Fugas - restaurantes e bares

  • Os chefs que ao longo dos dez dias do festival trabalharam os produtos açorianos
    Os chefs que ao longo dos dez dias do festival trabalharam os produtos açorianos Pedro Borges
  • O inglês, Adam Gray, do restaurante Skylon, em Londres
    O inglês, Adam Gray, do restaurante Skylon, em Londres DR
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A despensa açoriana é a felicidade dos cozinheiros

Por José Augusto Moreira

Dez dias consecutivos de festa gastronómica em Ponta Delgada onde os produtos autóctoness rivalizam com o protagonismo dos chefs. No 10Fest deste ano os cozinheiros locais encheram-se de brios e prepararam menus apenas com produtos da região. Dos peixes aos vinhos, café e charutos.

Sofisticação culinária, chefs de vanguarda de vários países, estrelas Michelin e vinhos a condizer. Um festival gastronómico associa-se normalmente aos ambientes dos grandes restaurantes, mas quando tudo isto acontece no contexto de uma escola de formação a coisa apresenta-se já como algo extraordinário. Pois bem, esse é o feito da Escola de Formação Turística e Hoteleira dos Açores, que pelo terceiro ano consecutivo reuniu um leque de propostas e cozinheiros que não só empurram a cozinha açoriana para patamares superiores como põem em evidência os produtos locais. Dos peixes e mariscos às carnes, queijos, frutas e legumes, foram dez jantares consecutivos com menus executados por cozinheiros de diversas origens e com diferentes concepções. Dá pelo nome de 10Fest – 10 dias/10 chefs, para uma festa culinária com lotações esgotadas desde que abrem as inscrições.

Além de única, a despensa açoriana fornece também produtos de uma qualidade e frescura que fazem a felicidade dos cozinheiros. E é também por aqui que tem que ser encontrada a explicação para a rápida afirmação deste encontro, que reúne cozinheiros cada vez mais qualificados. Sempre dez, responsabilizando-se cada um por um jantar ao longo dos dez dias do festival.

Sintomático é que recorram ao mercado local para desvendar produtos frescos que lhes forneçam a inspiração. Tudo começa com a visita matinal, onde o menu vai sendo definido. E nem só os peixes, mariscos e carnes ou as irresistíveis e já famosas provas no Rei dos Queijos. Frutos como o ananás, a meloa ou limão galego, como só têm as ilhas açorianas, ou ainda legumes e ervas aromáticas que inexistem por outras paragens deixam os mestres da cozinha com a boca aberta de espanto e a salivar de satisfação.

Ricardo Costa, que ostenta a estrela Michelin no sofisticado The Yeatman, optou desta vez por levar à mesa do jantar de encerramento o lírio e o cherne para mostrar como são delicados os peixes das águas profundas e frescas dos mares dos Açores, mas também cracas e lagosta em louvor do sabor e raridade dos mariscos. Também no primeiro dia, outro chef estrelado, o espanhol Fernando Agrasar, do restaurante As Garzas, perto da Corunha, não resistiu a um quarteto de peixe fresco do mercado local. Seleccionou salmão, sardinha, cavala e abrótea, o mesmo acontecendo com os restantes cozinheiros, que também recorreram aos peixes frescos do mercado local, com especial destaque para o atum, utilizado por todos.

Café e charutos

Com um menu integralmente local, os cozinheiros da casa voltaram a puxar pelos galões. Cinco pratos e duas sobremesas utilizando exclusivamente produtos açorianos, incluindo os vinhos e, imagine-se, até charutos e o café. Sim, café produzido e torrado no arquipélago e com sabor e intensidade aromática que claramente o distingue. Pena que se trate de uma quase curiosidade face à escassa produção da Fajã dos Vimes, na ilha de São Jorge.

Outra das boas surpresas foi a aposta numa harmonização integralmente com vinhos do arquipélago, coisa que ainda há meia dúzia de anos não caberia nem nas mais fantasiosas perspectivas de evolução para a produção local. Pois bem, o que os mestres da escola hoteleira de Ponta Delgada mostraram é que os vinhos locais estão já à altura das grandes mesas, com qualidade e diversidade para acompanhar pratos bem exigentes. Desde que se trate de brancos, claro está!

Para a entrada, com foie gras (pato açoriano, claro), morcela e ananás caramelizado, o Czar Licoroso do Pico da colheita de 2008, enquanto o Lajido seco de 2002 acompanhou o café da Fajã dos Vimes e o charuto final. Pelo meio, o Terras de Lava Branco 2013 acompanhou o atum corado com polenta, puré de couve roxa, cebola de curtume (com vinho de cheiro) e aipo glaceado, seguido de uma espécie de mostra de varietais para destacar o potencial e diversidade daquilo que em matéria de brancos por aqui já se trabalha.

O “Brinde ao mar dos Açores”, com ouriços do mar, rocaz e cracas, foi feito com o Ínsua Private Selection Arinto dos Açores 2013, tendo o “Peixe [boca negra] com duo de Verdelhos” que se seguiu permitido pôr em evidência o potencial de evolução da casta com o Curral Atlantis 2013 e o Magma 2012. Para a “Carne assada com molho de cozedura, bolo da sertã e chips de pimenta da terra”, o Terrantez do Pico 2013.

Nas sobremesas, a conjugação do fabuloso queijo São Jorge de 36 meses de cura e banana prata foi com Curral Atlantis Vedelho e Arinto doce de 2005, que se envolveu também com “O Galego e o Diabo”, a criativa sobremesa que juntou um creme queimado de limão tangerino do Pico (o galego), sorvete de figo de cacto (o diabo) e “pedra pomes” de chocolate branco.

Para lá da grande criatividade e evidência de segurança e maturidade da equipa da Escola de Formação Turística e Hoteleira, liderada pelos chefs Pedro Oliveira e Sandro Meireles, louve-se também a coragem de terem levado à mesa toda a essência dos Açores num contexto de sofisticação gastronómica. Um menu que deveria ser levado como bandeira por toda a restauração do arquipélago, para deixar claro que a cozinha local não pode só viver de sal, vinho de cheiro e pimenta da terra.

Chefs de sete países

Num festim que abriu e fechou com estrelas Michelin (Fernando Agrasar e Ricardo Costa), referência também para a participação de João Pires, o único Master Sommelier da península, que se encarregou da harmonização para o jantar de encerramento. Pelo meio, menus concebidos por chefs de procedência tão distintas como o dinamarquês David Ficher, do restaurante Hos Ficher, em Copenhaga, ou o americano Kevin Duffy, da Universidade Johnson & Wales, em Providence, cuja escola de culinária, com mais de 3500 alunos, será a maior do mundo.

Helena Loureiro, dos restaurantes Helena & Portus Calle, em Montreal, representou o Canadá, enquanto Rui Martins, que está ligado à Ducasse Education e detém a Cuisin’Arts & Management, em Paris, touxe a cozinha francesa. Albano Lourenço, que durante vários anos exibiu a estrela Michelin na Quinta da Lágrimas, em Coimbra, e Paulo Matos, do Aquapura Douro Hotel, marcaram igualmente presença, tal como o inglês Adam Gray, do restaurante Skylon, no Royal Festival Hall, em Londres.

Todos eles contaram com a colaboração dos alunos da escola de hotelaria na execução dos seus menus, sendo que o festival tem como palco as modernas e luminosas instalações do restaurante Anfiteatro, estrategicamente instalado sobre a baía de Ponta Delgada. É aqui que os alunos da escola de hotelaria açoriana fazem a sua formação, assegurando um serviço diário que está aberto ao público e do qual o mínimo que se pode dizer é que é do melhor que há no arquipélago.

São eles que igualmente asseguram todo o serviço do 10Fest, e é vê-los alegres e divertidos, vaidosos e concentrados na sua função para assegurar o êxito do festival.

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