Fugas - restaurantes e bares

Adriano Miranda

Em busca da melhor sardinha

Por Duarte Calvão

Antes das festas do Santo António de Lisboa, Duarte Calvão foi à procura dos melhores lugares na capital para as sardinhas. Não ficou muito satisfeito com a qualidade das ditas mas já se sabe que ela vão melhorando ao longo do mês. Eis cinco restaurantes para pôr a sardinha à prova.

 
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Boas mesas para grandes sardinhadas
A Norte dizem que "boas, boas, só lá para o S. Pedro" por José Augusto Moreira 11.06.2011


O bacalhau que nos desculpe, mas não há nada mais português do que sardinhas.
Muito abundantes na nossa costa, baratas, saudáveis, saborosas, bonitas, seja do Norte ou do Sul, do litoral ou do interior, seja rico seja pobre, velho ou novo, português que se preze comove-se perante uma sardinhada, ornamentada por uma colorida e primaveril salada mista onde se destaquem pimentos verdes e, factor absolutamente fundamental, acompanhada por pão a sério. O cânone manda que também venham à mesa batatas cozidas, mas acho que nem sempre fazem falta.

Em tempos de expansão de peixes de viveiro, de congelados, de espécies em perigo de extinção (como o nosso querido bacalhau, embora as últimas notícias vindas dos mares do Norte sejam mais animadoras), de "pegadas ecológicas", a sardinha nacional livra-nos de preocupações e de culpas. Tem uma sazonalidade implacável e salutar numa época em que entre nós, urbanos sem memória, até se comem cerejas ou tomate em Dezembro, venham de onde vierem, do outro lado do globo ou de alguma estufa sensaborona.

Essa sazonalidade colocou-me graves problemas quando recolhia informações para este artigo, mas teve o condão de me reconciliar com alguma restauração popular lisboeta, que julgava mais permeável às soluções fáceis da importação sem critério ou dos artifícios com que a indústria pensa que substitui o que é esplendorosamente natural. Já comi sardinhas magníficas em alguns restaurantes que indico neste artigo, outros foram-me bem recomendados, mas cada ano é um ano, por isso quis confirmar. E se é verdade que às vezes na segunda metade de Maio já há sardinhas dignas desse nome, neste ano, tal como, aliás, no ano passado, elas tardaram.

"Ainda não temos", "talvez para a semana", "por enquanto, só petingas", "só das congeladas", "estão boas, mas são espanholas" foram as honestas respostas que recebi quando telefonava para os restaurantes a indagar por sardinhas. A conclusão só podia ser de que teria que aferir a qualidade destes restaurantes, no que a sardinhadas diz respeito, através de outros factores que não o peixe em si. Ou seja, além de terem as qualidades já enunciadas, as sardinhas são também muito democráticas, já que o seu bom preço faz com que sejam acessíveis aos restaurantes em geral e não exigem equipamentos caros para serem bem cozinhadas. Aliás, são daqueles pratos que só conseguimos imaginar em restaurantes populares e descontraídos, de preferência em esplanadas ao ar livre, aproveitando as amenidades da nossa Primavera/Verão.

Tinha aqui o primeiro indicador de onde procurar sardinhas: o ambiente. Um outro é a qualidade do pão, que prefiro de trigo e à fatia, de modo a que a sardinha possa nela deitar-se e largar a deliciosa gordura. Comer esse pão no fim, bem embebido, é um prazer atávico, que nos lembra comilanças medievais, e para mim indispensável. Noutros pontos do país, e Portugal tem bom e variado pão por todo o lado, poderão preferir broa de milho (Olleboma, na sua Culinária Portuguesa, recomenda-a), misturas com mais ou menos centeio, mas acho que nenhum absorve tão bem esta gordura como o de trigo. Um terceiro e também fundamental indicador é a salada mista, onde eu dispenso o pepino, trocando-o de bom grado por uma dose extra de pimentos assados na mesma grelha das sardinhas, limpos de sementes e pele. As batatas cozidas são hidratos de carbono que julgo algo redundantes, e pesados, perante a presença do obrigatório pão. Mas podem ser interessantes para contrastar com a gordura do peixe.

Na Cozinha Tradicional Portuguesa, Maria de Lourdes Modesto, que coloca a "sardinhada" no capítulo dedicado à Estremadura, manda que elas sejam cozidas com casca, mas não chega a indicar se devem ser assim servidas e também não há fotografia que esclareça. Nada como consultar a autoridade máxima da nossa gastronomia e telefonar-lhe. "As batatas ficam sempre melhores quando cozidas com casca, em água e sal, e podem ir para a mesa assim. É até engraçado que cada um, se quiser, tire a casca no prato... Têm é que ser todas de tamanho semelhante, para cozerem por igual. E não se vai esquecer de falar dos pimentos, pois não? É que nós em Portugal fazemos a asneira de os passar por água depois de assarem e vai-se metade do sabor! Basta pô-los ainda quentes dentro de um saco de plástico e depois de uns cinco minutos a pele sai sem quaisquer dificuldades...A salada deve ser temperada com sal grosso marinho, azeite e vinagre. Mas nada destes balsâmicos..."

Vamos então aos restaurantes, sabendo de antemão que cada português tem o seu lugar favorito para ir às sardinhas e que são inúmeros os locais onde elas podem ser apresentadas condignamente. Para a minha geração, o Bairro Alto continua a ser o "bairro popular" de mais fácil acesso e foi por aí que comecei, privilegiando os que têm esplanadas ao ar livre.

No Caracol, na Floresta e na Estalagem dos Capotes Brancos tinham, mas como não estavam entre as sugestões do dia, supus que fossem das congeladas. Na Tasca do Manel, duas jovens comiam-nas na esplanada, pequenas e magras, ainda que bem acompanhadas por uma apetitosa salada. Disseram-me que estavam boas, mas não me convenceram. No 1.º de Maio, só havia fritas, o que até é bem pensado quando ainda não é época. No Cantinho das Gáveas, responderam-me com algum espanto (e desdém?) que só em Junho. E a minha primeira recomendação vai para este simpático e honesto restaurante, situado numa esquina entre a Rua das Gáveas e a Travessa do Poço da Cidade (Rua das Gáveas, 82, telefone 213426460), num espaço pedonal que permite ficar ao ar livre, de preferência com o vento contra o grelhador onde assam as sardinhas, porque a verdade é que o cheiro excessivo é uma das poucas razões para não gostar delas. Já tive aqui óptimas experiências, o ambiente é animado e o pessoal muito simpático.

Só para rematar esta parte, devo dizer que, depois de procurar em vários restaurantes do Bairro Alto, desci para a Calçada do Combro e acabei na Casa da Índia, já na Rua do Loreto, que de indiano não tem nem um mero prato de caril, uma chamuça que seja, deve o nome à gerência que inaugurou a casa nos anos 30. Eram quase 22h00, o apetite era grande e fui atraído por um grelhador de carvão à entrada, pilotado com ar competente, e por umas sardinhas grandes e luzidias na montra, com aspecto anafado, mas que desiludiram no prato, secas, quase de certeza descongeladas, acompanhadas por carcaças banais e uma salada razoável, mas sem pimentos.

No dia seguinte, precavi-me e telefonei para o Verde Gaio (Rua Francisco Metrass, 18 B. tel. 213969579) para saber se tinham sardinhas para o almoço. Tinham. E são boas? Muito boas, responderam. Portuguesas? Não, ainda não, catalãs de Tarragona. Fiquei bem impressionado pela sinceridade e decidi ir lá almoçar para ver se o Mediterrâneo se consegue bater com o nosso Atlântico. O Verde Gaio deve grande parte da sua fama ao peixe fresco e ao facto de estar mesmo ao lado do mercado de Campo de Ourique. É uma casa muito procurada, sobretudo ao almoço, que se prolonga até tarde entre muito whisky "no balão"... O responsável pela casa é uma simpatia e trata a maior parte dos clientes com grande familiaridade, mas ao ver a minha desilusão perante umas sardinhitas mirradas e secas, teve que admitir que realmente não eram lá grande coisa, já outro cliente lhe tinha dito o mesmo, pedia desculpa. Salada sem pimentos, pão razoável tipo bola, batatas pequenas com casca (que não tirei), as melhores que encontrei neste meu périplo. Como vi por lá a Sofia, da Peixaria da Sofia, a minha banca preferida na praça de Campo de Ourique, não duvido que, quando for época, boa matéria-prima não faltará. Consolei-me com uns pastéis de nata, que asseguram de fabrico caseiro e que de facto têm qualidade assinalável.

Mais um dia, mais um almoço, mais sardinhas, desta vez no Último Porto, (Edifício da Gare Marítima da Rocha do Conde d' Óbidos, tel. 213979498, só serve almoços e fecha ao fim-de-semana, incluindo o deste Santo Antonio) mesmo em cima do Tejo, na área concessionada pelo Porto de Lisboa, grelhador do lado de fora, melhor ambiente não poderia haver. Quem sabe se atraídos pelo ar de local "secreto", os clientes afluem em massa a esta casa, que se pode gabar de ser mais bem afreguesada do que muitos restaurantes de luxo. Numa esplanada coberta, fizeram questão de me dizer que as sardinhas não estavam grande coisa, para eu pedir outro prato, mas renderam-se à minha persistência. De facto, embora bem grelhadas e temperadas, não eram boas, mas boa era a salada com boas e abundantes tiras de pimentos, bom pão à fatia. As batatas cozidas de mais e de fraca qualidade, como aconteceu sempre nestas minhas visitas (fora no Verde Gaio), algo de inexplicável num país com merecida fama neste aspecto.

A quarta visita foi ao restaurante-churrasqueira O Cofre, ao lado da Casa dos Bicos (Rua dos Bacalhoeiros, 2 C, tel. 218868935), com grelha à entrada e muito peixe exposto. Pergunto pelas sardinhas e dizem-me que estão boas e são portuguesas. "Pode pedir à confiança". De facto, naquela agradável esplanada, marcharam bem, talvez mais por comparação com as experiências anteriores, mas a verdade é que também me pareceram congeladas, quer porque a consistência estava longe de ser a ideal quer porque a pele saía como se fosse papel. Na salada, apenas umas farripas de pimento, mas o conjunto estava bom e bem temperado. Pena incluir umas malfadadas ripas de cenoura, maldição das saladas da nossa restauração popular. No pão, uma bola de mistura razoável, um miserável papo-seco oco e uma grossa fatia de broa de milho, que, apesar de ser de qualidade, confirmou a minha predilecção pelo pão de trigo. O cofre que dá nome ao restaurante existe na realidade e é bem bonito. Actualmente, serve de escritório, mas antes cumpria a sua função numa "casa de azeites" que ali funcionou muitos anos.

Antes de passar à última e melhor indicação, sinto obrigação de referir a decepcionante visita que fiz à Marítima de Xabregas, que já me tinha sido gabada por gente de confiança. Liguei durante vários dias a perguntar por sardinhas e, sempre com boa educação e paciência, foram-me informando que, por ora, "só petingas". Mesmo assim, decidi ir lá almoçar num domingo e fiquei satisfeito por ver que os seus mais de 140 lugares, espalhados por três salas, estavam preenchidos por gente de ar conhecedor e local. O problema era que mal se entrava nesta casa cujo nome cheira a sardinhas e bom peixe, levava-se com um cheiro que eu diria "controverso", para não dizer pior, de um bacalhau assado na brasa que é a especialidade. Como ia acompanhado, além das petingas de fraca qualidade, lá provei o dito bacalhau e só posso dizer que o sabor era tão controverso quanto o cheiro, apesar de estar a ser servido em muitas mesas de habitués da casa. Um mistério.

Vamos agora até Alfama, a um restaurante de que muito gosto e que não me canso de recomendar, apesar de, talvez devido à forte afluência de turistas, praticar preços acima do que se espera em locais deste género. O Lautasco (Beco do Azinhal, 7, tel. 218860173) fica num local de curto e fácil acesso pedonal a partir do Largo do Chafariz de Dentro (em frente ao Museu do Fado) e tem um dos mais encantadores pátios da cidade, à sombra de uma frondosa árvore, sem ruído de automóveis, protegido do vento. Tiram sabiamente partido da sua tipicidade, decorando o local com fitas, bandeirolas, grinaldas e manjericos de papel, mesmo antes da época dos Santos Populares. Ali estava até há uns 30 anos o Cantinho do António, do fadista António dos Santos, que recebia clientes e amigos como Alfredo Marceneiro, acompanhando-se só à viola, interpretando temas como Gaivotas em Terra e Partir é Morrer um Pouco (estão no YouTube, para quem quiser ouvir), que tiveram algum êxito na altura. Os seus instrumentos estão agora expostos na sala principal do restaurante.

Mas voltemos ao acolhedor pátio onde reservei mesa. Quando perguntei ao telefone, avisaram-me logo gravemente que as sardinhas eram das congeladas. Quando me sentei à mesa para almoçar, o responsável pela casa quase me implorou para não escolher as sardinhas...Como ia acompanhado, pedi também as pataniscas, que sabia esplêndidas, de formato achatado, bem fritas e leves, e assim me consolei um pouco provando-as como entrada. Mas havia muito mais para me consolar, como um cesto de belo pão de Mafra à fatia e uma soberba travessa de salada, com resplandecentes tiras de pimentos verdes em cima. As batatas é que mais uma vez deixavam a desejar, mas com tanto e tão bom pão, mal lhes toquei. Também as sobremesas aqui não são famosas e ainda me tentei por uma torta de laranja, doce tipicamente alfacinha de que tanto gosto e que deveria ser mais visto nos restaurantes da cidade, mas rapidamente me arrependi.

As sobremesas são muito importantes quando se vai às sardinhas, porque o seu sabor é inigualável, mas dura eternidades na boca, acabando por se tornar enjoativo. Para mim, a sobremesa ideal é também sazonal: cerejas, com a sua acidez perfeita a cortar a gordura do peixe.

A conclusão desta busca é óbvia. Quem gosta de sardinhas tem que saber esperar pela altura certa, porque, sejam congeladas ou de outros mares, não se comparam às que nós pescamos na nossa costa. No Santo António deste ano é pouco provável que elas estejam num bom momento de forma, mas os portuenses deverão ter mais sorte. Aliás, já diz o provérbio que "no São João, a sardinha pinga no pão". Num mundo perfeito, os restaurantes portugueses nem as deveriam apresentar nas suas listas antes de Junho, mas sabemos que a fama da sardinha portuguesa leva a que muitos turistas façam questão de as provar em qualquer estação. E, sem bons termos de comparação, chegam a ficar satisfeitos com a experiência. Como não é esse o nosso caso, se sentir uma saudade irresistível de sardinhas e, nos seus restaurantes predilectos, lhe disserem que ainda não as há frescas, gordas e portuguesas, o melhor é ficar em casa e abrir uma lata das óptimas conservas nacionais.


CONTACTOS


O Cofre
Rua dos Bacalhoeiros, 2 C
Tel.: 218868935

Cantinho das Gáveas
Rua das Gáveas, 82
Tel.: 213426460

Verde Gaio
Rua Francisco Metrass, 18 B
Tel.: 213969579

Último Porto
Edifício da Gare Marítima da Rocha do Conde d"Óbidos
Tel.: 213979498

Lautasco
Beco do Azinhal, 7
Tel.: 218860173

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