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Claus Henriksen parece um viking com cara de bebé. Tem uma cozinha medieval, um jardim com mais de cem espécies de ervas, tem uma floresta e uma praia onde vai buscar as coisas que cozinha para os clientes do seu castelo - o Dragsholm Castle na região de Lammefjorden, na Dinamarca, a cerca de uma hora de distância de Copenhaga.
Dragsholm tem uma longa história, com prisioneiros e fantasmas emparedados. O castelo original foi construído por volta de 1215 pelo bispo de Roskilde, mas mais tarde foi transformado num castelo fortificado, diz-se que o mais poderoso da região. Tão poderoso que quando, depois da Reforma, passou para a Coroa, foi, entre 1536 e 1664, utilizado como prisão para nobres e eclesiásticos (só mais tarde, em 1694, seria reconstruído no estilo barroco que mantém até hoje).
Numa torre larga foram construídas as celas, algumas equipadas com casas-de-banho e janelas, porque a importância dos prisioneiros assim o exigia. Por lá terão passado figuras como o último bispo católico de Roskilde, o antigo proprietário do castelo, Joachim Ronnow, e James Hepburn, o 4.º Conde de Bothwell e marido da rainha Maria Stuart, que aqui acabou por enlouquecer e morrer em 1578.
Mas há mais histórias dramáticas literalmente escondidas nas paredes do castelo. Subimos umas escadas para visitar os salões e, junto a uma janela, está uma pequena coroa de flores seca. Olhando com mais atenção, descobrimos, encaixado numa parede grossa, o esqueleto de uma mulher com um pano de renda branca a cobrir parte do crânio. Não se sabe exactamente quem era, mas reza a lenda que seria a filha de um barão, antigo dono do castelo.
A jovem ter-se-ia apaixonado por um dos empregados do pai, e teria, depois disso, desaparecido misteriosamente - dizia a família que fora para Londres, onde teria acabado por adoecer e morrer. Quando, já no século XX, a família que é hoje proprietária do castelo, os Bottger, fez obras, descobriu o corpo de uma jovem rapariga emparedado e imediatamente pensou que poderia ser a filha do barão. Chamaram-lhe a Senhora de Branco para a distinguir da Senhora de Cinzento, uma antiga criada que teria um dia sido acusada de roubar e que por isso não consegue ter a alma em descanso (outra versão desta história diz que ela foi curada de uma terrível dor de dentes por alguém do castelo e que volta sempre, em agradecimento, para garantir que está tudo em ordem).
Estes são apenas dois dos mais de 100 fantasmas que se diz existirem no castelo e que fazem dele um dos mais assombrados da Europa. Mas nenhum destes espíritos parece perturbar o chefe Claus Henriksen, que, assim que chegamos, nos leva até ao seu jardim, para mostrar as (também) mais de 100 espécies de plantas que ali tem plantadas e que são, todas elas, usadas nos seus pratos. Apanha uns molhos disto, outros daquilo e desaparece na sua cozinha medieval. "Os alimentos têm que saber ao que são, têm que ser o que são", diz, resumindo a sua filosofia, que aprendeu também no Noma, onde trabalhou antes de vir para o Dragsholm.
Todo o almoço é uma declaração de amor de Claus ao local onde nos encontramos. Aqui havia antigamente um lago que foi dragado em meados do século XIX por ordem do proprietário de então, o barão Zytphen Adeler, deixando livres para a agricultura algumas das terras mais férteis do país. É em homenagem ao lago desaparecido que Claus nos apresenta como entrada um prato com areia e duas conchas com "avelãs salgadas em água do mar".
E se de um lado temos o mar, do outro temos a terra - um vaso cheio de falsa terra, de onde saem espargos frescos. Numa simpática sala ao lado da cozinha, os pratos vão-se sucedendo, com o chefe a afastar para o lado a sua melena loira e a anunciar o que vamos provar a seguir: ostras dos fiordes da região, com algas, batatinhas e óleo de endro; urtigas, nabos, sementes de ulmeiro e queijo; alho-porro com molho de caracóis. A terra e o mar. Com flores do jardim.