Fugas - voltaaportugalem80dias

  • As nuvens mais bonitas do país estão a 1993 metros de altura, no ponto mais elevado de Portugal continental — a Torre da serra da Estrela
    As nuvens mais bonitas do país estão a 1993 metros de altura, no ponto mais elevado de Portugal continental — a Torre da serra da Estrela

Continuação: página 2 de 4

Da Serra da Estrela ao Alto Douro Vinhateiro: Com os pés bem assentes na serra

É ali que bebemos a abaladiça que nos vai levar por Manteigas e por uma das mais cénicas e bonitas estradas de Portugal, que corre ao lado do vale glaciar onde o Zêzere vai ganhando forma.

Chegados ao topo da serra, vemos finalmente o grande espectáculo da dança das nuvens, que num dia de céu limpo se recortam como figuras fantásticas sobre a Torre. A serra da Estrela vive refém da sua sazonalidade da neve, das excursões ao “sku” e de uma das mais estranhas concessões de que há memória em Portugal — acima dos 1500 metros a exploração turística está entregue desde o tempo de Marcelo Caetano à mesma empresa cuja estrondosa inércia tem permitido que a serra da Estrela ainda não tenha sido transformada numa balbúrdia. Irónico, não é?  Mas não são estes assuntos terrestres que nos movem.

Seguimos as nuvens pela estrada até Seia, com paragem no Sabugueiro, a aldeia mais alta de Portugal, onde fomos conhecer Rui Laranjo, criador de cães serra da Estrela. Tem duas novas ninhadas de cachorros felpudos desta raça antiga que durante séculos acompanhou pastores e rebanhos na sua transumância. Pego num ao colo e tenho direito a levar com o chichizinho de baptismo. “É um cão muito fiel e meigo, que tanto pode servir para cão de guarda, como cão de família. Só precisa de espaço para se mover à vontade”, explica este criador de cães que exporta a maior parte da sua produção para o estrangeiro.

Descemos a serra pelas suas estradas cénicas, com uma paisagem de Outono que lhe dá uma palete de cores que faria as delícias de um pintor impressionista. Mas para celebrar as cores de Outono há outro sítio melhor. Fica mais a Norte. É o Alto Douro Vinhateiro, Património da Humanidade. É para lá que vamos.

Todo o Douro na varanda

Acordar de manhã, beber um café numa caneca antiga com a cara do Sandokan estampada e ver o Douro vinhateiro concentrado na moldura da varanda é um raro privilégio, ou melhor, é uma sorte do caneco. Estou na varanda de uma casa de aldeia. Chama-se “O Zé já dormiu aqui” e foi pelo nome que aqui vim desaguar a Celeirós do Douro, pequena aldeia do concelho de Sabrosa, o mesmo onde se supõe ter nascido Fernão Magalhães.

Daqui da janela vejo as nuvens pairar, plúmbeas e ameaçadoras, sobre o vale vinhateiro e sobre a aldeia, onde a torre sineira da igreja se ergue com o seu badalar de horas certas. Na encosta, uma adega instalada nas traseiras de um antiquíssimo solar recebe os tractores com as uvas das vindimas e uma prensa vai fazendo o seu mosto. O ar perfumado já cheira a vinho e a lareiras que se acendem.

Daqui só não se vê o rio. Para isso é preciso tomar a estrada e descer até ao Pinhão, passando pela bela aldeia de Provesende, onde se faz o melhor pão da região, apesar da fama e proveito ser do pão de Favaios.

É o maior forno a lenha do distrito, que alterna dias de pão de centeio com dias de pão de trigo. “Para contentar todos os gostos”, explica Manuel Cardoso, filho da velha padeira de Provesende, que há mais de 50 anos amassa e coze o pão neste antigo lagar de azeite. “Se trouxer a carne ou o chouriço, fazemos a bola ou cacetes com chouriço.” Tentadora proposta, mas a estrada já chama, e uma das mais belas estradas de Portugal — a que vai do Pinhão até ao Peso da Régua.

--%>