Fugas - viagens

  • Adriano Miranda
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De Aveiro a Lisboa, como se fôssemos para a Terra Nova

Por Maria José Santana

A Fugas embarcou num dos últimos sobreviventes da Frota Branca Portuguesa, numa viagem caseira, de Aveiro a Lisboa, que recria as rotinas do antigo lugre bacalhoeiro. A bordo do "Santa Maria Manuela", veleiro que está a celebrar 75 anos, aprende-se a viver o mar e a conhecer a história da tradição portuguesa na pesca do bacalhau.
Contam por aí velhos lobos-do-mar, eternos apaixonados pela navegação nos oceanos, que os navios têm alma. Chamem-lhe alma ou outra coisa qualquer, mas certo é que muitos navios não esgotam a sua missão apenas no transporte de mercadorias ou passageiros. Têm muitas histórias para contar - mesmo no silêncio das navegações nocturnas e solitárias - e proporcionam experiências inesquecíveis a quem neles embarca. É o caso do Santa Maria Manuela (SMM), um veleiro português, de 62 metros de comprimento e quatro mastros.

Um navio que ainda cheira a novo, mas que acaba de completar 75 anos de história. Confuso? É simples. Durante várias décadas, este navio cumpriu dezenas de viagens à pesca de bacalhau (chamadas "campanhas"), acabando por ser abatido e desmantelado em 1993. Por força do esforço de várias entidades de Aveiro,  região com fortes tradições na pesca do bacalhau, conseguiu-se preservar o casco. Mas só em Maio de 2010, fruto do investimento de uma empresa privada (Pascoal), é que o navio ficou totalmente reconstruído, recuperando aquelas que tinham sido as suas principais características ainda enquanto lugre bacalhoeiro, sem esquecer o conforto e a comodidade indispensáveis nos dias de hoje. De antigo lugre bacalhoeiro passou a navio de turismo cultural de vocação marítima - ou seja, navio de treino de mar.

Pronto para subir a bordo do SMM? Esta é uma viagem de pouco mais de 24 horas, que ligará Aveiro a Lisboa, com a certeza de que proporcionará um pouco de tudo aquilo que o mar tem para oferecer: ondulação quanto baste, e a consequente necessidade de combater os enjoos, e vento - que, no caso desta viagem, não soprou de feição. E, mais do que tudo, é uma experiência que consegue proporcionar uma verdadeira lição de História, levando cada participante a recuar ao tempo em que muitos homens do mar portugueses se aventuravam nas águas frias da Terra Nova ou da Gronelândia, para pescar o "fiel amigo".

Partiam de Portugal rumo a esses mares frios em veleiros idênticos ao SMM. E o verdadeiro arrojo destes homens não se limitava à viagem longa nas águas do Atlântico, sujeita a tempestades ou a ventos fortes. Já nos bancos de pesca, e a cada madrugada, tinham de abandonar o navio-mãe, para partirem num pequeno barco de um homem só (dóris) e pescarem o bacalhau à linha. Essa parte da tradição portuguesa na pesca do bacalhau também está contada no SMM, mais concretamente na zona do convés, onde se encontram empilhados, como acontecia na primeira fase de vida do navio, alguns exemplares desses barcos de um homem só.

O farol de Aveiro ainda mal tinha ficado para trás e já a proa do antigo lugre bacalhoeiro estava a rasgar as vagas, num verdadeiro movimento de sobe e desce, com a água a entrar para o convés. Para os cerca de 50 passageiros que seguem a bordo - que no SMM são chamados de "participantes activos", uma vez que todos são convidados (mas não obrigados) a participar nas tarefas de bordo -, é altura de obrigar o corpo a habituar-se aos embalos e a procurar um local onde o balanço se faça sentir com menor impacto.

"Vocês sabiam que os antigos pescadores diziam que esta era a zona do homem morto? Quando as vagas entravam aqui, a meio-navio, varriam os homens que aqui estavam", alerta Luís Gouveia, um dos passageiros a bordo. A primeira reacção ao alerta deste amante da vela e do mar é a sensação de estarmos no lugar errado, mas rapidamente o aviso se transforma em tema de conversa. "Tinha um amigo na Terra Nova que nos mostrava slides com imagens impressionantes sobre as viagens desse tempo", acrescenta Luís Gouveia, fazendo recuar a imaginação àquela que terá sido a vivência neste mesmo navio nas suas primeiras décadas de vida.

Hoje tudo está bem mais facilitado, começando, desde logo, pelas manobras para as quais a guarnição do navio e os passageiros são encaminhados logo nos primeiros momentos da viagem: içar as velas. Uma a uma, começando da proa para a ré: giba, polaca, bujarrona, traquete, contra-traquete, grande e mezena. Com força de braços e a ajuda mecânica de um guincho, não foi preciso muito tempo para ver o SMM com as velas todas içadas.


O primeiro teste

Está na altura da primeira refeição a bordo, já em alto-mar - para muitos, este será o momento do verdadeiro teste ao organismo em matéria de enjoos. Ao almoço serão servidos uns deliciosos rojões, confeccionados em plena navegação por Donaciano Miranda, cozinheiro do navio, e Fernando Vilarinho, o seu ajudante. Ambos têm uma longa experiência de cozinha em viagens de navios de pesca e garantem que esta é das funções mais exigentes a bordo. "Aqui não se pode enjoar. É preciso preparar as refeições para as pessoas haja a ondulação que houver", relata Donaciano.

Na cozinha do navio, situada junto à proa, o dia começa cedo. "Às sete horas começamos a preparar o almoço para ser servido às 11 horas, uma vez que há pessoal que entra de quarto ao meio dia e tem de comer antes", conta o cozinheiro. Num navio, o horário de trabalho nunca pára, 24 sobre 24 horas. Oficiais e marinheiros têm de cumprir uma escala de serviço dividida em turnos de quatro horas, chamados de "quartos". E esta é outra das experiências que os passageiros são convidados a viver: integrar as tarefas de bordo que têm de ser cumpridas ininterruptamente ao longo de todo o dia, quer seja na ponte ou no leme.

"Foi interessante poder fazer leme. Verifiquei que o navio não é assim tão fácil de manobrar e manter o rumo", relata Patrícia Almeida Ferreira, outra das passageiras. Amante da aventura - conta que já andou por África e pela Ásia sozinha a viajar -, Patrícia assegura que tentou aproveitar ao máximo a experiência desta viagem. "Também aproveitei para estar na ponte e conhecer os instrumentos de navegação", destaca.


Sono embalado pelas ondas

Outro dos grandes testes aos passageiros está reservado para o período da noite, durante as horas de sono. O balanço do mar acaba por tornar difícil o descanso profundo. Não obstante os edredões aconchegantes estendidos ao longo de cada beliche fazerem adivinhar uma noite reparadora, nem sempre é fácil encontrar uma posição que permita que o corpo fique firme e hirto. Dizem os mais experientes nestas aventuras de navegação que, à segunda noite, a tarefa fica mais fácil. Mas esta viagem contempla apenas a experiência de uma única noite.

Com mais ou menos horas dormidas, a vontade de saltar do beliche logo pela manhã é grande. O SMM já está a passar por Cascais, preparando-se para entrar Tejo adentro e rumar ao seu destino final, a Marina do Parque das Nações. Além do mais, as previsões já anunciavam um dia bastante quente e soalheiro, bem diferente do primeiro dia de navegação, marcado pelo céu cinzento e vento fresco. O pequeno-almoço é tomado à pressa, dada a vontade de usufruir ao máximo dos instantes finais da viagem. As máquinas fotográficas não têm descanso, nesse esforço constante dos passageiros de registar a vista a partir da água, enquanto o SMM vai passando o Mosteiro dos Jerónimos, o Padrão dos Descobrimentos e a Ponte 25 de Abril.

O avistamento do Parque das Nações prenuncia o fim da viagem e também uma recepção pouco comum. No cais, está já o Creoula, irmão-gémeo do SMM, actualmente sob a alçada da Marinha. Vão juntar-se para comemorar o seu 75.º aniversário - os dois navios foram lançados à água a 10 de Maio de 1937, em Lisboa. Para quem avista de fora, será difícil encontrar diferenças entre estes gémeos - só no interior é que os navios são bastante diferentes -, os únicos sobreviventes de uma frota que ficou conhecida como Frota Branca Portuguesa (existe um terceiro "sobrevivente", o Gazela, mas está nos Estados Unidos).

Para nós, está na altura da última refeição a bordo e de dizer adeus ao SMM.


Próximas viagens

O programa de navegação do SMM para os próximos meses tem já previstas várias viagens, ainda com disponibilidade de lugares. A primeira acontece entre 8 e 10 de Junho, no percurso Aveiro-Lisboa-Aveiro, e tem como propósito assistir à Volvo Ocean Race (preços de 220 euros por pessoa).

No final de Junho, a partir do dia 29, o veleiro realiza a viagem Aveiro-St. Malo (França), para participar na Tall Ships Race 2012 - uma viagem de oito dias (560 euros por pessoa). A 7 de Julho, larga do porto francês, já em regata, rumo a Lisboa (14 dias de navegação, a partir de 1300 euros). A 21 de Julho, volta a fazer-se ao mar em prova, rumando a Cádiz, com chegada prevista para 27 de Julho (a partir de 600 euros). A partir de 28 de Julho cumpre a viagem Cádiz-Aveiro (480 euros).

Para Agosto está também prevista uma viagem de quatro dias com destino a Vigo e ao Douro. Largada prevista para dia 6, a partir de Aveiro, com destino a Vigo, onde ficará atracado durante o dia 7. No dia seguinte, o SMM parte do porto galego com destino ao Cais da Ribeira, no Douro. No dia 9, cumprirá a viagem de regresso a Aveiro (395 euros por pessoa).

Mais informações em www.santamariamanuela.pt

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