Fugas - FugasEmPortugal

  • Cabo Espichel, concelho de Sesimbra
    Cabo Espichel, concelho de Sesimbra Bruno Simões Castanheira
  • Cabo Espichel, concelho de Sesimbra
    Cabo Espichel, concelho de Sesimbra Bruno Simões Castanheira
  • Cabo Espichel, concelho de Sesimbra. Ermida da Memória
    Cabo Espichel, concelho de Sesimbra. Ermida da Memória Bruno Simões Castanheira
  • Cabo Espichel, concelho de Sesimbra. Igreja de Nossa Senhora do Cabo
    Cabo Espichel, concelho de Sesimbra. Igreja de Nossa Senhora do Cabo Bruno Simões Castanheira
  • Cabo Espichel, concelho de Sesimbra. Santuário de Nossa Senhora da Pedra Mua
    Cabo Espichel, concelho de Sesimbra. Santuário de Nossa Senhora da Pedra Mua Bruno Simões Castanheira
  • Praia da Foz (Meco), concelho de Sesimbra
    Praia da Foz (Meco), concelho de Sesimbra Bruno Simões Castanheira
  • Praia da Foz (Meco), concelho de Sesimbra
    Praia da Foz (Meco), concelho de Sesimbra Bruno Simões Castanheira
  • Praia da Califórnia, concelho de Sesimbra
    Praia da Califórnia, concelho de Sesimbra Bruno Simões Castanheira
  • Praia da Califórnia, concelho de Sesimbra
    Praia da Califórnia, concelho de Sesimbra Bruno Simões Castanheira
  • Praia da Califórnia, concelho de Sesimbra
    Praia da Califórnia, concelho de Sesimbra Bruno Simões Castanheira
  • Castelo de Sesimbra
    Castelo de Sesimbra Bruno Simões Castanheira
  • Azeitão, Quinta da Bacalhôa
    Azeitão, Quinta da Bacalhôa Bruno Simões Castanheira
  • Azeitão, Quinta da Bacalhôa
    Azeitão, Quinta da Bacalhôa Bruno Simões Castanheira
  • Azeitão, Quinta da Bacalhôa
    Azeitão, Quinta da Bacalhôa Bruno Simões Castanheira
  • Azeitão, Quinta da Bacalhôa
    Azeitão, Quinta da Bacalhôa Bruno Simões Castanheira
  • Azeitão, Quinta da Bacalhôa
    Azeitão, Quinta da Bacalhôa Bruno Simões Castanheira
  • Azeitão, Quinta da Bacalhôa
    Azeitão, Quinta da Bacalhôa Bruno Simões Castanheira
  • Azeitão, Quinta da Bacalhôa
    Azeitão, Quinta da Bacalhôa Bruno Simões Castanheira
  • Azeitão, Quinta da Bacalhôa
    Azeitão, Quinta da Bacalhôa Bruno Simões Castanheira
  • Azeitão, Quinta da Bacalhôa
    Azeitão, Quinta da Bacalhôa Bruno Simões Castanheira
  • Arrábida
    Arrábida Bruno Simões Castanheira
  • Arrábida, praia do Portinho da Arrábida
    Arrábida, praia do Portinho da Arrábida Bruno Simões Castanheira
  • Arrábida, praia do Portinho da Arrábida
    Arrábida, praia do Portinho da Arrábida Bruno Simões Castanheira
  • Arrábida, praia do Portinho da Arrábida
    Arrábida, praia do Portinho da Arrábida Bruno Simões Castanheira
  • Arrábida, praia do Portinho da Arrábida
    Arrábida, praia do Portinho da Arrábida Bruno Simões Castanheira
  • Arrábida
    Arrábida Bruno Simões Castanheira
  • Arrábida
    Arrábida Bruno Simões Castanheira
  • Setúbal, Mercado do Livramento
    Setúbal, Mercado do Livramento Bruno Simões Castanheira
  • Setúbal, Mercado do Livramento
    Setúbal, Mercado do Livramento Bruno Simões Castanheira
  • Setúbal, Mercado do Livramento
    Setúbal, Mercado do Livramento Bruno Simões Castanheira
  • Estátua aos trabalhadore rurais em São João das Lampas, Sintra
    Estátua aos trabalhadore rurais em São João das Lampas, Sintra Bruno Simões Castanheira
  • Sintra, Palácio Nacional da Pena
    Sintra, Palácio Nacional da Pena Bruno Simões Castanheira
  • Sintra, Palácio Nacional da Pena
    Sintra, Palácio Nacional da Pena Bruno Simões Castanheira
  • Sintra, Castelo dos Mouros
    Sintra, Castelo dos Mouros Bruno Simões Castanheira
  • Sintra, Castelo dos Mouros
    Sintra, Castelo dos Mouros Bruno Simões Castanheira
  • Sintra, Castelo dos Mouros
    Sintra, Castelo dos Mouros Bruno Simões Castanheira
  • Sintra, Parque e Palácio de Monserrate
    Sintra, Parque e Palácio de Monserrate Bruno Simões Castanheira
  • Sintra, Parque e Palácio de Monserrate
    Sintra, Parque e Palácio de Monserrate Bruno Simões Castanheira
  • Sintra, Parque e Palácio de Monserrate
    Sintra, Parque e Palácio de Monserrate Bruno Simões Castanheira
  • Sintra, Parque e Palácio de Monserrate
    Sintra, Parque e Palácio de Monserrate Bruno Simões Castanheira
  • Parque Natural de Sintra - Cascais, Cabo da Roca
    Parque Natural de Sintra - Cascais, Cabo da Roca Bruno Simões Castanheira
  • Parque Natural de Sintra - Cascais, Cabo da Roca
    Parque Natural de Sintra - Cascais, Cabo da Roca Bruno Simões Castanheira
  • Parque Natural de Sintra - Cascais, Cabo da Roca
    Parque Natural de Sintra - Cascais, Cabo da Roca Bruno Simões Castanheira

Multimedia

  • descrição

Mais

Ver mais

O mar e as serras

Por Andreia Marques Pereira

São territórios de agricultores e de aristocratas, de religiosos e poetas. Balançando entre o oceano e montes, quintas nobres e barcos de pescadores, praias e campos de cultivo, retiros religiosos e centros profanos, fomos de Setúbal a Sintra para acabarmos surpreendidos pela natureza — que é, afinal, quem mais ordena nestas paragens.

"Sintra é um belo lugar para morrer". Glauber Rocha, cineasta brasileiro, acabou por não morrer em Sintra, mas lá viveu os seus últimos dias. "Aqui é bonito. Escrevo diante de uma panavisão sobre o Atlântico camoniano e sebastianista do alto de uma montanha antes habitada por Byron numa linda casa onde viveu Ferreira de Castro...".

Se num dia de Verão um viajante chega a Sintra com estas ideias românticas na cabeça, a realidade pode encarregar-se de as desfazer (deparamo-nos com uma espécie de parque de diversões com lotação esgotada) se não acreditarmos que, mais cedo ou mais tarde, Sintra vai fazer o que sempre faz: surpreender-nos irremediavelmente. Nós insistimos, para desvendar o mistério que horas antes víamos encoberto pelas famosas brumas, que, insidiosas, jogam às escondidas revelando apenas pequenas porções do glorious eden de Byron.

A vila adivinha-se, então, entre as neblinas, enquanto percorremos os caminhos em volta - aldeias, campos, aldeias, o outro rosto desta zona que foi refúgio da nobreza; aproximamo-nos da costa e novamente um manto de nevoeiro "aqui onde a terra acaba e o mar começa", escreveu Camões. Estamos no Cabo da Roca, o ponto mais ocidental da Europa continental e de repente voltámos ao primeiro dia da viagem. Pode ser uma coincidência notável ou uma banalidade - para nós foi uma surpresa: dois cabos, duas sessões fotográficas de noivos.


Do mar

Mas comecemos por aquele dia inicial, em que as cegonhas descansam nos postes de electricidade. A Comporta está deserta - vive-se nas praias para lá das dunas. Na Carrasqueira o sol derrama inclemente sobre o cais palafítico, um dédalo de passadiços periclitantes que, sobre estacas, conquista os sapais do Sado. Para trás ficaram alguns palheiros e o largo com relva com o nicho da Nossa Senhora dos Navegantes, inaugurado este ano. "Fui eu e a minha cunhada que o fizemos", conta Maria de Lurdes Carvalho, a pintar o Carvalhinho, o barco que é o ganha-pão dela e do marido - quando o tempo o permite; quando não, é a batata-doce que os ocupa. Sempre ela e o marido: "Aqui na aldeia anda tudo atrás do marido", diz entre risos. Conhece a rotina, ou não fosse ela filha de pescador - "apenas de amêijoas e ostras"; "eu sou tuti-frutti".

Maria de Lurdes está habituada às camionetas que despejam visitantes nos meses de Verão. Vêm percorrer as centenas de metros de estrados que partem de um "tronco" principal e seguem por "ramos", onde ancoram os barcos. "Vai até lá ao fundo", aponta com as mãos pintada de azul. Lá ao fundo passa para uma ilhota, entre barcos, redes cujas bóias parecem cogumelos na água e casinhas de madeira que são arrecadações. "Já fomos 60 barcos. Agora talvez 20. Os antigos estão a reformar-se, a morrer... Os novos não estão para isto...". Que o diga Cesário Matias, que acaba por sair aos caranguejos sem o filho, depois de discussão. Já teve mais barcos, dois semi-rígidos que faziam passeios para ver golfinhos no Sado - ainda não desistiu de voltar.

Há uma pequena baía aqui ao lado, onde uns poucos fazem praia. Mas o habitual é descer a costa, até Sines, diz Maria de Lurdes. Ela, de rosto tisnado, não gosta de praia: "A minha vida é sempre dentro de água." Em Sesimbra, as praias e a pesca andam lado a lado, mas não dão as mãos. Encontram-se nas mesas dos restaurantes que povoam as ruelas íngremes da vila e a avenida que se estende junto ao mar, dividida pela Fortaleza de Santiago - à porta, arcas mostram o peixe à espera de ser cozinhado, nas brasas, sobretudo. O castelo está escondido quando visto cá de baixo, das praias da Califórnia e do Ouro, que partilham a mesma faixa de areia e estão a abarrotar. Parece-nos impossível circular entre toalhas e guarda-sóis com vista para os insufláveis no mar. O movimento só abranda na altura do jantar, para depois as ruas começarem novamente a encher-se, no típico ritmo balnear.

No porto de pesca o ritmo é outro e invariável. Sérgio Pinto explica-nos o seu, o do barco onde trabalha. Está na esplanada do café da doca à espera das 20h, altura em que sai para o mar. É assim de segunda a quinta-feira; ao domingo sai às dez da noite; sexta e sábado é fim-de-semana. "Só temos hora certa para sair, para voltar...". Voltar é quando o mar deseja - pode ser às dez, ao meio-dia ou às 15h, como hoje. Nem conseguiu dormir e por isso toma umas cervejas enquanto nos explica as artes da pesca que sobrevivem em Sesimbra (como a do cerco ou emalhar), nos fala dos barcos típicos (aiolas) e nos conta como chegou ao mar. Fez um curso profissional entre os 14 e os 17 anos - ficou com equivalência ao 9.º ano e um apego inabalável às lides marítimas. Desde os 16 anos, esteve longe delas apenas os dois anos em que trabalhou na restauração. Experimentou o trabalho do avô e o trabalho do pai - o do avô ganhou. "Era uma vida presa [na restauração], não nasci para aquilo. Gosto muito desta vida."

A maior parte do peixe pescado em Sesimbra tem direcção certa: Lisboa. Em alternativa, vai para Setúbal, onde o Mercado do Livramento é incontornável. Às primeiras horas da manhã, muitos disparam máquinas no espaço recentemente restaurado; muitos mais os que andam às compras. António "da Glória" (o nome da mulher e sócia) é conhecido pela enguia, que está a 20€. Só ele e um colega as vendem: "Se não tenho num dia, arranjo no seguinte." Alice Manete tem fartura de peixe e uma banca em frente do painel de azulejos azuis e brancos, um dos ex-líbris do mercado. "Já não é igual", diz-nos, "era a parede toda, não tinha estes recortes de puzzle". "Quando a parede ruiu, parte foi destruída." Continua, contudo, a retratar o modo de vida dos setubalenses há algumas décadas: a pesca, a agricultura, o comércio.


Da serra

É um deslumbramento percorrer a serra da Arrábida, que acompanha a costa de Setúbal até Sesimbra, na estrada desenhada sobre o seu relevo sinuoso - e algumas rectas: estamos no topo, entre vegetação rasteira e afloramentos rochosos. As brumas omnipresentes neste nosso périplo pregam-nos partidas, mas quando se abrem somos recompensados pelo mar verde a encontrar o mar azul: serra e oceano inseparáveis. Nos miradouros à beira da estrada, há engarrafamentos, carros invadem a estrada estreita, pessoas acotovelam-se pela melhor fotografia. O Convento da Arrábida vemo-lo aninhado, branco em moldura esmeralda, edifícios em cascata - em Agosto encerra para visitas; para cima, restos do convento velho: capelas, guaritas, cruzes contra o horizonte e, por momentos, o cenário é místico.

Descemos ao encontro do mar com o verde a ganhar altura em carvalhos, medronheiros e murta; e novamente engarrafamento para chegar ao Portinho da Arrábida, o cartão-de-visita desta costa que se recorta em praias e baías serenas. Os carros acumulam-se na beira da estrada estreita e íngreme, que passa o Museu Oceanográfico e já começamos a ver a serra a entrar no mar (ou vice-versa). Pedro e Iva acabam de chegar de Palmela, vieram mais tarde com esperança de encontrar estacionamento perto. "Tivemos azar. Mas vale bem a caminhada."

Há algumas casas (com quartos para alugar) e restaurantes, dois deles sobre a água: observamos o movimento do barco de um dos restaurantes, que traz e leva clientes até às embarcações ancoradas na enseada. No centro - praça minúscula apinhada de carros - um grupo de franceses pesca no muro de cimento: a água é transparente, os peixes presa fácil.

Deste núcleo ao areal são alguns minutos de terra batida, seguindo a linha da costa feita seixos e recantos rochosos. A praia é uma meia-lua pequena, a areia em contraste com o verde atrás e o azul à frente. "Depois do início pedregoso é muito boa", diz Carlos Melo, que veio de Camarate com a família. "Disseram-nos que era giro e viemos conhecer." André, o filho mais velho, é o mais entusiasmado: "Quem está na água olha e parece que está no Rio de Janeiro", diz, mostrando as fotos. A sua única pena foi não ter ido até à ilhota rochosa que se avista. "Tem grutas muito bonitas. E há um barco a remos que leva muita gente."

Estamos no Parque Natural da Arrábida, onde as paisagens e a ocupação humana se unem em área protegida. Passamos aldeias, quintas, herdades; avistamos oficinas de azulejos, produções de queijo (de Azeitão) e as placas castanhas da Rota dos Vinhos surgem a recordar que este é território dos vinhos da Península de Setúbal. É o vinho que nos conduz à sede da Bacalhôa, em Vila Nogueira de Azeitão - mas não só: aqui, este caminha lado a lado com a arte. E tal é mais evidente na cave onde as barricas dos vinhos premium (Palácio e Quintas) repousam entre a colecção de azulejos do século XVI ao XX - a experiência é quase religiosa quando entramos na sala de luz rarefeita e música clássica a soar.

Este espaço é o núcleo, diríamos, de um grande edifício onde a arte e o vinho convivem, nem sempre tão directamente. Duas salas pertencem à arte: a exposição Out of Africa, em homenagem a Nelson Mandela, um mergulho (sobretudo) na escultura africana;What a wonderful world, um passeio por Paris à boleia da Art Noveau e Art Deco, aqui exibidas em mobiliário e ao som de Edith Piaf - com um salto ao portuguesíssimo Rafael Bordalo Pinheiro. Nas traseiras, é o Moscatel de Setúbal que envelhece.

"As pessoas ou vêm pela parte vínica ou pela arte", explica-nos Ricardo Gomes, director de enoturismo do grupo, enquanto nos vai mostrando os cantos à casa. A adega está à espera das vindimas, as vinhas estão na "fase de pintor" (o verde que vemos em breve será preto), os jardins pontuam-se de mais obras de arte - incluindo naturais, como as oliveiras milenares trazidas do Alqueva (entre as quais se avistam arcos de pedra: restos de uma antiga cervejaria vindos de Lisboa) ou a Kaki, descendente da única árvore sobrevivente ao bombardeamento de Nagasaki. Não natural é a Wall of Sound, obra de William Furlong: duas paredes de aço que se atravessam como se fora uma selva - os sons estão todos lá. "É muito assustador", ouviremos a uma miúda de um grupo escolar. "Tem um som estranho", completa outro.

Uma visita à Bacalhôa nesta região não fica completa sem uma passagem pela quinta homónima, em Vila Fresca de Azeitão. Foi propriedade da família real no século XV e talvez tenha sido essa ligação que atraiu a nobreza, que aqui instalou casas de recreio, escondidas por detrás de muros altos, algumas degradadas (como o Paço dos Duques de Aveiro). No interior do palácio, mais peças da colecção de arte de Joe Berardo (proprietário da Bacalhôa), incluindo um raro piano contraforte; no exterior, os jardins franceses contrastam com o edifício de traça italiana, destacando-se a loggia, onde o olhar vagueia até ao tanque e junto ao qual se ergue a "casa dos prazeres", a casa do lago, onde se encontram os azulejos mais antigos da propriedade. As vinhas rodeiam o palácio - Cabernet e Merlot. Na sede, a loja organiza provas de vinho, com vista para o jardim japonês.


De cabo a cabo

De Azeitão para a praia da Foz (Meco) veio Pedro Martins e a família. A tarde já vai bem alta quando se prepara para entrar na água, para duas horas de caça submarina. "Normalmente fico três, quatro horas", diz, enquanto veste o fato de mergulho na enorme plataforma rochosa que antecede o areal, numa reentrância entre arribas altas. "Eu e o meu irmão fomos os primeiros a fazer surf na praia das Bicas, aqui ao lado. Temos filmes dos anos 1980. Descobrimos isto, tem vento sul, ondas boas. Agora vem muita gente." Estas são as duas praias mais "escondidas" da zona, onde o Meco e Alfarim atraem as grandes multidões. Também por isso gosta de caçar aqui, "há menos gente" atrás dos "sargos, robalos, safio, um ou outro polvo".

Mais a sul, o Cabo Espichel. Antes dele, fazemos um desvio na estrada solitária da serra da Azóia para seguirmos o percurso pedestre "Maravilhas do Cabo". Damos por nós num promontório a norte do cabo num cenário primordial e belo: os recortes da costa, a silhueta do santuário, das hospedarias, da ermida mesmo no topo da falésia (Pedra da Mua) - e o trilho de dinossauros (que não temos a certeza de descortinar) na arriba, no fundo da qual se esconde uma praia de seixos e o esqueleto queimado de um carro. Em volta do santuário, mistura de línguas em busca de fotografias de cortar a respiração - excepto Ivo Pólvora e Cátia Mestra, que posam calmamente nas galerias da hospedaria (entaipada) com o traje do casamento, que foi um mês antes. "É um sítio fora do normal", dizem simplesmente, e eles são de perto, do Barreiro. O farol está noutro promontório a sul e está deserto.

Regressamos ao Cabo da Roca. "Está sempre tanto frio", comenta-se com o vento a soprar de todos os lados. O farol é secundário face aos precipícios que rodeiam o cenário onde a serra de Sintra encontra o fim do território europeu. As fotos em torno do padrão exigem espera, o que não sucede no penhasco que parece possivelmente estreito, mas onde um casal de noivos tira fotos - são ingleses, vivem na Holanda e casaram-se dias antes em Portugal. "No fear", afirma o noivo. E se a noiva nos parece hesitante, do alto das suas sandálias brancas, vê-la-emos mais tarde a tomar as vezes do fotógrafo, saltando desempoeiradamente as protecções de madeira. Todos contemplam a cena e, por momentos, as máquinas afastam-se da paisagem para pousarem sobre o casal.

Menos radical é Rita Teixeira, que encontramos na piscina oceânica das Azenhas do Mar calmamente a ler Daisy Miller, de Henry James. Antes de descermos a garganta até à beira-mar, o miradouro dá-nos a melhor vista sobre a aldeia que se desenvolve em crescendo para terminar mesmo em cima da falésia, povoada de casas brancas ("impressionante" e "espectacular", repete um grupo de espanhóis). O mar está bravo, o tempo fechado - no mar, um body-boarder; na piscina são mais os que ficam nas beiras. Uma família do Magoito que sai para almoçar diz que "infelizmente é muitas vezes assim [o tempo]" ; Rita é "do Norte", está habituada. Veio conhecer Sintra e já percorreu a vila; agora são as praias.


Na estrada do sonho

Entre a vila e a costa, uma região que já foi eminentemente agrícola, saloia. Sucedem-se aldeias, pinheiros, moinhos de vento, campos abandonados entre muros de pedras arruinados. Mas já quase ninguém trabalha na agricultura, dizem-nos por todo o lado. Susana Vicente, no Café Matias, em São João das Lampas, explica como o pai, que foi cabouqueiro e agora está reformado, passou a dedicar-se à terra. "Aprendeu com os pais, viviam disso." Como ele, muitos com quem nos cruzamos em busca da ponte romana da Catribana - o último, José Tafulo, que vive em Assafora, a algumas centenas de metros dela. Não trabalha nos campos porque a saúde não permite, mas passou muitos anos a trabalhar nas pedreiras em volta, antes de arranjar trabalho na câmara. Reformado, está sempre disponível para conversas. "Quando vim para cá, há 45 anos, a ponte estava melhor. A terra começou a crescer e os resguardos vieram abaixo." Quando, finalmente, encontramos a ponte, é uma ruína que vemos. "Monumento de interesse público, em risco de colapso; projecto de conservação e valorização", lemos numa placa.

Fechamos o círculo em Sintra. Na vila velha abrimos caminho entre hordas de turistas que ocupam as ruelas principais, se sentam à sombra do Palácio da Vila (em obras), fazem fila em restaurantes e lojas, de artesanato, de doces (a Periquita I e II não pára), de vinhos. "Nestes dias, de muita gente, não corre bem. Só vêm passear", nota Adriano, no umbral da sua Porta 12, galeria e loja. Está no átrio a pintar a Tina Turner - "Não está a correr muito bem", diz, entre sorrisos. São os desenhos dos músicos que têm mais saída - "o que também é a minha praia, sou músico" -, mas é a iconografia portuguesa que nos atrai a atenção, como Camões a indagar "Has anyone seen my nymph".

Nas ruas passam coches a caminho da serra, as bicicletas continuam disponíveis para alugar. Pelas estradas que abrem caminho sobre o manto luxuriante de verde, são muitos os caminhantes à conquista da serra da Lua - mas são os carros que lhe dominam as entranhas, despejando visitantes para o Palácio da Pena e Castelo dos Mouros. Há quem faça desportos radicais e deslide dê a volta ao parque, mas as multidões caminham compactas pelos dois monumentos emblemáticos. Encontramos um pouco de paz em Monserrate; porém, há que confessá-lo, só conseguimos chegar quando o palácio estava quase a fechar (os jardins fecham mais tarde). Conseguimos visitá-lo calmamente, percorrendo salas preservadas e outras desgastadas, fotografando os corredores em arcos até à exaustão mas foi no parque que nos demorámos, espreitando as falsas ruínas da capela, desiludindo-nos com a pouca água na cascata. Mas, deitados no fundo do relvado, entre árvores gigantescas e olhando o lago de nenúfares, percebemos que Sintra já nos havia surpreendido. "Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida...", escreveu Pessoa - nós nem precisamos do Chevrolet para o perceber.

____________
GUIA PRÁTICO

O que fazer

Ver roazes no Sado
Não se sabe há quanto tempo esta espécie de golfinhos vive no Sado, mas estão para ficar e são uma das fontes da atracção da cidade de Setúbal e arredores - podem ser vistos também na costa da Arrábida e Tróia. Há empresas que organizam passeios.

Quinta do Lapidário
Em Vila Nogueira de Azeitão, é fábrica de azulejos e casa de chá em parque luxuriante - para desfrutar da doçaria local, desde do queijo às tortas de Azeitão, sem esquecer o moscatel de Setúbal.

Rota dos Vinhos de Setúbal
Das Caves José Maria da Fonseca à Quinta de Catralvos, o enoturismo oferece-se na órbita de Azeitão.

Sintra
A Quinta da Regaleira, o Palácio de Seteais e o Convento dos Capuchos fazem parte do roteiro obrigatório.


Onde dormir

Hotel do Sado
Rua Irene Lisboa, 1. Setúbal
Tel.: 265 542 800
www.facebook.com/hoteldosado

Hotel dos Zimbros
Facho de Azóia, Cabo Espichel. Sesimbra
Tel.: 210 405 470
www.hotelzimbros.com

Pestana Sintra
Quinta da Beloura
Rua Mato da Mina, 19. Sintra
Tel.: 210 424 300
www.pestana.com


Onde comer

Poço das Fontainhas
Rua das Fontainhas, 98. Setúbal
Tel.: 265 534 807
www.pocodasfontainhas.com

O Rodinhas
Rua Marques de Pombal 25. Sesimbra
Tel.: 212 231 557
marisqueiraorodinhas.pt.vu

Colares Velho
Largo Doutor Carlos França, 1/4. Colares, Sintra
Tel.: 219 292 727
www.facebook.com/RestauranteColaresVelho

--%>