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A Via Algarviana vai andar para trás?

Contrariando a tendência que se verifica durante o Verão, quando todos os caminhos vão ter à praia, a meio da semana apareceu no meio da serra do Caldeirão um caminhante solitário. A presença de um sociólogo, de 45 anos de idade, surpreendeu os locais. “Num só dia fez dois percursos, de Alcoutim até aqui [Furnazinhas]", destaca António Sequeira, falando de trás do balcão, à espera de clientes.

Lá para Setembro/Outubro, comenta, “chegam grupos de caminhantes e é nessa altura que a serra ganha outra vida”. Por agora, diz, ”vendo pouco mais do que meia dúzia de cafés à hora do almoço”. Sentado à porta do estabelecimento, António Ribeiro recorda como é que ele, agricultor toda a vida, emigrou para França e lá se fez trabalhador da indústria automóvel. Ao aproximar-se da idade da reforma, regressou à aldeia: “Acabei de ir pôr o burro no restolho”, diz. Afinal, os anos passaram, mas o ritmo de vida mantém-se. “Não há gente jovem por aqui”, observa.

Ao longe, as curvas dos montes roçam o céu. O sol intenso quase faz faísca nas lajes de xisto. “Só os velhos é que vão resistindo a ficar por cá”, diz, apontando a principal razão: “O solo é pobre e seco”.

Mas parece ser a rudeza do lugar que atrai gente de outras paragens, na busca das paisagens que moldaram o corpo e o espírito humano. O sociólogo chegou a Furnazinhas à procura de uma inexistente caixa de multibanco, acabou a pernoitar na Casa do Lavrador. No dia seguinte, lançou-se noutra aventura. Umas vezes a correr, outras a marchar, fez mais de 40 quilómetros até Cachopo. “Passou pelo meu monte, a fugir, os cães desataram a ladrar, custei a segurá-los”, conta Diogo Pereira, um ex-empresário da construção civil que fez vida profissional na zona de Lisboa e voltou a Furnazinhas para agarrar de novo na enxada. “Sinto-me bem aqui”, diz, confidenciando que é parente de João Henriques. 

“Vai um sumo de laranja, fresco?", pergunta o agrónomo, convidando a visitar a sua casa. “O meu inglês estava um pouco enferrujado, mas tem vindo a melhorar”, diz, a sorrir. As laranjas, de colheita própria, têm uma tão elevada concentração de açúcar que aconselha a juntar um pouco de água fresca ao sumo. “Assim vai melhor”, comenta. Na rua, de calçada de pedra irregular, a temperatura é tal que, sem esforço, poderia confeccionar-se “um bife na pedra”. Mas o dono da casa adverte que a carne não é o prato favorito de uma boa parte dos turistas que embarcam na aventura das caminhadas: “muitos são vegetarianos”, observa. Nesses casos, a solução está na horta, ali à mão de colher, cultivada à moda antiga.

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