Fugas - viagens

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Ali pára a Malcata, parda, à espera de ser descoberta

Por Margarida David Cardoso

Aguçamos os sentidos para cheirar e ver a serra, um dos últimos refúgios naturais do país. As Terras do Lince, aninhadas na sua beleza calma, olham para Espanha para nos contar a história de um Portugal interior que tem fé no turismo.

Bruno é o guia por uma hora, e pela forma como conta o ofício singular ao amigo que vigia a mata percebe-se que por aqui, nem ele, nem ninguém, costuma guiar estas deambulações turísticas. É nervoso o seu riso, carregado o sotaque, e a frequência com que olha para as mãos tornam inevitável que se faça a comparação: este homem, queimado pelos primeiros sóis de Maio, conhece a Reserva Natural da Serra da Malcata como a sua palma.

São ossos do ofício deste sapador bombeiro conhecer os caminhos da serra de 16 hectares que cruza a fronteira dos concelhos de Penamacor e Sabugal e, consequentemente, dos distritos de Castelo Branco e Guarda.

“Ó Jorge”, grita Bruno mal chegamos ao posto de vigia. E Jorge, de tronco nu e t-shirt à cabeça, espreita do varandim da torre de onde vê a serra. Desce a escadaria, deixa a porta aberta e um convite para entrar. Um pequeno rádio portátil toca música dos anos 1980, um mata-moscas pendurado na parede balança, dando sinais da brisa num dos pontos mais altos da serra.

Dali vê-se Monsanto e a Covilhã. E a serra recortada pelo rio Côa — é a linha de água que lhe dá forma a norte. Dali o sol aquece, não queima, a brisa corre, sem arrefecer. Dali a visão da Malcata malhada de cores, com os cumes arredondados, as vertentes íngremes, a ser recortada pela água. E as ribeiras da Meimoa, Valdedra e Selgueirinho encaixadas em vales apertados, xistosos. A serra a perder-se Espanha adentro até se confundir com a serra da Gata.

A cor chega-nos em mosaico. O amarelo das giestas no meio dos bosques ripícolas de amieiros, freixos e salgueiros. De quando em quando, a irromper do amarelo e do verde, o branco das urzes e das flores de esteva. Ali pára a serra da Malcata, parda, na raia, à espera de ser descoberta.

 

História antigas

A serra não tem trilhos traçados para visitantes, nem precisa. Os caminhos existem, formados pelos carvalhos, azinheiras e medronheiros alinhados e a serra está pronta a receber. Afinal, este é um lugar de especiais confluências: de concelhos, de distritos, da Beira Baixa e da Alta. Fértil em linhas de água, no interior da serra nasce o rio Bazágueda, afluente do Erges espanhol, da rede hidrográfica do Tejo. A multiculturalidade só fez dela mais rica e um dos últimos refúgios naturais do país.

A sua Reserva Natural foi criada na sequência da campanha “Salvemos o Lince e a Serra da Malcata”. 30 anos depois, preservou-se a serra, não se salvou o lince-ibérico.

A Malcata perdeu o lince há 20 anos, depois do desaparecimento dos últimos coelhos bravos. Bruno já só o viu na televisão. Mas a mística ficou. “Muita gente continuou a associar o lince à Malcata”, explica Dulcineia Moura, coordenadora da Territórios do Côa - Associação de Desenvolvimento Regional, o que levou à criação das “Terras do Lince”, que une através dessa memória os concelhos do Sabugal, Almeida e Penamacor. A marca foi recentemente certificada pela Federação EUROPAR como Carta Europeia de Turismo Sustentável.

Falamos de mística, porque é disso mesmo que se trata. As “Terras do Lince” surgiram quando já a presença da espécie na serra da Malcata caminhava de história para lenda. Por várias vezes estiveram em cima da mesa de ministérios e faculdades formas para reintroduzir o lince e a Malcata ficou fora de planos a curto e médio prazo. Mas os agentes locais reclamam um lugar nos esforços de preservação da espécie. Querem mais do que as histórias antigas.

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