta à Golegã). Até porque, como defende Tiago Abecasis, "a melhor maneira de conhecer um sítio é a cavalo". O cavaleiro explica que o cavalo permite não só ter "acesso aos locais mais difíceis" como ter uma diferente perspectiva da região: é cavalgando que se torna mais fácil avistar raposas ou lontras (embora seja raro), uma vez que estas não irão recolher aos abrigos perante o som dos cascos.
Mas, adivinhamos, há outra impagável vantagem em percorrer a região desta forma. É em cima de um cavalo que conseguimos ser mais ribatejanos e compreender melhor as gentes que habitam estas verdes paragens. Por isso, a escolha em pernoitar em casas de turismo rural ou em tomar as refeições em restaurantes escondidos, "sítios onde se conhecem as pessoas, porque são elas que mais representam a genuinidade". É o turismo menos turístico possível: mostrar quem e como vivem e, mais, oferecer a hipótese de ser e de viver como quem nos recebe.