Risotto de trufas brancas no Ritz
Atenção porque este é um menu que dura apenas o tempo que durar a trufa branca de Alba, umas duas semanas, geralmente. Quando visitámos a cozinha do Ritz, no dia 15 de Outubro, ninguém estava muito seguro de que as trufas, encomendadas com a devida antecedência, chegariam. É que não depende dos homens, mas sim da natureza: ou é época de trufas ou não é. Mas, no meio do nervosismo, havia uma pessoa que estava tranquila: o chef Pascal Meynard sabia que as trufas iam chegar.
E, de facto, chegaram. Quando entrámos na enorme cozinha estava tudo preparado para começarmos a cozinhar um risotto. O arroz Acquarello, a manteiga ácida (com redução de chalotas e vinagre balsâmico), previamente feita, tal como o caldo de legumes, também já pronto. E, no centro da mesa, as estrelas do dia, as trufas, numa pequena campânula de vidro.
São o prazer dos chefs e um dos mais admirados ingredientes do mundo, atingindo preços astronómicos nos leilões que todos os anos se realizam nesta época. Nascem sob a terra, a uma profundidade de 20 a 40 centímetros, próximo das raízes dos carvalhos e dos castanheiros, e a sua localização é detectada com a ajuda de porcos e cães, que identificam o seu aroma muito característico mesmo debaixo da terra. As que chegaram ao Ritz, vindas da zona do Piemonte, no Norte de Itália, estavam em meados de Outubro nos 3900 euros o quilo. E nós tínhamos à frente uns 10 gramas para o nosso risotto.
O texto que recebemos lembrava que todos os anos, após a colheita, realiza-se em Hong Kong um leilão no qual participam, através de satélite, compradores espalhados pelo mundo em cidades como Paris, Moscovo, Las Vegas, Londres, Munique, Tóquio, Nova Iorque ou Los Angeles. Um dos maiores é o macaense Stanley Ho, dono de vários casinos, entre os quais o do Estoril.
Não há muito a fazer com as trufas. Um chef limita-se a respeitar este ingrediente tão especial, lançando-o em lâminas sobre outras preparações – neste caso o risotto. Com a ajuda dos sous-chefs Carlos Cardoso e Diogo Filipe, ocupamos a nossa estação para começarmos a cozinhar, mas só depois de termos experimentado um prato de vieira, trufa e cogumelos trompeta da morte.
O chef Pascal explica que para 40 gramas de risotto são necessários 400 de líquido e 14 minutos para cozinhar. Deve-se deixar um pouco de caldo no final, para fazer a ligação entre o arroz, o parmesão e o restante líquido. Sobre o arroz cremoso, o chef raspa agora as lâminas de trufa, e o aroma invade-nos as narinas e o pensamento.
Este é um dos pratos que estará disponível no Menu de Trufa Branca no restaurante Varanda do Ritz, entre 9 e 22 de Novembro. O menu inclui um amuse-bouche, vieiras com puré de couve-flor, trompetas da morte e trufa branca, risotto com cogumelos cantarelos e trufa branca ou tagliolini fresco com creme parmesão e trufa branca, e filete de peixe-galo com topinambor, espargos e trufa branca ou, em alternativa, carré de vitela de leite assado com réglisse (alcaçuz), batatas meio-fumadas e lascas de trufa. Para sobremesa, um cremoso de chocolate araguani com trufa branca, pêras caramelizadas e gelado de fava tonka.
Varanda - Four Seasons Hotel Ritz
Rua Rodrigo da Fonseca, 88
Preço Menu Trufa Branca: 135 euros (sem bebidas)
Reservas: 21 381 14 00
As molejas de vitela de Sergi Arola
Sentados numa das mesas do Arola LAB – o novo restaurante que o chef catalão Sergi Arola abriu em Junho no Penha Longa Resort, em Sintra, onde já tinha, desde 2008, o restaurante Arola – vemos, pela parede de vidro, a paisagem à nossa frente a transformar-se. As árvores que se espalham pela Penha Longa, verdes quando chegámos, transformam-se lentamente em sombras contra o céu azul petróleo do anoitecer, enquanto na nossa mesa desfila o impressionante Menu Sergi Arola.
Um dos pratos que mais se grava na nossa memória é, sem dúvida, as molejas (glândulas) de vitela assadas com uma mistura de especiarias, beringela à moda de Andhra e ensopado de lentilhas “beluga” – um dos pratos famosos de Arola, que faz também parte da carta do seu restaurante Gastro, de Madrid, com duas estrelas Michelin. Não é necessariamente um prato de Outono, mas é um prato que se vai adaptando às várias estações e muda de guarnições em função dos legumes de cada época.
As molejas são delicadamente cozinhadas numa pequena grelha que é trazida para a mesa e ficam com uma textura tenra e um sabor subtil, a fumo e a especiarias, mas sem perderem o seu gosto natural. E são servidas no interior de uma roda feita com a beringela e as lentilhas.
Se a cozinha de Arola – que começou por ser discípulo de Ferran Adrià e Pierre Gagnaire – sempre foi considerada mediterrânica, nos últimos anos as viagens do chef espanhol têm-no levado a muitos países e os seus pratos reflectem essas influências. Exemplos disso, entre os que podem ser provados aqui, são os raviolis de pepino e camarão fumado com sopa fria de camarão e tamarindo com caril vermelho, o lombo de pregado confeccionado em folhas de mostarda, chutney de coco e caril caseiro de laranja ou o bulgogi de secretos de porco ibérico com couscous de couve-flor, kimchi e tangerina, cremoso de tupinambo e creme de mascarpone-gorgonzola. Mas há outros, mais “espanhóis” e igualmente imperdíveis, como o rissino-rossejat (que parece arroz mas é massa) com salmonete e espargos verdes e o molho dos fígados dos salmonetes – uma versão deliciosa de um prato típico de Barcelona.
Um jantar no LAB é uma verdadeira experiência gastronómica. Com uma carta de vinhos com 570 referências de garrafas e 182 de vinho a copo (o escanção é Ricardo Rodrigues), o restaurante apresenta três opções: a escolha à carta, o Menu Descobertas (90 euros) e o Menu Sergi Arola. Todos os pratos são criados por Arola, que visita frequentemente os seus restaurantes na Penha Longa, mas o chef catalão trabalha em colaboração muito próxima com o português Milton Anes (que anteriormente trabalhou com José Avillez, primeiro no Tavares e depois no Belcanto), responsável pelas cozinhas dos dois espaços Arola na Penha Longa.
A não perder também as sobremesas e, já que falamos aqui de Outono, há uma que parece particularmente indicada: raízes e rebentos verdes, wasabi-ginseng, chocolate branco, pistacho e estragão. Para terminar a refeição, é escolher entre as 48 ofertas de chás da carta e reparar que lá fora a noite já envolveu totalmente os jardins da Penha Longa.
LAB by Sergi Arola
Penha Longa Resort - Estrada da Lagoa Azul, Sintra
Tel.: 21 924 9011
Preço Menu Sergi Arola: 105 euros
Uma perdiz no Algarve
Para o chef Luís Mourão, do restaurante Al Quimia, no EPIC SANA Algarve, os sabores do Outono surgem nos ingredientes, nobres e menos nobres, da estação: as castanhas, os cogumelos, a abóbora, o mel, os marmelos, a bolota, a alfarroba, mas também a caça. São, diz, “pratos com sabores mais intensos, cores quentes e aromas reconfortantes que nos ficam na memória como o cheiro a lareira, a comida de forno e o aroma a vinho novo”.
E não é por estar no Algarve, região que mais rapidamente associamos ao Verão, que o chef se sente menos inspirado pelo Outono. “Esta é uma região geograficamente muito rica que, para além de toda a zona de costa e de mar, tem também o barrocal (entre a serra e o mar) coberto de laranjais e pomares de figo, alfarroba e amêndoa, produtos que brilham nesta época do ano”, afirma. Entre os produtos que prefere usar nos seus pratos estão as romãs, as maçãs, os marmelos, os frutos secos, canela, erva-doce e abóbora. São “os produtos com as características gastronómicas que melhor harmonizam com as proteínas da estação.”
A sugestão é, por isso, a perdiz com foie-gras, romãs e vinho do Porto. “A perdiz é um tipo de carne que permite grande versatilidade de harmonizações”. A romã é um exemplo de uma combinação particularmente feliz. “A acidez e também a doçura da romã possibilita criar contraste e ao mesmo tempo enaltecer o sabor delicado da perdiz”, afirma este alentejano que se tornou cozinheiro por causa de uma brincadeira, quando um familiar o inscreveu num curso de cozinha sem o avisar. Ele foi, apesar de “não saber nem estrelar um ovo”. E acabou apaixonado pela cozinha.
Com o Al Quimia, quer tornar-se “uma referência”. E as coisas têm corrido bem – em 2014 recebeu o prémio Restaurante Revelação do guia Boa Cama Boa Mesa. Este Outono apresenta, para além da perdiz, um lavagante com sabayon de baunilha, um robalo e lagosta com carolino de maçã em caldo do mar e uma sobremesa onde conjuga o medronho, o mel e a batata-doce.
Al Quimia
Epic SANA Algarve
Albufeira, Olhos de Água, Pinhal do Concelho, Praia da Falésia
Tel.: 289104500
Preço médio: 60 euros
Uma sobremesa de beterraba, bacon e fumo
Alexandra Gameiro, a dona do restaurante argentino Volver, garante que teve um sonho com este doce. “Tinha muita vontade de ter aqui uma sobremesa que incluísse beterraba e bacon ou presunto”. Fizeram as primeiras tentativas no restaurante mas não ficaram satisfeitos com o resultado. Foi então que entrou em cena Joaquim de Sousa, um dos mais respeitados pasteleiros portugueses e que passa agora a assinar a carta de sobremesas do Volver.
O cheese cake fumado, é assim que se chama, foi um verdadeiro desafio. O objectivo era criar um sabor agridoce, onde entrasse também o fumo, e que fosse, acima de tudo, equilibrado. “O mais difícil foi conseguir esse equilíbrio”, diz Alexandra. Mas estava convencida que se era possível o famoso pudim Abade de Priscos levar toucinho, ovos e açúcar e resultar tão bem, também seria possível conseguir um bom resultado aqui.
Joaquim de Sousa, chef de pastelaria do The Oitavos, em Cascais, não se deixou intimidar. Afinal, estamos a falar do homem que criou uma das sobremesas mais mediáticas da história recente da pastelaria portuguesa: uma flor com pétalas de chocolate, que se abrem uma a uma quando recebem o molho. O vídeo que mostra esta “flor” a desabrochar tornou-se viral na Internet, com mais de oito milhões de visualizações.
Para o cheese cake fumado, Joaquim de Sousa criou uma base de crumble de amêndoa com pedacinhos de bacon crocante e sal fumado, uma mousse de queijo com bacon, uma gelatina de beterraba, uma compota de framboesa, e, para o final, morangos frescos para darem uma nota de frescura. Há também pequenas rodelas de beterraba desidratada e o conjunto é apresentado num frasco de vidro que vem fechado, guardando no interior o fumo, que lhe acrescenta mais um nível de sabor. O resultado é óptimo e perfeitamente equilibrado.
Sendo a beterraba um legume de Outono, esta é uma sobremesa que faz todo o sentido nesta época – ajudada, aliás, pelos sabores do fumeiro, surpreendentes num prato de base doce. Mas não é a única sobremesa criada por Joaquim de Sousa para o Volver. Pode-se também optar, por exemplo, por uma pavlova (creme de limão, baunilha, framboesa e sorvete de limão) ou por uma torta Rogel com um twist português (doce de leite, queijo da serra e morangos).
O Volver, que nasceu como um restaurante ligado ao chef argentino Chakall, neste momento já se autonomizou e a nova carta é assinada pelo chef residente David Page. Entre as muitas propostas de carne, com carne maturada de diferentes origens e diferentes tempos de maturação e cortes, há ainda os chamados pratos de “alma”, um dos quais é também perfeito para os meses de Outono e aposta, mais uma vez, na beterraba: risotto de beterraba, nozes-pecã, espargos, vieiras, camarões, parmesão e azeite trufado.
Volver
R. Luís de Freitas Branco, 5, Lisboa
Tel.: 21 759 8980
Fecha ao domingo
Preço médio (jantar): 30 euros