Fugas - restaurantes e bares

  • Rui Paula (foto de arquivo)
    Rui Paula (foto de arquivo) Paulo Pimenta
  • Restaurante Rui Paula Recife
    Restaurante Rui Paula Recife Nelson Garrido
  • Restaurante Rui Paula Recife
    Restaurante Rui Paula Recife Nelson Garrido
  • Restaurante Rui Paula Recife
    Restaurante Rui Paula Recife Nelson Garrido
  • Restaurante Rui Paula Recife
    Restaurante Rui Paula Recife Nelson Garrido
  • Restaurante Rui Paula Recife
    Restaurante Rui Paula Recife Nelson Garrido

Um Rui Paula no Brasil com sabor português e sotaque nordestino

Por Manuel Carvalho

O chef abriu no final de 2013 o seu terceiro restaurante, no Recife, Brasil. Um desafio em que a distância é mais geográfica do que gustativa. Sem desprezar o queijo coalho ou a mandioquinha, o que Rui Paula faz brilhar em Pernambuco é o velho bacalhau ou o polvo da tradição portuguesa. Porquê? Porque é isso que os brasileiros querem.

O logótipo, com a grafia estilizada do nome do chef, é o mesmo que se encontra nos menus do DOC no Douro ou no DOP no Porto, e se por um momento esquecermos que estamos dentro do mais sumptuoso shopping do Recife, a capital do estado brasileiro de Pernambuco, nada lá dentro nos remeterá para o domínio da novidade absoluta. O espaço é amplo, com um pé direito tão grande que até tolera a existência de um mezanino numa das suas áreas, fala-se português com sotaque do Norte entre os funcionários e, acima de tudo, descobre-se a familiaridade com as ofertas dos menus do Porto e do Douro. Será caso para se falar num Rui Paula III, uma simples extensão do que cá se faz para a mais dinâmica cidade do Nordeste brasileiro? Nem tanto.

Rui Paula internacionalizou-se quase por acidente. A culpa é de um empresário que, por acaso, conheceu no DOC. João Carlos Paes Mendonça foi um dos capitães do retalho no Brasil até que vendeu a sua participação na cadeia Bom Preço ao gigante norte-americano Wallmart e decidiu apostar no imobiliário e nos shoppings e nos negócios que lhe dão “satisfação” — hoje tem 12 unidades em cinco estados, é dono de uma rede de media no Recife e, entre outros activos, comprou muito recentemente a rebaptizada Quinta de Maria Izabel, com 135 hectares, no Douro. Quando estava para abrir a jóia da coroa do seu império, o Riomar no Recife, pensou que, além de lojas da Prada, da Calvin Klein ou da Guess, também podia ter um restaurante com cozinha de autor. É neste momento da história que aparece Rui Paula.

Ao chef jamais tinha passado pela cabeça “investir fora do país”. Porque “não tinha dinheiro para isso”. E ainda mais no Recife, uma cidade que, sendo enorme, está longe de exercer a atracção que, por exemplo, o cosmopolitismo de São Paulo exerce na alta cozinha mundial. Mas a facilidade de contar com o apoio de um parceiro local do calibre do grupo de JPPM ajudou a alterar os termos da equação. “Eu gosto de desafios”, diz Rui Paula — e não demorou muito até que este que lhe chegou do outro lado do mar fosse aceite. Até porque o risco era calculado. Pelo lado da relação com o dono do centro comercial e pela capacidade de mobilizar uma parte da equipa sem comprometer a qualidade de serviço no DOP ou no DOC — ainda este ano Rui Paula abrirá o seu novo espaço topo de gama na Casa de Chá da Boa Nova, uma obra projectada por Siza Vieira nos anos 1970.

Aparentemente, a adaptação do espaço a um restaurante não parecia ser difícil. Se foi, hoje não parece. A sala originalmente envidraçada até meia altura foi entretanto coberta de cortinas, o espaço de circulação é generoso, uma ilha no centro confere-lhe a faceta de relaxamento de um bar, uma parede de vidro ao fundo desvenda-nos uma parte da garrafeira, os móveis e as coberturas seguem o rigor da decoração das casas com a marca do chef. Ao todo, cabem nesta sala 104 comensais — a que se juntam mais 60 no espaço do mezanino, que pela sua localização parece mais recomendado para festas privadas ou para as acções de formação que o Rui Paula do Recife tem vindo a organizar com sucesso.

Para os portugueses, a ideia de um restaurante sofisticado não se concilia muito bem com o lado utilitário dos grandes centros comerciais. No Brasil há quem sinta esse desconcerto, mas num país onde a segurança é preocupação quotidiana o valor de um retiro dentro de um lugar com ar condicionado, acessos controlados e estacionamento garantido é bem mais apreciado. Havendo neste balanço um empate ou até talvez um resultado desfavorável para as ambições do chef, Rui Paula sabia que não seria esse o seu principal constrangimento. Muito mais importante era garantir a qualidade da cozinha e um bom nível no serviço. Para atender a estas duas necessidades, tratou de levar para o Recife um chefe de cozinha, uma chefe de mesa e mais nove funcionários experientes.

Foi este grupo com o mesmo número de elementos de uma equipa de futebol que tratou de dar formação aos seus novos companheiros recrutados no local. Com sucesso. O sommellier, um agrónomo que fez mestrado em Portugal, revela uma competência surpreendente nestas latitudes. E tem campo para poder aplicar essa competência: a garrafeira do Rui Paula, fortemente dominada pela oferta de vinhos portugueses mas com itens provenientes dos principais países produtores, não desmereceria o melhor restaurante de São Paulo, Lisboa ou Paris. São, ao todo, cerca de 300 referências.

Mais fácil foi determinar a identidade do restaurante. Pela sua experiência no Porto e no Douro, Rui Paula sabia que os brasileiros “gostam de levar na memória a comida que provam em Portugal”. Fazia pouco sentido ser ele a ir para lá dar-lhes o que eles têm no quotidiano, quando poderia oferecer-lhes uma alternativa que comprovadamente apreciam. “Ainda experimentei algumas versões de pratos locais, mas cedo nos apercebemos que os nossos clientes o que queriam era a cozinha portuguesa”, diz Rui Paula.

Em vez dos registos da tradição pernambucana envoltos na noção da nova cozinha, Rui Paula propôs no seu menu pratos de bacalhau com broa, açorda de marisco, polvo à lagareiro ou um menu de azeite. Numa região com forte influência portuguesa, esta oferta não é original — um dos melhores restaurantes do Recife, o Leite, faz gala da sua oferta de cozinha portuguesa. Mas o chef diz ter nesta competição um trunfo: uma certa modernidade na confecção e uma inspiração bem mais sofisticada na apresentação e no serviço. O slogan que acompanha o logótipo do Rui Paula no Recife dá conta dessa percepção: Rui Paula, Uma Cozinha Portuguesa Contemporânea.

Problema mais difícil de superar foi a organização de uma linha de abastecimentos capaz de prover a cozinha com produtos de qualidade. Nos mercados locais, que Rui Paula vasculhou nas suas primeiras missões no Brasil, pôde descobrir produtos dos quais gostou tanto que até os está a importar — como a mandioquinha. Mas cedo teve de perceber que a maioria dos produtos que a cozinha exigia tinha de vir de São Paulo. Uma logística complicada. E cara. “A distância exige muito mais de nós”, diz Rui Paula.

Quer isto dizer que não há diferenças entre o Rui Paula Recife e, por exemplo, o portuense DOP? Não, há algumas diferenças. É impossível reproduzir ipsis verbis uma cozinha com identidade local numa ecologia completamente diferente. Há legumes, ervas e condimentos diferentes. Pode haver bacalhau e sapateira, mas para apresentar peixes frescos o menu tem de recorrer à cioba ou ao camurim que se pescam na outra margem do Atlântico. Em Portugal há uma entrada de queijo Brie com três pimentões, enquanto no Recife essa sugestão é baseado no delicioso queijo Coalho, uma preciosidade local. E nas sobremesas, o Rui Paula apresenta “A Nossa Visão da Cartola”, uma criação da gastronomia local que se confecciona com queijo, manteiga, banana e canela.

Em termos de preços, há para todos os gostos. O menu executivo, servido aos almoços, custa 19 euros ao câmbio actual (58 reais). O menu bacalhau, que pressupõe uma entrada, um prato e sobremesa, sobe para 41 euros. No topo da tabela, o menu degustação e o menu azeite oferecem duas entradas, um prato de carne, um de peixe, um intermezzo e sobremesa. Custam 61 euros, cada, e podem ser complementados com uma sugestão de vinhos pelo valor de 56 euros. Fora dos menus, há escolhas de entradas entre os 7,50 e os 18 euros, pratos de peixe que oscilam entre os 21 e os 27 euros, de carne entre 21 e 31 euros.

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