Fugas - hotéis

  • Nuno Ferreira Santos
  • Nuno Ferreira Santos
  • Nuno Ferreira Santos
  • Nuno Ferreira Santos
  • Nuno Ferreira Santos

De volta às origens, agora no século XXI

Por Catarina Lamelas Moura

O Lisboa 1908 Hotel é um dos mais recentes habitantes do Largo do Intendente. A renovação do edifício histórico reproduziu alguns dos elementos do projecto de Adães Bermudes que nunca chegaram a ser postos em prática.

Histórias como esta, de recuperação do património urbano, ouvem-se, felizmente, cada vez mais. É fácil ficar apaixonado — enche-nos de orgulho ver devolvida a glória de outrora aos marcos da cidade e saltamos com entusiasmo ao ouvir falar em estruturas de gaiola pombalina e mosaicos redescobertos. Esta é a história de uma renovação que aproximou o edifício hoje ocupado pelo 1908 Lisboa Hotel às plantas originais do arquitecto Adães Bermudes. Quem lá passar a noite dificilmente ficará indiferente à história recente do hotel, pois a decorar as paredes dos quartos estão fotografias das respectivas divisões durante as obras.

O proprietário original do número 2 da Almirante Reis tinha duas vontades. Queria que o edifício lhe trouxesse rendimento — algo que ficou registado na planta original — e também prémios de arquitectura. Em 1908, a obra de arte nova do arquitecto Adães Bermudes ganhou o prémio Valmor e durante décadas serviu de morada a uma multiplicidade de pequenas lojas. No início deste ano renasceu como hotel, pelas mãos da família Faustino — com as duas irmãs e o pai à frente do projecto.

“Quando começámos a pegar nas plantas originais é que vimos o desenho incrível que existia, que tinha sido pensado”, conta Marta Faustino. “Podíamos voltar a esse desenho e só fazia sentido nessa forma.” Para começar, o piso térreo, que estava subdividido em várias lojinhas — desde uma mercearia à Casa da Boa Sorte — deu lugar a um grande espaço único. Agora é ocupado pelo restaurante Infame, onde o chef Nuno Bandeira de Lima mistura a cozinha portuguesa com sabores asiáticos — afinal, estamos numa zona marcada pelo multiculturalismo. Os pilares de metal e os azulejos originais — que foram reproduzidos — estavam todos escondidos. “Restituímos este formato da galeria, de acordo com o projecto original”, acrescenta o engenheiro Daniel Matias, marido de Marta.

“As janelas foram outra aventura”, continua Marta. Quem se senta hoje no restaurante tem quase uma vista panorâmica do Largo da Intendente e da Almirante Reis — onde, no lado contrário da rua, uma massa de gente enche ao almoço e jantar a entrada da marisqueira Ramiro. As largas janelas que marcam a altura do pé direito são uma novidade. Estavam previstas no projecto inicial, mas nunca se chegaram a materializar. No seu lugar, situavam-se antes gradeamentos metálicos. Em todas as janelas do edifício, aliás, depararam-se com um desafio concreto: respeitar o património, com janelas de madeira, e responder às exigências da actualidade, com isolamento de som. “Felizmente já existem algumas empresas, poucas, que fazem janelas de madeira com a tecnologia actual”, desabafa Marta.

O projecto levou dois anos e meio a ganhar forma, com um investimento familiar de cerca cinco milhões de euros — algo pouco comum num projecto desta dimensão. “Esse tipo de obras costuma ser feito com empresas maiores”, aponta.

“Neste processo de dois anos rodeámo-nos por muitas pessoas que se interessaram no projecto como nós. Mesmo os empreiteiros, os fornecedores, toda a gente tinha um carinho especial pelo edifício e pela obra”, conta Marta. Além do mais, “quando o dono da obra está lá, quando o tratam por tu, é diferente o convívio”. Essa sinergia manifesta-se hoje em pormenores visíveis, tais como as janelas redondas — que mais parecem a janelas de um navio —, no piso das águas-furtadas. Mais uma vez, figuravam na planta original, mas não tinham sido construídas. Para tapar a luz, arquitectaram, com o carpinteiro, uma engenhoca de portadas de madeira, em forma de meia-lua.

--%>