Fugas - restaurantes e bares

  • Enric Vives-Rubio
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George Mendes quer ser o embaixador da comida portuguesa em Nova Iorque

Por Miguel Andrade

O chef do Aldea, restaurante de inspiração portuguesa (e uma estrela Michelin) em Nova Iorque, lança "My Portugal: Recipes and Stories", um livro sobre a gastronomia lusa que nasce de uma viagem pelo país em busca das suas raízes.

Nasceu nos Estados Unidos, mas George Mendes não abdica dos seus genes lusos. Muito pelo contrário. Depois de conquistar uma estrela Michelin para o Aldea, o restaurante com cozinha de autor de inspiração portuguesa, o chef luso-descendente percorreu Portugal numa viagem gastronómica e pretende agora explicar o bê-á-bá da nossa cozinha no seu primeiro livro, My Portugal: Recipes and Stories (Meu Portugal: Histórias e Receitas).

“A cozinha de Portugal é tão simples, deliciosa e saudável. Os sabores são familiares a qualquer pessoa que já provou comida espanhola, italiana ou mediterrânica, com o seu uso abundante de azeite, alho, cebola e ervas aromáticas. Mas a cozinha portuguesa tem uma alma extremamente distinta.” É desta forma que George Mendes resume em poucas linhas a cozinha lusa no seu livro, publicado pela editora americana Stewart, Tabori & Chang e que será lançado a 7 de Outubro.

Considerado um dos dez novos melhores chefs de 2011, distinção atribuída pela revista americana de comida Food & Wine Magazine, depois de o seu restaurante, o Aldea, ter ganho a estrela Michelin (que ainda mantém), o chef voltou recentemente a Portugal e à terra dos seus pais, em Ferreirós do Dão, Beira Alta, para satisfazer a curiosidade de descobrir as suas raízes. Com esses ingredientes, cozinhou o seu primeiro livro.

E o resultado? My Portugal: Recipes and Stories (ainda apenas em inglês e disponível pela Amazon pelo preço de 24€) é um dois-em-um. Por um lado, dá a conhecer a história de vida do chef, a sua forma de cozinhar e de trabalhar no restaurante e explica como a cozinha portuguesa influenciou o seu percurso e sucesso na carreira.Por outro, oferece 125 receitas que se dividem em três espectros: criações do Aldea, como a sua versão do arroz de pato ou das gambas com alhinho; de casa e da família do chef e algumas iguarias da cozinha tradicional portuguesa, como bacalhau à Brás, camarão com piri-piri, ovos com ervilhas e chouriço e mais. Em cada receita, há sempre uma pequena nota a acompanhar, seja para explicar a história de um ingrediente, quer para referir, por exemplo, onde comeu o melhor arroz de marisco em Portugal.

Com o livro, o chef pretende “dar às pessoas receitas portuguesas simples e deliciosas para que possam fazer em casa, mas também inspirar os cozinheiros profissionais, porque há muitas receitas do Aldea que são extensas”, refere George Mendes à Fugas.

Fruto do acaso

Chegar à versão final do livro foi um processo moroso. As tarefas diárias e as longas horas passadas no restaurante não permitiam que George Mendes pensasse muito, nem sequer numa obra sobre si. Senão ele, então os clientes do Aldea. “Elisabeth, uma agente literária, vinha muitas vezes almoçar ao restaurante. Um dia, veio ter comigo e perguntou-me se eu estaria interessado que se escrevesse um livro sobre mim”,conta o chef. A resposta inicial até foi negativa. Elisabeth retorquiu com um “Olha que não há muitos livros que falem sobre a cozinha portuguesa nos Estados Unidos, nem para a cozinha doméstica”. E aquela frase ficou a cozinhar, lentamente, na cabeça de George.

Passaram-se meses. Num almoço muito movimentado no Aldea, a agente literária voltou à carga, mas desta vez vinha com um coelho na cartola. “Mal me viu, Elisabeth perguntou-me logo se eu queria ter uma reunião com um escritor. Encolhi os ombros e aceitei. Contudo, conheci vários, um passou para cinco, cinco passaram para dez e não tive ligação com nenhum deles”, recorda.

Até que, por fim, foi outro cliente do restaurante que acabou por ficar com a tarefa de escrever o primeiro livro de George. “Um dia, ao jantar, uma comensal levantou-se da mesa e veio na minha direcção, para me propor escrever um livro. Nem sabia ela que eu já andava à procura de escritores”, revela. Genevieve Ko, uma escritora americana de gastronomia, com vários livros publicados, um deles sobre o chef francês Jean-Georges Vongerichten, que tem restaurantes em Nova Iorque, Londres, Paris e Xangai, viu e ouviu o chef, aprendeu e estudou sobre a cozinha portuguesa, para colocar em palavras a história e as receitas de George Mendes.

Ambos, o chef e a escritora, partiram numa viagem em Portugal, de Lisboa até ao Algarve, do Alentejo até ao Douro.Deliciaram-se com a comida de inúmeros restaurantes e tabernas de cada região e partilharam refeições caseiras com a família de George, que o chef já não via há longos anos. Comeram desde favas com chouriço e gaspacho alentejano a jaquinzinhos fritos. E até foram participar nas vindimas. As fotografias do livro reflectem essa longa caminhada.

Para um cozinheiro que passa dias fechado entre quatro paredes em Manhattan, ainda foi mais gratificante poder viajar à procura das suas origens portuguesas. “Tem um impacto gigantesco ser chef há tanto tempo e depois descobrir um estilo de cozinha rústica e deliciosa. Foi aí que me apercebi onde tudo começou para mim. A viagem tem-me tornado num cozinheiro melhor e mais corajoso. Ensinou-me a não ser tão preocupado em agradar ao paladar moderno de Nova Iorque, não ter medo de transportar para o Aldea uma cozinha mais regional e clássica. De usar as minhas raízes”, confessa George.

Entre entrevistas, escrita, edição, testes de receitas e fotografias, o livro demorou cerca de dois anos a cozinhar.

A identidade de Portugal

George Mendes nasceu em Danbury, Connecticut. Os pais emigraram à procura do sonho americano em 1969 e desde cedo que o chef começou a criar memórias das longas, elaboradas e festivas refeições que a sua família preparava enquanto ele crescia na terra do tio Sam.

Aos 17 anos entrou para a Culinary Institute of America, em Nova Iorque, a mais prestigiada escola de cozinha nos EUA e uma das mais conceituadas a nível mundial. “Frequentar o curso ajudou-me no processo de aprendizagem, mas só quando comecei a trabalhar nos restaurantes é que me apercebi do decurso dos serviços”, afirma, acrescentando que não pensa que seja imprescindível os jovens irem para uma escola de cozinha.

Antes de abrir o Aldea, George Mendes fez um percurso de carreira muito ligado à cozinha… de França. Passou por restaurantes franceses em Nova Iorque e Washington, como o Bouley e o Le Zoo, e fez estágios em Paris, no L’Arpege, do chef Alain Passard, e no La Bastide de Moustiers, de Alain Ducasse. Até que, em 2003, uma passagem pelo Martin Beserategui, um restaurante de três estrelas Michelin, em San Sebastian, o inspirou a criar o seu próprio espaço na cidade que nunca dorme.

O Aldea “é um restaurante português na base, no coração, mas com um espírito livre”. “Tem uma mão de Espanha mas também tem influências das antigas colónias como Brasil, Macau ou Goa”, explica George. Quando nos sentamos à mesa do seu espaço, consegue-se sentir nas refeições a paixão do chef pelas suas raízes lusas, mas com uma visão moderna e artística dos pratos mais tradicionais portugueses. E, apesar de ter vivido sempre fora do nosso país, mesmo que tenha a casa cheia, a hospitalidade portuguesa, quente e amigável, reluz.

No início do próximo ano, George Mendes vai abrir o seu segundo espaço em Nova Iorque, este inteiramente dedicado à cozinha portuguesa — porque acredita que “Portugal já tem a sua identidade gastronómica, já não está escondido na sombra de Espanha”. “Cada vez mais as pessoas ouvem falar, vêm a Portugal, provam e percebem a comida das diferentes regiões”. Nos Estados Unidos, “a comida portuguesa é conhecida, mas ainda há muito trabalho para se fazer”. “O livro vai ajudar ou contribuir para que se conheça mais”, refere.

Com o livro com receitas de Portugal, e brevemente com dois espaços em Nova Iorque, a missão de George Mendes passa a ser muito clara. “O meu objectivo é mostrar às pessoas em todo o mundo que a cozinha de Portugal é tão simples, deliciosa e saudável, e utiliza vários ingredientes que também fazem parte das refeições italianas ou espanholas, de fácil acesso nos Estados Unidos.” Mais um passo para tornar a cozinha portuguesa conhecida a nível mundial.

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