Fugas - restaurantes e bares

Miguel Manso

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Eleven, um jantar como nos filmes

Naturalmente, a ementa do jantar no Eleven respeita o alinhamento original de Babette e mantém o cardápio em francês. O primeiro acto tem como estrela uma sopa, Comme une soupe à la tortue, acompanhada de um Jerez Amontillado. Assim que as taças fumegantes começam a chegar à mesa, a interrogação óbvia acaba por surgir: "Já alguém provou tartaruga?" Cabeças meneiam negativas ao longo da mesa. "Só em bifes", confessa, finalmente, um dos convivas. "Foi em Cuba, há uns 30 anos... na altura ainda não devia ser proibido!"

Pois é. Esta sopa não é de tartaruga. É "como uma sopa de tartaruga", ou seja, o sabor leve e insinuante que vamos descobrir replicará o que se conseguia colocando o simpático réptil no tacho, mas é só uma simulação. Conforme aparece em alguns filmes, e já que estamos em maré cinéfila, podemos garantir que "nenhum animal foi molestado para realizar estas cenas"...

Nós também não somos molestados, muito pelo contrário. O caldinho com vegetais picadinhos e travo final a vinho generoso alinha-se perfeitamente com o Jerez que nos espera no copo. Há quem garanta que se trata exactamente do mesmo sabor. Talvez sim, talvez não. Como tudo o resto nesta abertura de função, estamos no reino da subtileza.

Por entre conversas sobre filmes e livros que abordam o tema da gastronomia emergem referências tão díspares como o infantil Ratatouille ou os mirabolantes petiscos apresentados a Indiana Jones... Logo a seguir, os empregados servem o champanhe e colocam na mesa o segundo prato. Chama-se Blinis Demidoff au caviar Desietra Imperial e a bebida é um Veuve Clicquot Ponsardin Brut esta parte, tudo bem; a metade inicial é que preocupa: sim, há neste mundo quem seja suficientemente ingrato para não apreciar particularmente a dádiva dos deuses que é o caviar...

E, no entanto, a coisa vai bem. Muito bem, cortesia da levíssima espuma de limão que anima o centro do prato: graças a ela, o travo acre do caviar fica subitamente acessível. É surpreendente. E tão bom que mesmo os puristas apreciadores das ovas de esturjão esgotam o stock do acompanhamento claro, leve e aromático. Quanto ao Veuve Clicquot, estava igual a si próprio. Excelente.

[No jantar oferecido por Babette, os convivas também vão descobrindo sabores, texturas. E emoções. À medida que a refeição avança, todos parecem menos fechados, mais solidários, humanos. O calor latino das criações de Babette está a derreter o gelo protestante dos aldeões dinamarqueses...]

A salada de verdes que é servida a seguir, simples e discreta, tem o sabor regenerador das coisas puras. E prepara-nos para o que vem a seguir. Assim que o vinho tinto escorre para os copos, o debate avança. Ultrapassando a dúvida inicial, por causa de uma cor pouco expressiva e de um aroma pouco acima do anódino, descobre-se que este Clos de Vougeot Grand Cru 2000 é uma mina de sabores. Que ganharão ainda mais expressão na companhia do prato que aí vem.

A conversa tem andado solta desde o início do jantar, a maior parte dos convivas já se conhece e, lá está, a alma lusitana não está propriamente amordaçada por puritanismos religiosos. Pelo menos nesta mesa... Fala-se agora de gastronomia, de vinhos. É como se todos os outros assuntos se fossem tornando dispensáveis à medida que mergulhamos nas sugestões de Joachim Koerper. E então, subitamente, faz-se silêncio.

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