Fugas - restaurantes e bares

O chocolate belga em versão rock’n’roll

Por Luís Maio

Nada de aditivos nem acrescento de açúcar, mas amor em doses industriais. Com Laurent Gerbaud, o chocolate belga entrou na fase alternativa. Entre sabores exóticos, conversámos com o chocolateiro na sua loja em Bruxelas.

"Juro por Deus que os chocolates Laurent Gerbaud não contêm açúcar adicional, nem manteiga, nem álcool. Nada de conservantes, nada de lecitina de soja, nada de aromas artifi ciais, nada de aditivos... mas muito amor."

Assim reza o anúncio estampado em francês e inglês na própria parede da loja, aberta há dois anos na Rue Ravenstein, frente ao Palácio das Belas Artes, em pleno coração de Bruxelas. É um verdadeiro manifesto de impugnação dos clichés e do modus operandi de toda uma indústria belga que produz mais de 172 toneladas de chocolate por ano.

Laurent Gerbaud é, portanto, uma versão alternativa ou indie do chocolate belga, a quem já chamaram o chocolateiro rock ‘n'roll. Rebelde, portanto, mas com causa, porque, como ele diz, o chocolate industrial tende a render-se a uma uniformização açucarada que mata o prazer da multiplicação dos sabores. Resta saber como é que Gerbaud evita aditivos, conservantes e todo o pacote de doçuras do costume, ou como é que ele constrói outros prazeres achocolatados.


Teoricamente chinês

"Eram todos padeiros, pasteleiros ou chocolateiros na família do lado do meu avô paterno. No passado, porém, era uma profissão muito dura e os meus avós fizeram questão que os filhos fossem estudar em vez de os porem logo a trabalhar. Chegou ao ponto de a minha avó proibir as fi lhas de ir ao baile dos padeiros com medo que alguma delas voltasse de lá com um namorado do ramo." Também os pais de Laurent quiseram que ele tirasse um curso superior, que começou por ser Direito e acabou por ser História, especializando-se no período medieval.

Enquanto frequentava História, no entanto, inscreveu-se num curso nocturno de padeiro-pasteleiro chocolateiro e acabou por ficar com dois canudos. Concluídos os estudos, pôs a mochila às costas e foi descobrir mundo, acabando por passar mais de dois anos (2008- 2011) na China, até porque já falava fluentemente mandarim. "A ideia era abrir um negócio de chocolates em Xangai e até comecei com uma pequena produção no apartamento que lá aluguei. Tinha inclusive um serviço de entrega de bolos ao domicílio, mesmo sendo toda a operação completamente ilegal."

Jogar no improviso não chegou e depressa Laurent se apercebeu que em Xangai não ia a lado algum: "O problema é que os chineses têm um gosto muito diferente do nosso: não comem chocolates e não são nada amigos de açúcar. Tive de mudar as receitas, introduzindo coisas como os pistácios secos, de que eles até gostam bastante. Acabei assim mesmo por ter de me vir embora."

Pode ter partido da China de mãos a abanar, mas aterrou em Bruxelas a fervilhar de ideias. Foi ao regresso, por exemplo, que começou a achar que os chocolates belgas são excessivamente açucarados. Laurent decidiu então, faz agora dez anos, passar a encomendar os seus chocolates noutro lado, que é como quem diz fora da Bélgica, nomeadamente na Casa Domori, prestigiada manufactura genovesa que só trabalha com pequenos produtores. Os chocolates que realizam quase em exclusivo para o seu cliente belga são uma mistura seleccionada que emprega grãos colhidos em Trinidad, no Equador, e no vale de Sambirano, em Madagáscar.

O chocolateiro rock’n’roll defende que o chocolate é como os vinhos — e ele é seguramente um apreciador de vinhos, ou não tivesse uma caixa de Carcavelos por trás do balcão em Bruxelas. Da mesma maneira que um vinho de qualidade é composto de cepas particulares cujo gosto é função do terroir, também os grandes chocolates comportam grãos de origens específi cas, seleccionados pelas suas qualidades aromáticas e gustativas. E acrescenta, em tom quase confessional: “O mais ácido é o chocolate de Madagáscar, que é justamente o meu paladar favorito.” 

Quer dizer que ele compra, não fabrica chocolates. O que o certifi ca como um chocolateiro e, ainda por cima, um chocolateiro alternativo é “a mistura de chocolate negro com frutas e especiarias”. “Como não trabalho os açúcares, trabalho outros paladares como o ácido, o granulado, o apimentado, o gengibre. Os meus chocolates são muito puros, muito intensos. São viciantes, sem dúvida, mas comem-se dois ou três quadrados e já está — ficamos calmos para o resto do dia.”

Podem saborear-se por si próprios, como também se prestam a integrar ou tras aventuras gastronómicas. Foi o que recentemente sucedeu no Portus Calle, o melhor restaurante português de Montreal, onde os seus chocolates foram chamados a contracenar com tapas.

O que faz a diferença das delícias Gerbaud é, portanto, tanto a cobertura do chocolate como o seu recheio, um sortido que inclui especialidades dos quatro cantos do mundo, incluindo sal da Guérande, amêndoas da Sicília, gengibre de Guilin, pistácios de Evoia e bagas vermelhas da Pérsia. São misturas tão surpreendentes como saborosas, que já permitiram a Laurent abrir loja na capital belga, enquanto escoa cerca de 80% da sua produção para lojas gourmet nas principais capitais europeias. A mais-valia na loja de Bruxelas está nos cursos de degustação que o próprio chocolateiro realiza aos fins-de-semana, sob reserva, para pequenos grupos.


Chocolates Gerbaud

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