Fugas - restaurantes e bares

Paulo Barata

A noite em que o Celler de Can Roca encheu o Alma

Por Alexandra Prado Coelho

No sábado à noite estiveram a cozinhar em Girona (Espanha) no El Celler de Can Roca, considerado o melhor restaurante do mundo na lista do World’s 50 Best Restaurants, e no domingo já estavam em Lisboa na cozinha do novo Alma, o restaurante que Henrique Sá Pessoa está prestes a inaugurar (dentro de poucas semanas), na Rua Anchieta, Chiado.

O catalão Nacho Baucells e o argentino Hernan Luchetti – os homens de confiança dos três irmãos Roca, Jordi, Joan e Josep, no El Celler – aceitaram o desafio de Ana Músico e Paulo Barata, a dupla Amuse Bouche, para virem a Portugal fazer um jantar Origens (um projecto satélite do Sangue na Guelra, que mostra o trabalho dos sub-chefs e números dois das grandes cozinhas).

Foi, portanto, um jantar a seis mãos e cruzando Portugal, Catalunha e Argentina, com a reinterpretação de pratos com os quais os chefs cresceram, cada um na sua zona do mundo. O primeiro foi uma criação dos dois convidados, um granizado de ginjinha com gengibre, inspirado no bombom de ginjinha que descobriram em Portugal quando aqui estiveram para o Sangue na Guelra 2014.

Veio depois o primeiro prato “argentino” – charutos de chouriço e morcela em massa brick, nos quais Luchetti recriou aquilo a que os argentinos habitualmente chamam "matrimónio”, o chouriço com a morcela grelhados na parrilla. Baucells trouxe as suas memórias catalãs com um brioche ao vapor de butifarra negra (enchido típico da Catalunha) com ouriços.

Os sabores fortes continuaram – toda a refeição foi acompanhada por vinhos Casal de Santa Maria, de Colares, que, com a sua acidez e ligeiro toque salgado aguentaram bem a força dos ingredientes – com um óptimo gaspacho de azeitona preta, cavala marinada, pó de anchova, funcho, pimentão e gelado de azeitona verde, prato de Baucells. Luchetti contra-atacou com língua de vitela acompanhada por alcaparras secas, molho de cinco pimentos e shots de chimichurri, sabores que se sobrepuseram demasiado ao da língua suavemente cozinhada.

Henrique Sá Pessoa apresentou um delicioso salmonete com molho de caldeirada, que fez muito bem a transição para o prato seguinte de Baucells: cozido de bacalhau com espinafres, tripas de bacalhau, passas, pinhões e cebolas com mel, uma combinação que surpreendeu até os portugueses com fama de conhecedores de receitas de bacalhau.

Foi a vez de a Argentina avançar, com um cordeiro com pêssego e queijo de ovelha, uma carne longamente cozinhada que se desfazia na boca. O último prato foi um “fricandó” de vitela, inspirado no tradicional guisado da Catalunha, mas com a carne pousada sobre um tapete às riscas de vários sabores, alioli, pimento chouriceiro, cogumelos e salsa, e ainda um pó de malagueta e alho.

As sobremesas também foram uma viagem aos três países – Sá Pessoa fez um sorbet de manjericão com ananás dos Açores, Baucells apresentou a sua versão do pão de chocolate típico da Catalunha (pão e chocolate temperados com azeite) e Luchetti trouxe às mesas um bombom de doce de leite. E foi assim que terminou a noite em que algum do espírito do El Celler de Can Roca encheu o novo Alma.

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