“Andam a dar a Volta a Portugal?, pergunta-nos “Palhinha”, vendedor de fruta e antigo defesa esquerdo do clube da terra, enquanto petiscamos uns pedaços de tomate e torresmos na Taberna Pica-Chouriços.
“Andamos, pois”.
“Não nos arranja aí um treininho no Piense?”
“Primeiro têm que dizer como vieram cá parar?”
“Quer a versão curta ou a versão longa?”
Então é assim: se viajar é a fuga à rotina, passar oitenta dias na estrada também pode tornar-se numa rotina à qual de vez em quando convém fugir. Para esta semana, semana em que tínhamos programado sair de Alcoutim, ainda no Algarve, e terminar em Alpedrinha, já na Beira, metemos na cabeça que gostaríamos de treinar num clube de futebol alentejano. Porquê?
Primeiro as razões oficiais. Se o objectivo deste projecto é também (ou sobretudo) contar histórias, queríamos ir ao encontro de uma equipa dos distritais e tentar perceber a realidade do “obscuro” futebol amador. Quem são estes homens que treinam e jogam três a quatro vezes por semana a troco de meia dúzia de euros? Quais as suas profissões? Que região é esta que chama todos os portugueses até si, mas que há muitos anos não consegue colocar um clube nos campeonatos profissionais?
Agora a verdade: estávamos com saudades de jogar à bola e esta pareceu-nos a forma mais rápida de lá chegar. Coisa de homens? Sim, coisa de gajos. Este carro leva três homens, não há como negá-lo, três apaixonados por viagens, por livros, por música, mas também por futebol, tabernas e uma série de outros assuntos bem menos nobres dos quais raramente rezam as revistas de viagens. Ir ao encontro deste prazeres, destes vícios, é também uma forma de respeitar a própria essência desta Volta. Outro dos objectivos era precisamente descobrir algumas tabernas, daquelas que a ASAE gosta de visitar. Será que ainda existem verdadeiras tascas alentejanas? Questões, sempre muitas questões...
Um guia editado em 2013 pela Associação da Defesa do Património de Mértola, denominado Rota das Tabernas Alentejanas, dizia que sim. Mértola, Almodôvar, Beja, Castro Verde, Ourique e Serpa são os concelhos abrangidos. Houve, contudo, um nome que nos chamou a atenção: Pias. Só nesta vila do concelho de Serpa existem três casas referenciadas: Taberna Popa, Taberna do Silvestre e Taberna Pica-Chouriços. Estava decidido o nosso destino. Deixámos definitivamente o Algarve para trás e em pouco mais de uma hora eis-nos no início do texto, à conversa com “Palhinha”.
“Tenho que falar com o presidente do clube, que eu agora não mando nada, mas não deve haver problemas.” Futebol puxa mini, mini puxa petisco, petisco ao balcão puxa conversa e a noite cerrada entrou sem pedir licença, tal como fizéramos algumas horas antes. “Já é muito tarde, não vão conduzir a esta hora, pois não?”, perguntam em coro. Depois de alguma desconfiança inicial e longos minutos de estudo mútuo, “Palhinha” e Zé Manel Pica-Chouriços, o ex-carrancudo dono, multiplicam-se agora em simpatias e telefonemas para nos tentar encontrar um quarto numa pensão mesmo ao fundo da rua. “Durmam descansados que amanhã trato do treino”, foi a última frase do dia, antes de fazerem questão de nos levar até à porta. Ainda há tabernas no Altentejo, não há dúvidas, e muito do que é Portugal continua lá dentro.