Fugas - viagens

Continuação: página 2 de 3

Jaime, um seringueiro que não teve juventude

Ao lado da casa senhorial, fica o barracão de aviamento, outra construção em madeira. Era o sítio onde os seringueiros se abasteciam de alimentos como arroz, feijão, carne seca e café. E onde bebiam cachaça, para esquecer a dureza daquele trabalho. “Quando seringueiro ficava bravo, tomava uma cachaça e acalmava”, conta Jaime, quase sempre com um sorriso nos lábios. Acalmava e ficava mais endividado, porque a conta era paga com a borracha recolhida dia após dia. “A gente ficava sempre a dever. Nunca um trabalhador conseguia saldar a dívida”, diz, sobre essa contabilidade injusta, que em vez de salário dava dívidas aos seringueiros.

Os trabalhadores também tinham de comprar ao patrão as ferramentas para recolher o látex: a faca, a latinha e a poronga, uma lamparina para a cabeça, porque muito do trabalho do seringueiro era nocturno. “No início, saía à uma ou duas da manhã, chorando, com medo de ir e não voltar mais. Quando a gente vai a primeira vez, a gente vai com medo. Não tem costume de andar no mato sozinho à noite. Depois me acostumei”, diz Jaime, homem de fala rápida, relembrando os primeiros tempos em que cortou seringa.

O dia dos seringueiros começava às duas ou três da manhã, porque de madrugada o látex está mais fresco. Faziam-se os cortes de noite e deixava-se uma pequena tigelinha na árvore para recolher o leite. E ao final da manhã passava-se o látex para uma lata maior. Um trabalho duro, feito na escuridão e no meio de uma selva cheia de perigos. “Nunca fui mordido por cobra, mas conheci muita gente que morreu”, diz Jaime, que experimentou vários tipos de febres e doenças: “Acho que malária tive umas dez vezes.” À falta de médico, as ervas medicinais eram a solução: “A minha mãe era índia, sabia que ervas davam para curar a gente.”

A jornada de trabalho não terminava com a chegada da luz do dia. Era então hora de defumar a borracha, processo que tem de ser feito no mesmo dia da recolha. “Tem de defumar até às seis da tarde. Se não, começa a coalhar. Basta o calor da mão para tornar o látex sólido”, explica Jaime, enquanto faz uma demonstração, rodando um pau com borracha por cima de uma fogueira. Feita a defumação, a borracha assemelha-se a uma bola, que depois é valorizada conforme o peso. Um negócio com muitas nuances, porque, do lado de quem vendia, havia quem tentasse incluir paus ou panos para inflacionar o peso. E, do lado comprador, fazia-se o oposto. “Quando se compra bola de borracha, desconta-se 10 ou 15%, porque ainda está molhada. Mas há quem desconte 40%. Eu fazia isso, porque meu patrão me mandava”, conta o guia Armando Dússan, um colombiano que também já trabalhou no comércio da borracha.

Jaime afinal é Manuel

Passeamos debaixo da sombra das seringueiras, árvores com três folhas. Jaime desfia memórias do tempo em que os seringueiros desviavam alguma borracha para o regatão, o mercado no rio, onde a trocavam por açúcar, bolacha ou roupas. “Quando eu comecei a me entender, as mulheres faziam uma fralda de pano. Não existia esse negócio de calcinha [cueca]”, diz Jaime, enquanto nos aproximamos de uma pequena construção de madeira em palafitas, apenas com uma parede. É a casa do seringueiro, simples e a alguns metros do chão. “O seringueiro dorme pouco. Deita-se às sete e acorda à uma da manhã. Nessas horas, o sono é muito pesado. Se a onça chegar, pega ele. Então ele dorme lá em cima e deita a escada abaixo. Se onça chegar, tem de pular e faz barulho”, explica Jaime.

--%>