Os wine freaks andam por aí, cada vez em maior número, e, numa altura em que o vinho tende para a industrialização e a homogeneização, são uma espécie de "Ilha da Utopia", os redentores do vinho verdadeiro, com alma e carácter. Alguns dos melhores vinhos portugueses têm a sua assinatura. E o futuro parece passar por eles.
Fogem do habitual e das modas, mesmo se o sonho é regressar ao tradicional, ao básico, ao purismo. Muitos vivem nas franjas, de forma alternativa e extravagante. Mas não estamos a falar de gente anormal e aberrante, como a tradução literal pode sugerir. No entanto, vale a pena perceber a origem do termo.
Ele está directamente relacionado com o filme Freaks, realizado e produzido em 1932 pelo americano Tod Browning. É um dos filmes mais assustadores da história do cinema. Na altura, foi um fiasco comercial e gerou um grande escândalo. Hoje, é objecto de culto.
O filme retrata a rotina de um circo cheio de pessoas deformadas que são usadas como atracção durante as apresentações. Naquele circo de horrores, uma bela trapezista, chamada Cleópatra, seduz e casa com o anão Hans, herdeiro de uma enorme fortuna. Na festa do casamento, os outros deficientes e deformados do circo, os Freaks, que eram uma autêntica família, aceitam-na, cantando "We accept you, one of us!"(Nós aceitamos-te, uma de nós!). Já embriagada, a trapezista acaba por expulsá-los, mostrando a sua repugnância. Cleópatra era amante de Hércules, o homem-forte e "normal" do circo, e o seu plano era livrar-se de Hans e ficar com o seu dinheiro. Mas os dois amantes foram surpreendidos pela união dos Freaks, que, na moral da história, surgem como as pessoas honradas e bondosas, enquanto os verdadeiros monstros eram as pessoas consideradas belas e normais.
O termo Freaks aparece pela primeira vez neste filme e entrou para o léxico do Inglês para designar algo ou alguém anormal, aberrante, marginal, estranho. Hoje, é muito utilizado em diferentes domínios mas com outra conotação.
No caso dos wine freaks, estamos a falar de uma "tribo" que se move pela paixão de fazer vinhos diferentes e intransigentes, de beber e experimentar vinhos igualmente diferentes e intransigentes. Gostam dos extremos, de ser contra-a-corrente, de explorar caminhos alternativos. Uns mais românticos do que outros, são, acima de tudo, malucos por vinho. Alguns chegam a ser radicais, na forma como abordam a produção das uvas e do vinho. É o caso dos biodinâmicos. Apesar de recorrerem a algumas práticas esotéricas e excêntricas, já começam a ser olhados de forma diferente, com admiração até, pela sua própria filosofia, de grande respeito pelos princípios da natureza, e mais ainda pela qualidade dos vinhos que produzem.
Vasco Croft, do vinho Afros, é um bom exemplo. Ele foi o pioneiro da agricultura biodinâmica nos Vinhos Verdes e conseguiu que se começasse a olhar de outra forma para os vinhos da casta Vinhão. António Carvalho, o criador do magnífico vinho António (Casal Figueira, região de Lisboa), seguia os mesmos princípios e talvez encarnasse ainda melhor a imagem do verdadeiro wine freak, pela forma apaixonada como encarava o vinho. Faleceu em 2009, quando pisava uvas, e o seu amor à terra e aos vinhos é hoje perpetuado com o mesmo afinco pela mulher, Marta Soares.