Fugas - voltaaportugalem80dias

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De Alcoutim à serra da Gardunha: Regresso a casa

Um Pulo no Alqueva

“Palhinha” cumpriu com a sua palavra e na manhã seguinte falámos com o presidente, António Borralho, que nos abriu as portas do clube sem hesitar. Havia, contudo, um problema. A equipa tinha um jogo treino na Vidigueira e só voltariam a trabalhar em casa no final da semana. Novas questões impunham-se. Valeria a pena esperar? Não estaríamos a levar longe de mais um capricho num projecto que é suposto viver da estrada? O que escreveria eu para a Fugas? A resposta estava escrita desde o início.

Fizemos dos beliches da Pousada de Juventude de Beja o nosso quarto general e andámos três dias a vaguear pelas redondezas. Três dias com menos pressa do que o costume, porque a estrada já pesa e a urgência de desbravar terreno vai dando cada vez mais lugar à contemplação. Ficar, parar, chegar e, sobretudo, estacionar são agora verbos tão ou mais pronunciados do que a palavra partir. Fizemo-lo em Beja, Évora, Monsaraz, Moura e, sobretudo, no Pulo do Lobo e no Alqueva. Dois segredos mal guardados que, apesar de tudo, continuam a ser pouco frequentados.

O primeiro, situado entre Mértola e Serpa, a maior queda de água do Guadiana, ponto em que as margens quase se tocam e que se diz os lobos transpunham de um só salto. O coração do Alentejo profundo, seja lá o que isso for. O segundo, o maior espelho artificial da Europa. 250km2 de superfície, 83km de comprimento, 1160km de margens e um sem-número de expectativas nunca cumpridas. Um projecto adiado, dizem alguns. Um paraíso, sussurram outros. Conscientes de que não acrescentaríamos nada de novo ao que já foi escrito, metemos os cadernos e o faro jornalístico na mala e limitámo-nos a deixar correr o tempo, estrada fora, lago adentro, por caminhos que acabam invariavelmente na água. É sabido que todas as estradas portuguesas acabam na água, mas não necessariamente no mar.

Só não abdicámos da Rota das Tabernas, nós que por defeito e mau feitio fazemos gala de afirmar amiúde que somos alérgicos a guias e facilitadores de viagem. Foi graças a ele que fomos parar a Baleizão, que consta no guia com dois estabelecimentos, Taberna Lebre e Café do Rato “Taberna do Janico Toi”. A velha toponímia portuguesa é bem melhor do que alguma da sua nova literatura. Não havia cachola, nem cabeça de borrego assada, petiscos servidos apenas por encomenda.

Ainda assim, lá nos arranjaram uma sandes de presunto com pão caseiro que nos emprestaria a definitiva dose de força para enfrentar o treino, marcado para o final da tarde. Em frente à taberna, um busto em homenagem a Catarina Eufémia, ceifeira e mulher da terra que foi assassinada em 1954 durante uma greve e que acabaria por personificar a luta contra o Antigo Regime. Na porta ao lado, um antiquário, homem do mundo que regressou a Baleizão depois de quarenta anos fora, mas que continua a fazer feiras por todo o país, inclusive nas ilhas. Por incúria e falta de memória deixámos cair o seu nome, mas não esquecemos uma expressão que usou vezes sem conta enquanto nos mostrava o seu espólio: “Não imaginam o prazer que isto me dá; não imaginam o prazer que isto me dá...” Prazer, palavra estranha, esta, sobretudo quando repetida até à exaustão, mesmo em viagem.

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