Manaus ficou para trás. Não há carros, nem prédios, nem gente. Não há trânsito nem berrarias. Os telefones não tocam. A Internet não existe. Não há ecrãs nem televisões. Aqui, na Amazónia, a 100 quilómetros de Manaus, mandam a natureza e o rio, que é a estrada por onde se entra e sai. Os motores dos barcos, que se ouvem aqui e ali, produzem o único ruído que perturba o domínio absoluto da natureza.
Paramos o barco e entramos no meio da floresta, para uma caminhada de hora e meia. Mateus, o nosso guia, pega na catana. “É a arma principal para a caminhada. Sem catana é muito perigoso”, diz este “índio de pai e mãe”, nascido em Waupés, perto da fronteira com a Colômbia. Seguimos por um trilho, de forma a evitar as cobras, o principal perigo nesta zona. Olhemos para o chão, porque é por aí que elas andam. Jararacas (o nome que no Brasil se dá à sogra), cascavéis e sururucus são as cobras mais comuns na Amazónia.
Mateus foi criado numa aldeia a cinco horas de barco de Manaus. Sabe muito sobre a floresta. Tem participado em projectos de manutenção da cultura indígena, ajudando, por exemplo, a fazer livros adaptados à realidade das crianças índias. Talvez isso ajude a explicar o facto de a cada passo nos desvendar os segredos da floresta. Aponta para um cipó de água, uma árvore alta como quase todas na Amazónia, onde há uma luta pelos raios de sol. “A água do cipó pode ser consumida. E é muito boa para as cólicas dos bebés”, explica.
Mais à frente, nova lição. A palmeira de babaçu é multiusos. Além de ser comestível, o coco dá para fazer óleo e sabonete. A madeira serve para construir casas e as folhas para as coberturas das habitações. Dentro do coco, descobriremos mais tarde, há um bicho do coco, bem nutritivo, garante Mateus. “Sabe a coco”, comprovamos, depois de experimentar. Raspando o coco de babaçu é ainda possível fazer uma espécie de farinha maizena, “boa para o estômago e para tratar diarreias”, diz Mateus, parecendo uma enciclopédia da floresta.
“Cada vez que morre um idoso, perde-se conhecimento sobre botânica e outras coisas. Estou a ajudar a recolher esses conhecimentos”, diz o nosso guia, que tem colaborado com a organização não-governamental Instituto Sócio-Ambiental, criada em 1994 para apoiar os povos indígenas. Por isso, Mateus gosta de passar conhecimento. Avistamos uma árvore cheia de formigas. “São as tapiba”, desvenda o guia, que apanha várias formigas e as esfrega nos braços. O cheiro tem duas funções: “Repele os insectos e ajuda a que os animais não identifiquem o cheiro do caçador.”
No meio da floresta, entra-se noutra dimensão. Não há, em rigor, um silêncio absoluto, porque se ouve constantemente uma banda sonora de animais: grilos, sapos, pássaros, macacos e inúmeros bichos desconhecidos. Mas é um barulho natural, quase equivalente a silêncio. Os animais, esses, escondem-se. Os macacos andam algures, sem se deixarem ver. Vimos apenas uma tarântula (que Mateus descobriu num buraco), sentimos o cheiro da cutia (um pequeno roedor), vimos marcas de tatu (um mamífero que inspirou a mascote do Mundial 2014) e recolhemos as penas de um tucano, aparentemente comido por um gavião.