Desde que o cozinheiro romano Apício, no século I, deixou escrito o seu livro de cozinha, sabemos que nas melhores mesas figuram os cogumelos como uma delicatessen e que se pode falar de uma verdadeira arte culinária, a da micogastronomia, que demonstra claramente que a sua preparação configura um verdadeiro pentagrama de aromas, cores, texturas e sabores.
Cada um tem as suas próprias características, pelo que tem também um sabor particular. Por isso, há que prepará-lo de uma determinada maneira. “Os cogumelos devem saber a cogumelo” e não a frango, tomate, pimento, coentros... Não podemos pensar em cozinhar da mesma maneira um abesó (Amanita caesarea), um rapazinho (Cantharellus cibarius), um míscaro dos carvalhos (Boletus edulis) ou um róculo (Macrolepiota procera). Mais: dependendo do estado de desenvolvimento do corpo frutífero, a preparação pode ser diferente.
Um míscaro dos carvalhos jovem permite a preparação de um magnífico carpaccio em cru, ao velho é necessário guisá-lo ou fazer com ele um paté ou uma sopa. Há muitos anos, explicou-me uma criança numa aldeia da Galiza que dos exemplares novos dos róculos (Macrolepiota do grupo procera) aproveitava-se também a parte superior do pé cozida em leite com açúcar e, em palavras suas, era coisa para lamber os dedos! Aos chapéus, disse ainda, guisavam-se com batatas. Eu posso acrescentar que, quando estão totalmente abertos, podem-se panar com ovo e pão ralado ou, melhor ainda, colocar entre cada dois chapéus um pouco de queijo e fiambre, antes de os panar e fritar. Esta receita é realmente magnífica e também pode ser usada para as repolgas silvestres ou de cultura.
Outras vezes, um mesmo cogumelo admite diversos tratamentos. Assim, os rapazinhos com arroz ou com ovo mexido resultam extraordinários, mas como tartes, compotas ou formando parte de licores também. Algo semelhante passa-se com os pés azuis (Lepista nuda) que dão uma boa sopa, um estufado magnífico e uma compota incomparável. Esta ementa ofereceu-se no ano de 1981 numas Jornadas Micológicas na Galiza e no fim do jantar ninguém acreditava que a base de todos os pratos era a mesma espécie de cogumelo.
Na cozinha como na vida, tudo se resolve com imaginação e senso comum. O resto vem dado. Sopas, entradas, arrozes, estufados, tortas, pudins, compotas e licores... tudo é possível se temos o saber fazer e a espécie adequada.
Os cogumelos são alimentos completos, quase se poderia viver só deles. Tal como as verduras, são muito ricos em água e têm escassas gorduras, têm suficientes proteínas, hidratos de carbono e, sobretudo, muitos minerais, aminoácidos e vitaminas para que uma pessoa não sinta falta de forças. E, se fora pouco, são muitas as espécies comestíveis, silvestres e de cultura que têm propriedades medicinais. Ajudam a estimular o sistema imunitário, são anticancerígenos, ajudam a baixar o nível de colesterol, a regular a tensão arterial... De facto, são considerados alimentos nutracêuticos, alimentos que ajudam a curar doenças – é por isso que a micoterapia, tratamento com cogumelos, está desenvolver-se muito na sociedade ocidental. Os chineses há milhares de anos que o descobriram.