Já há vida nas vinhas. Depois da hibernação, as folhas, de um verde inicial, ainda a desenharem-se e a ganhar corpo, começam o seu crescimento nas videiras. No solo, abundam ervas (vemos trevos, muitos), flores bravias avulsas, que preenchem os espaços em branco entre as linhas de videiras, os mesmos que durante as vindimas serão pisoteados em cadências regulares.
Se o final do Verão e o início do Outono são o culminar do ciclo vinhateiro, a Primavera é o seu despertar e, importante, é o período em que se define a colheita por vir. Estamos em pleno abrolhamento, que vai de Abril a Junho (e nada disto é estanque, tudo depende do clima), e as videiras são crianças, vulneráveis. Há fungos e insectos a rondar e o viticultor é o vigilante atento. Em breve, as videiras vão florir — sim, haverá flores nas vinhas e cada casta tem a sua. Sendo a Primavera o renascimento da natureza, as vinhas não lhe escapam — o “pintor” dos bagos só chegará no Verão, mas o “pintor” das videiras já chegou.
Se o Inverno é altura de uma beleza serena, quase nostálgica nas vinhas, que perderam as folhas e estão no chamado “repouso vegetativo”, a Primavera é tempo de explosão: as videiras reclamam a vida com as folhas a rebentarem nos cortes da poda. É altura da nova poda, “em verde”, que retira os rebentos indesejados, e da limpeza dos troncos de ramos inconvenientes. Abre-se assim a porta à floração, que normalmente acontece na segunda metade da Primavera, quando os bagos começam a surgir, primeiro como ervilhas, verdes opacas, que vão ganhando dimensão e a cor. E já estaremos no Verão, na maturação, prestes a chegar à vindima e ao final do ciclo da vinha.
Contudo, por enquanto é a Primavera que se anuncia — bem tímida, na verdade. O suficiente, contudo, para ser promessa (visível) de vida nas vinhas de todo o país.
Quinta da Aveleda, Vinhos Verdes
Há várias rotas que se cruzam no Vale do Sousa — a do Românico, por exemplo, que oferece uma panorâmica sobre as raízes da nacionalidade; e a dos Vinhos Verdes, que percorre a região demarcada dos Vinhos Verdes, a maior do país, que vai do Minho ao Douro, do Atlântico ao Marão. Estamos, então, no coração de Entre-Douro-e-Minho e na sub-região demarcada do Sousa, onde a Quinta da Aveleda (Penafiel) se mantém uma referência na produção de vinhos brancos e se aventura nos tintos, que cultiva em 184 hectares de vinhas dispostas em torno da casa-mãe da família que há décadas se dedica a fazer vinhos. É nas traseiras da casa que se começa a ver o mar de vinhedos que forram suaves vales, interrompidos aqui e ali por arboretos, o rio Sousa ou até uma linha férrea.
E se falamos na casa não é à toa — edifício seiscentista coberto de hera, é o ponto fulcral em redor do qual se desenvolvem o parque e jardins da quinta, que são quase tão famosos quanto as suas vinhas. Em 2011, a Quinta da Aveleda recebeu o prémio Best of Wine Tourism na categoria de Arquitectura, Parques e Jardins e é fácil perceber que aqui a geométrica paisagem vinícola anda de mão dada com o romantismo dos parques, que incluem latadas, ainda que aí já estejamos com vista para as vinhas. E as visitas incluem precisamente passagem por estes espaços de lazer, interrompidas por edifícios de granito (entre eles a adega velha),onde espécies botânicas raras convivem com lagos, fontes e inusitadas obras decorativas, as chamadas follies, sem qualquer funcionalidade que não sejam o próprio simbolismo e desfrute estético tão próprias dos jardins românticos. Fazem parte do património da casa, e entre elas está, por exemplo, uma janela manuelina, do século XVI debaixo da qual, reza a lenda, foi aclamado rei D. João IV — está como uma ruína de algo que nunca existiu, entre o verde impenitente que a rodeia (por isso, não é impossível imaginar duendes a viver na antiga casa do guarda que parece saída de um livro de contos de fadas).