Depois há Alvor e Portimão, que para lá da fachada e do mamarracho têm os seus recantos e encantos, e finalmente há Albufeira, a capital do turismo de massas e a sua barulhenta rua dos bares, que por mais que me esforce não consigo deixar de gostar.
Como também não consegui deixar de gostar da exposição de esculturas na areia em Pêra, o FIESA, já na sua 11.ª edição. Pode até ser uma atracção turística, mas é uma boa atracção turística. O tema deste ano é a música e algumas esculturas — como a de Zeca Afonso — quase cantavam.
Do que passei a gostar mais foi de Faro, a capital, ou a antiga Santa Maria de Ossónoba. O seu centro histórico é dos mais bonitos de todo o Algarve e dali se estende a vista e partem os barcos para o maior santuário natural do Sul — a ria Formosa.
Jacinto Palma Dias prefere chamar-lhe maternidades: “O termo reserva não inspira cuidado, lembra condomínio, no fundo o que aquilo é, tal como o Sapal aqui em Castro Marim é uma enorme maternidade, um santuário de biodiversidade que devia estar mais bem protegido da voragem do turismo de natureza, que gasta óleo e gasóleo na mesma.”
Por fim, sigo o curso da ria até Tavira, com passagem por Olhão, orgulhosa capital de pesca da região. Uma terra feia, mas com carisma e cheiro a mar e peixe. Paragem na tasca Sete Estrelas, quase centenária e bastião do orgulho olhanense, como se vê pelas fotos antigas do clube da terra espalhadas na parede. “O Olhanense é dos clubes mais antigos de Portugal e foi o primeiro campeão nacional. Equipam de vermelho e negro, como o AC Milan, porque foi fundado por italianos que vieram para aqui, refugiados, e que ajudaram a montar a indústria das conservas”, explica Eduardo o jovem proprietário.
A indústria das conservas perdeu a sua importância, mas foi uma das razões da antiga prosperidade do Algarve que se extinguiu em 1929, com o crash da bolsa, conforme explica Jacinto Palma Dias: “A economia prosperou com as passas de figo e as conservas, que eram exportadas para toda a Europa e que ganharam forte impulso com a Primeira Grande Guerra. Com o crash de 1929, deixou de haver importações e o Algarve faliu. Houve um grande surto migratório e uma época de pobreza da qual só recuperou com um modelo económico autofágico — o do turismo de massas, que destruiu a identidade da região.”
De Tavira a Vila Real de Santo António a pressão do turismo de massas vai desanuviando e ainda é possível respirar um pouco daquilo que teria sido o antigo e pitoresco Algarve na localidade de Cacela Velha, com vista sobre a praia da Manta Rota.
Deixo o litoral algarvio e regresso ao interior e à serra que lhe serve de muralha e miradouro. Sigo a bela marginal do Guadiana, encostada ao rio que sobe até Alcoutim e daí mergulho na imensidão da serra do Caldeirão, um ondulante mar de montes verdes como carapaças de tartarugas estáticas. Intrigo-me com a estranha toponímia, com nomes de terras como Javali, Passa Frio, Pão Duro ou a alienígena Estragamantens.
É por aqui que a identidade algarvia também se define no rosto e vida das gentes das serras de Mú ou do Caldeirão até ao vasto Barrocal, passando pelas cidades onde a herança muçulmana mais se pressente — como Silves e a sua extraordinária catedral e saborosas laranjas com canela ou Loulé, para beber um capilé no lendário Café Calcinha, onde António Aleixo declamava os seus poemas.