Já o dia seguinte é bem mais atribulado para quem resolve desembarcar em Xiamen. A doca onde os barcos de cruzeiro atracam fica a 20 minutos de táxi do centro da cidade, mas os táxis acabam mal o primeiro andar de quartos do paquete é esvaziado. A alternativa é apanhar um autocarro — o problema é que nesta terra os chineses só falam chinês e primeiro é preciso arranjar alguém que perceba para onde queremos ir e esteja disposto a escrever o endereço num papel para o condutor ler. Uma confusão que se torna ainda maior quando se percebe que o que interessa nesta ilha do sudeste da China não é tanto ela própria, mas outra ilha bem mais pequena, que fica em frente à baixa da cidade.
Chama-se Gulangyu, tem apenas dois quilómetros quadrados, e é a incontestável rainha das atracções por estas paragens, estando inclusive classificada entre os 35 sítios de maior prestígio “cénico” da República Popular da China. Para lá chegar é preciso apanhar um ferry que demora pouco mais de cinco minutos a fazer a travessia, mas a ilha é um íman quotidiano para milhares de chineses, o que se traduz em ferries ostensivamente sobrelotados, em especial entre as nove e as dez da manhã. Entrar e sair dos barcos a essa hora é uma aventura e quando lá se está dentro também não se ganha muito descanso, até porque é quase impossível deixar de pensar no eventual excesso de peso. No final, o trajecto acaba por produzir memórias inesquecíveis de comunicação gestual e seguro contacto físico com magotes de chineses, que se vêm casar, passear os recém-nascidos ou simplesmente fazerem-se fotografar com as suas melhores toilettes junto às capelinhas da ilha.
Gulangyu é também chamada “o jardim das mil nações”, o que é uma forma pomposa de referir o seu estatuto excepcional, único na história da China. Um pouco à semelhança de Tânger, em Marrocos, e no mesmo início do século XX, esta ilha foi declarada Zona Internacional. Antes disso, na sequência da primeira Guerra do Ópio, esteve em mãos inglesas e mais tarde, durante a Segunda Grande Guerra, foi anexada pelo Japão. Gulangyu foi a China onde o resto do mundo assentou arraiais, um passado colonial e cosmopolita que a constelou de preciosas vivendas e de jardins não menos requintados.
Hoje algumas dessas mansões estão restauradas, enquanto outras se mantêm em ruínas, mas no seu conjunto o património edificado da ilha funciona como um parque temático da era colonial (proibidas novas construções), suplementado de um batalhão de pequenas lojas de souvenirs e vendedores ambulantes, num dos raros ambientes urbanos chineses livres de carros a gasolina (há, mesmos assim, meia dúzia de buggies eléctricos para alugar). Entre as principais atracções contam-se uma estátua gigante e um museu dedicado ao herói nacional Koxinga e o único museu de pianos da China. Mas o lugar de longe mais concorrido é a chamada Rocha da Luz do Sol, um magnífico bloco de granito que se destaca como o ponto mais alto da ilha (92,7 metros). O topo oferece vistas desafogadas a 360 graus sobre a ilha inteira e vizinhanças, mas é outro desses lugares onde só se consegue chegar empurrando e sendo empurrado por um batalhão de chineses sorridentes.