Fugas - restaurantes e bares

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    Roberta Sudbrack Nana Moraes
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Roberta Sudbrack, a chef que reinventou a jaca, o quiabo, o chuchu

Por Alexandra Prado Coelho

Há dez anos, quando Roberta Sudbrack abriu o seu restaurante, o Rio nunca tinha visto nada assim. Mesa única? Só menu de degustação? “É você quem vai decidir o que eu vou comer?”, perguntavam. Mas a mulher que começou a vender cachorros quentes em Brasília e foi chef de cozinha do palácio presidencial sabia o que queria. E venceu.

Chegámos ao restaurante de Roberta Sudbrack em 2014, ano da jaca. Com a chef que na última década revolucionou a forma de se frequentar restaurantes no Rio de Janeiro, cada ano é ano de algum ingrediente, que ela trabalha de forma especial. E, por isso, é certo que no menu de degustação — o único que existe no restaurante que leva o nome da própria Roberta — vamos encontrar o fruto tropical conhecido como jaca.

Esta maneira de trabalhar é reveladora do espírito metódico e persistente desta gaúcha que ia ser veterinária quando a cozinha se cruzou no seu caminho. A história é conhecida, mas ouvir Roberta contá-la, no seu tom de voz meio cantado, no final de um jantar, é um prazer.

“Fui criada pelos meus avós e quando o meu avô faleceu, tive que encontrar uma maneira de sustentar a minha avó. Nunca tinha pisado numa cozinha e resolvi vender cachorro quente no meio da rua. Minha avó ajudou, fazendo o molho, e eu fui atrás da melhor salsicha, do melhor pão, porque ingrediente é inegociável. A gente pode colocar a nossa visão, a nossa filosofia, tudo em que a gente acredita, na cozinha, mas o ingrediente tem que ser a estrela.”

E assim, numa esquina de Brasília, apareceu uma menina que queria ser veterinária a vender cachorros quentes com o molho que a avó fazia em casa. Conseguiu dinheiro suficiente não só para ajudar a avó mas para juntar e ir fazer o curso nos Estados Unidos. Foi aí que, pela primeira vez, teve que cozinhar para si própria. “No primeiro dia em que toquei uma beringela e uma abobrinha, eu vi que era aquilo.”

Esqueceu o curso de veterinária, mas também não tinha dinheiro para fazer um de cozinha. Por isso enviou cartas para várias escolas, mostrando interesse em inscrever-se, apenas para conseguir os programas. “Como sou muito obstinada, fiz um laboratório solitário na minha cozinha. Sozinha, com o meu cachorro, cortava quilos e quilos de legumes, porque li que um cozinheiro tem que ter destreza com as facas.” E assim foi fazendo o seu “curso”. “Passei três anos fazendo a minha auto-formação. Uma coisa muito maluca, mas foi assim que aconteceu.”

Quando regressou ao Brasil, sentiu que já tinha o mínimo de segurança para poder começar a fazer alguns jantares. Num desses jantares, estava o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e a mulher deste, Ruth. “Quando o jantar acabou, ela me chamou e a gente ficou uma meia hora só falando de comida. Fui para casa e escrevi: ‘Hoje cozinhei para o Presidente da República’, e virei a página. Uma semana depois tocou o telefone e era o cerimonial do palácio a dizer que queriam que eu fizesse um almoço lá.” A esse almoço seguiram-se outros, até que Roberta foi convidada para ser a chef do Palácio da Alvorada. Aceitou.

“Minha avó foi contra, minha família foi contra, mas aceitei. Comecei do zero, fui sozinha, não podia levar nenhum assistente.” A equipa que tinha era a dos militares da Marinha que já ali trabalhavam. A primeira coisa que fez foi ir buscar um caixote do lixo e deitar fora tudo aquilo que não queria que se usasse na sua cozinha.

Anos mais tarde, durante a preparação de um jantar para o rei de Espanha, um dos militares, “sargento, pai de família”, estava a chorar enquanto fazia um molho com redução, usando ossos. “Falei ‘o que houve?’. Sou muito dura, muito difícil, mas naquele momento não tinha feito nada. E ele disse ‘Chef, estou lembrando quando chegou aqui no primeiro dia e a primeira coisa que fez foi jogar fora todas as coisas que eram as únicas que eu conhecia para fazer um molho. Eu fui para casa, falei com a minha mulher e disse estou perdido, não vou saber fazer mais nada, a pessoa que entrou lá me disse que a gente não vai fazer mais molho com isso, como é que vamos fazer?’”. E naquele dia o sargento chorava porque, sem nenhuma dessas coisas, estava a fazer um molho que ia servir ao rei.

Nessa época, a cena da cozinha no Brasil “era ainda muito embrionária, alguns chefs estavam botando a cabecinha para fora, os franceses tinham chegado há pouco tempo e estavam meio que mostrando como era a estrutura de um restaurante”. Foi nesse ambiente que, ao fim de sete anos de Palácio da Alvorada, Roberta saiu com a ideia de abrir o seu próprio restaurante.

Prémios de mais

Mas como Roberta é Roberta, a coisa não podia ser fácil. “Tinha três propostas magníficas para abrir um restaurante em São Paulo sem me preocupar com nada. No Rio não tinha nada. Então decidi começar no Rio”, diz, rindo. E começar com um conceito que os cariocas nunca tinham visto. “Era uma proposta absolutamente ousada. Foi o primeiro restaurante que só servia menu de degustação, mudava esse menu todos os dias, e tinha uma carta de vinhos que privilegiava os pequenos produtores, a maioria nacionais. As pessoas vêm aqui e não sabem o que vão comer. Há dez anos, quando abrimos, diziam ‘Como é que não vou poder escolher? Quem é você para me dizer o que vou comer?’.”

Para mais, decidiu que nos dois primeiros anos não teria mesas individuais, mas apenas uma grande mesa comum. “Quem viesse cá ia ter que se entregar totalmente, e isso para o brasileiro é muito difícil”. Além disso, o Rio é uma cidade de praia, de ambiente descontraído, e Roberta nunca quis abrir mão do ritual. “As pessoas dizem que tem que ter menu executivo para o almoço, eu tenho horror dessas palavras, quero que a pessoa venha e perca tempo.”

No centro de tudo isto estavam os ingredientes. “Para mim não é importante ser o melhor, mas fazer o melhor. Não ligo para listas, prémios, estrelas, mas não admito que o peixe não esteja excepcional, que o ingrediente não seja 110%. Sempre soube que linha eu queria seguir, e sempre foi a dos ingredientes mais simples.” Daí a ideia de todos os anos trabalhar um produto pouco habitual como o quiabo, o maxixe, o chuchu ou a jaca — que no dia em que fomos jantar ao seu restaurante foi apresentada num prato de carne de sol assada na brasa com chá de jaca fermentada.

Dez anos depois, “houve uma evolução na mentalidade dos brasileiros”, mas Roberta continua a não fazer compromissos. “Muitas vezes a gente achou que ia fechar, que nunca ia dar certo. Ganhámos todos os prémios, até de mais, e ainda assim as pessoas não entendiam. Por isso é que eu falo que prémio não adianta, o que adianta é o cliente aceitar se entregar.”

Hoje já não há mesa comum, há mesas como nos outros restaurantes, e à quarta-feira, uma noite mais fraca para a restauração no Rio, há um hambúrguer, baptizado como Sudburger, mas em que “a carne é batida na ponta da faca, com duas facas”. Mas o essencial não mudou e o ingrediente continua a ser o mais importante. Para iniciar o jantar, Roberta apresentou-nos simplesmente uma castanha do Pará crua com ervilhas, um sabor ligado à terra mas ao mesmo tempo muito fresco. “Às vezes, para ter a castanha crua do Pará tem que se ir buscar, são quatro horas de avião, mas metade dos brasileiros, ou muito mais, nunca experimentou o sabor da castanha crua.”

Entre os pratos que nos apresenta, além da jaca, do lagostim com cajica e caviar, do pargo com cebola queimada, do lombo de bife com sauce béarnaise e farinha de banana, aparece também um delicioso quiabo. Aliás, Roberta converteu muita gente ao quiabo, com uma técnica muito simples que consiste apenas em tirar as sementes, que contêm a goma, e transformá-las naquilo a que chama um “caviar vegetal” — um exemplo do trabalho que faz constantemente na sua cozinha com os “ingredientes renegados”.

Vai também buscar queijos surpreendentes de pequenos produtores que descobre num “trabalho de garimpo” pelo Brasil, ou doces como a geleia de mocotó, que para os brasileiros “tem sabor de infância” e que é cada vez mais difícil de encontrar bem feito. E o seu vinho da casa é o Caves de São João, da Bairrada, com o qual tem uma ligação muito grande.

Na cozinha onde não entram máquinas sofisticadas — “a gente faz tudo muito artesanal, é um trabalho muito de fazer bainhas à mão”. Tudo (à excepção do que vem dos produtores, como os queijos ou alguns doces) é feito no restaurante, a começar pelo delicioso pão. “A gente propõe mexer com as pessoas para o bem e para o mal. Se sair me amando, ok. Se sair me odiando, ok também. Só não pode é sair indiferente.”

E, sublinha Roberta, isto não é a “nova cozinha brasileira”. “É uma presunção da nossa parte achar que a gente está fazendo uma nova cozinha. A gente está é escrevendo novas páginas.”

Roberta Sudbrack
Avenida Lineu de Paula Machado, 916 - Jardim Botânico
Rio de Janeiro
Tel.: +55 21 3874-0139

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De terça a quinta das 19h30 às 23h; sexta e sábado das 20h30 às 00h (almoço só às sextas das 12h às 15h, e excepcionalmente durante Agosto também de terça a sábado)

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