Fugas - dicas dos leitores

No topo do mundo, de Tromso a Kirkenes, com Hurtigruten

Por Pedro Mota Curto

O avião estava repleto de passageiros, lotação esgotada. Havia que ter o maior cuidado para não bater com a cabeça no tecto. O espaço era muito diminuto, os passageiros talvez não ultrapassassem a vintena.

A porta foi encerrada, calmamente, pelo único assistente de bordo, como se estivesse a fechar a porta de casa. As duas hélices, uma de cada lado das pequenas asas, iniciaram uma inebriante rotatividade. O barulho era ensurdecedor.

Os dois pilotos quase passavam despercebidos na sua minúscula cabine. Antes de os motores terem começado a funcionar, todos falavam numa linguagem incompreensível e aparentavam ser velhos conhecidos. Aquele avião deveria funcionar como uma espécie de autocarro aéreo.

Momentos antes, no aeroporto, a sensação tinha sido igualmente singular. Instalações quase desertas, num único e pequeno edifício térreo. Os funcionários não deveriam ser mais do que meia dúzia, incluindo os seguranças. Todos aparentavam ter dezoito ou vinte anos. Não é muito comum demorar-se tão pouco tempo, alguns minutos, entre o momento em que se entra no aeroporto e o momento em que o avião descola.

Antes do aeroporto, o Hurtigruten tinha ancorado no cais de uma pequena localidade, Kirkenes. O Hurtigruten é um navio imponente, com nove andares e diversos elevadores, misto de paquete de cruzeiros, barco de correio e barco de transporte de passageiros e mercadorias que vai parando em quase todas as povoações, desde Bergen, no Sul da Noruega, até Kirkenes, última paragem, já na fronteira com a Rússia remota, não muito longe da Sibéria, no Mar de Barents, quase junto à cidade russa de Murmansk, numa latitude equivalente ao norte do Canadá e da Sibéria, muito acima da Islândia e do Círculo Polar Árctico.

O Hurtigruten é um expresso costeiro que navega desde meados do século XIX entre o Sul e o Norte da Noruega, para lá do Cabo Norte. Actualmente, existe uma frota de doze navios e as partidas, da cidade de Bergen, são diárias, fazendo trinta e quatro escalas até Kirkenes, no extremo norte. Atendendo aos milhares de fiordes e de ilhas que existem na recortada costa norueguesa, esta é sem dúvida a melhor forma de transporte na Noruega. Não há maneira mais prática de viajar entre o sul mais habitado e o norte remoto, gelado e despovoado.

Honningsvag é uma pequena localidade situada no Norte da Noruega. Talvez seja uma das escalas mais importantes do Hurtigruten. Considerando o percurso do Hurtigruten, Honningsvag está situada quatro ou cinco escalas antes de chegar a Kirkenes, vindo de Bergen. Após o desembarque, observa-se uma cidadezinha de pequenas casas de madeira, junto ao mar, exacerbadamente coloridas, numa estreita faixa de terra, encostadas a altas montanhas quase desprovidas de vegetação. A principal ocupação destas pessoas é a pesca e o turismo. A partir deste ponto, é possível fazer uma viagem de 35 quilómetros, serpenteando lentamente, de autocarro, entre montanhas e falésias rochosas, numa estrada nova que nos transporta ao ponto mais setentrional de toda a Europa, o Cabo Norte.

Neste fim do mundo, a noite polar invernal dura vários meses, mas, como estamos no Verão, o fenómeno é o oposto, ou seja, não há noite. O sol não se põe durante largas semanas. Até aos finais do mês de Julho, é sempre dia. Neste local, é possível assistir ao fenómeno sol da meia-noite: a esta hora o sol aproxima-se do horizonte, que fica com uns tons mais avermelhados, mas depois volta a subir. Assim, é sempre de dia, a noite não existe (esta ocorrência só é possível a norte da latitude de 66,5 graus). No Inverno, é ao contrário. Durante largas semanas, é sempre de noite.

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