Fugas - restaurantes e bares

  • Leonardo Pereira, no jantar Origens
    Leonardo Pereira, no jantar Origens Paulo Barata
  • Leonardo Pereira, peixe para o jantar Origens
    Leonardo Pereira, peixe para o jantar Origens Paulo Barata
  • Leonardo Pereira, no jantar Origens
    Leonardo Pereira, no jantar Origens Paulo Barata

Ele tem (muita) vida para além do Noma

Por Alexandra Prado Coelho

Trabalhou quatro anos naquele que é considerado o melhor restaurante do mundo. Agora, Leonardo Pereira está de regresso a Portugal para um projecto no Hotel Areias do Seixo. Num jantar do projecto Origens, deu pistas sobre o que irá ser a sua cozinha.

Leonardo Pereira, “vindo do Noma”: vai ser inevitável que nos primeiros tempos o nome deste cozinheiro português surja associado ao local onde trabalhou nos últimos quatro anos e meio, o Noma, de Copenhaga, primeiro lugar na lista dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo. Leonardo sabe disso, e não está preocupado. Diz que “era preciso ser um génio fantástico” para de repente chegar a Portugal e começar a cozinhar sem influências do restaurante que revolucionou a gastronomia nórdica.

Mas está já a desenvolver uma linguagem própria, e foi isso mesmo que mostrou num jantar Origens, o projecto da dupla Amuse Bouche (Ana Músico e Paulo Barata) ligado ao Sangue na Guelra, em que jovens chefs são desafiados a preparar um jantar em que se revelam sem restrições, cozinhando com total liberdade criativa. Assim, no dia 30 de Novembro, Leonardo Pereira e grande parte da equipa com a qual vai trabalhar no seu novo projecto em Portugal — o restaurante do hotel Areias do Seixo, em Santa Cruz, próximo de Torres Vedras, onde “estreiam” a 26 de Dezembro — ocuparam o Vestígius Wine Bar, junto ao Cais do Sodré, em Lisboa, e mostraram do que são capazes.

Primeiro circularam cogumelos com miso (pasta de soja fermentada, desenvolvida em Portugal pelo Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa) e um crumble de cogumelos shitake. Depois chegou um caldo frio de berbigão com coloridas flores de capuchinhas (uma espécie de agrião), e a acompanhá-la um óptimo pão feito por um dos colaboradores de Leonardo, Mário Rolando, que veio às mesas explicar que era feito com 40% de massa velha e tinha 28 horas de fermentação. 

Chegaram de seguida ostras de Setúbal com um surpreendente óleo de alga assada e rabanete fermentado; raia com molho pitau (tradicional da região de Aveiro, e para o qual se usa o fígado da raia); uma excelente abóbora assada com molho de pinhão e alecrim; uma abrótea (dos Açores) com vegetais; e um prato de molejas de porco. A refeição — que foi acompanhada por vinhos Lua Cheia em Vinhas Velhas — terminou com uma sobremesa muito boa e não muito doce: dióspiro, gelado de castanha e merengue de dióspiro.

No final, Leonardo, satisfeito e de t-shirt, apesar da noite fresca, sentava-se no exterior para conversar e explicar o que é que tudo isto tem a ver com os seus planos para o futuro. “É ainda um estádio experimental. Foi a primeira vez que cozinhámos todos juntos”, explicou. “Em muitos dos pratos houve um rebuliço nos últimos dias, com mudanças e mudanças. Foi um esboço, mas acho que podemos evoluir a partir daqui, pegar em algumas ideias e torná-las melhores.” Ri-se quando lhe chamamos a atenção para o facto de ter sido um jantar quase sem hidratos de carbono. “Acabou por ser assim, mas adoro fazer massa fresca, ou arroz, o meu prato favorito é arroz de polvo. Mas é preciso ter um nível altíssimo para fazer um prato de arroz e o pessoal achar que foi a melhor coisa que já comeu.”



As saudades

Foi há cerca de um ano que decidiu que ia regressar a Portugal. “Comecei a pensar: porque não? Vi muitos dos amigos com quem trabalhei a abrirem os seus próprios sítios e comecei a pensar ‘Vou fazê-lo, vou voltar para Portugal’”. Teria, provavelmente, sido mais fácil abrir um espaço em Copenhaga, mas aí seria “mais um chef do Noma que abriu um restaurante na cidade”. 

E, na verdade, começava a sentir saudades de alguns ingredientes portugueses. “Foram muitos anos sem azeite, sem limão, sem o nosso peixe, sem uma data de legumes e vegetais que existem no Sul da Europa.” Começou a pensar neles, a “sair um bocado da zona escandinava” e a “anotar ideias e esquematizar pratos na cabeça”. Quando o apresentaram aos proprietários do hotel Areias do Seixo, a ideia de voltar para Portugal tornou-se mais concreta. Depois foi começar “a fazer telefonemas, a pesquisar” e a tentar encontrar os fornecedores dos produtos com que andava a sonhar. 

E que tal? “Algumas coisas têm-me surpreendido, outras deixam-me ainda um bocado na expectativa”, confessa. “Acho que temos coisas fantásticas, mas tenho tido alguma dificuldade em encontrar uma rede de lacticínios estável, por exemplo. Vim para cá com uma filosofia que é a de cozinhar o que é do momento, mas é mais bonito dizê-lo que fazê-lo.” Se por um lado há “marisco e peixe extraordinários”, por outro a carne ainda não é exactamente o que procurava. Tem passado também muito tempo na horta de permacultura que plantaram nas Areias do Seixo, e onde têm legumes que não se encontram facilmente à venda. 

Mais umas semanas de preparação e no dia a seguir ao Natal o restaurante vai abrir portas a quem quiser descobrir a cozinha do jovem chef português — e qualquer dia já ninguém se vai lembrar de dizer “Leonardo, vindo do Noma”.

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