Sujos, barbudos e com um cansaço difícil de medir em quilómetros – foram quase 14 mil! O Citroën C4 Cactus acusa um barulho, por baixo, que não fazia e é possível que os três tenhamos mais uma ou duas rugas inexistentes no dia 9 de Agosto, quando partimos para a Volta a Portugal em 80 dias.
Há um odor estranho no habitáculo do nosso companheiro de quatro rodas, que parece combinar os aromas de todas as terras por onde andámos. Também pode ser da maçã esquecida debaixo do banco. Nunca se sabe.
Nesta última semana de viagem decidimos vadiar junto ao Tejo Internacional. Sempre pelas desérticas estradas da Beira Baixa, à volta de Castelo Branco, Idanha-a-Nova e Vila Velha de Rodão. Navegámos à deriva pelo nosso rio de asfalto e gravilha. Parecia desaguar sempre no Tejo, apesar de este nunca se deixar ver. Mas talvez seja mais do que isso. Deixámos já para trás tantas vilas, aldeias e cidades, que a sensação é que, cada estrada, vai dar a um país distinto. Portugal nunca será um só país.
Com o calendário da viagem a esgotar-se rodámos mais devagar. Aportámos ao sabor do momento. Na vila de Águas parámos só para ver as termas (fechadas) e a placa de homenagem a José Megre (1942-2009), viajante ímpar, que percorreu o mundo inteiro, mas que nunca foi esquecido pelo pequenino ponto no mapa que o viu catraio. Já em Malpica do Tejo encostámos apenas com o propósito de provar uma chanfana e umas migas de peixe na Tasca Maria Faia, nome mítico na região, imortalizado pela canção de Zeca Afonso sobre a apanha da azeitona.
Rio de asfalto
Em terra é difícil confundir as águas. Mas, no rio, a história é outra. No Tejo Internacional, as fronteiras portuguesas e espanholas diluem-se e partilham, sem reservas, uma fauna e uma flora deslumbrantes. Para ver o Tejo, por estes lados, somos obrigados a sair da estrada. E, se possível, a combinar um encontro com Domingos Leitão no cais de Lentiscais. Foi o que fizemos. Poucas pessoas haverá mais conhecedoras desta área integrada no Parque Natural do Tejo Internacional – parte, por sua vez, do Geopark Naturtejo. Responsável pela empresa de animação turística Ponsulativo, Domingos Leitão é quem faz as travessias entre Lentiscais (a 10 quilómetros de Castelo Branco) e Herrera, através dos rios Pônsul e Tejo. Lisboeta, mas com raízes em Alpedrinha, decidiu regressar à região, mais concretamente a Malpica do Tejo, em 1988, para se dedicar à agricultura biológica.
A paixão por desportos náuticos como a canoagem e o remo vem dos tempos de juventude, mas ganhou consistência, corpo, com a proximidade do rio. A batalha pela exploração turística deste “diamante em bruto”, no início, não foi fácil e durou até 2000. “É um projecto transfronteiriço. Sempre houve afinidades entre os dois países, mas havia um rio que servia de barreira e que era transponível”, explicou.
Em 2013, altura em que obteve licença para fazer as travessias durante o ano inteiro (e não apenas nos meses de verão) foram mais de oito mil os turistas que atravessaram o rio para conhecer o concelho de Castelo Branco. Não é negligenciável o contributo destes visitantes, quer em termos culturais, gastronómicos ou meramente comerciais. “Muitos vêm ao nosso centro comercial consumir”, avançou Domingos Leitão, com o olhar debruçado sobre as águas, tranquilas. São dois os barcos que asseguram a ligação entre Lentiscais e Herrera: o Moura Encantada (oito lugares) e o Balcón del Tajo (60 lugares), estando prevista a incorporação de motores 100% eléctricos nas embarcações, para que não exista qualquer tipo de poluição.