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Joxe Mari Aizega

Joxe Mari Aizega DR

Como se inova na cozinha? Através da gastronomia tradicional

Por Francisca Gorjão Henriques

Portugal tem um grande trabalho pela frente na promoção da sua gastronomia. Deve olhar para a frente, claro, usando a inovação. Mas também estudar o passado. Pode estar aí a chave para uma nova expansão, diz o basco Joxe Mari Aizega.

Em Outubro passado, a Fugas esteve no Basque Culinary Center, a universidade de ciências gastronómicas em San Sebastián – um dos mais importantes congressos de cozinha do mundo tinha reconhecido o BCC “como exemplo mundial em termos de formação gastronómica multidisciplinar”. Agora, foi o seu director, Joxe Mari Aizega, quem veio a Portugal. Esteve em restaurante populares, comeu sopas, bacalhau de várias maneiras. Esteve no Mini Bar de José Avillez, no Chiado. E é nesta mesma zona onde nos sentamos para um café.

Como se promove a cozinha de um país? Qual é a receita?
Creio que, primeiro, traballhando na valorização da cozinha tradicional, dos seus produtos e bebidas. Esta é a base. Mas é também promovendo a inovação e os cozinheiros. Para que o mundo identifique uma cozinha tem de identifar os cozinheiros que estão por trás. Hoje em dia é assim. Quando se pensa num país pensa-se nos cozinheiros-estrela desse país. Portanto, para mim é como um triângulo: cozinha tradicional, inovação e cozinheiros. Em muitos países o que se está a passar é que um conjunto de cozinheiros junta-se para promover a nova cozinha.

Em Espanha está a acontecer isso?
Em Espanha já aconteceu.

E isso foi fundamental para a cozinha espanhola?
Sim. No País Basco, há 30 anos começou um movimento chamado a Nova Cozinha Basca. Agora, depois destes anos de inovação, é o território com mais estrelas Michelin por habitante no mundo. Há o [Juan Mari] Arzak, três estrelas Michelin, Pedro Subijana, três estrelas, Martín Berasategui, três estrelas [e Eneko Atxa, também com três estrelas]. É um território muito estrelado. Foi o resultado de um conjunto de cozinheiros que cooperaram, colaboraram e foram a imagem do país.

Colaboraram já com essa ideia de transformar...
E partilhar entre eles as inovações, as novas receitas.

Isso leva muito tempo a dar frutos?
O País Basco foi o primeiro território, mas temos os países nórdicos, que começaram a New Nordic Cuisine há dez anos: um grupo de cozinheiros liderados por René Redzepi. Isso passou-se em diferentes países. Normalmente o que acontece é que há um líder natural, mas um líder generoso. E seguramante outro exemplo disso é o Peru, nos últimos cinco anos, com Gastón Acurio e todo um conjunto de cozinheiros.

Como é que Portugal poderia fazer isso?
Primeiro há que querer fazê-lo. Tem de haver inovação, e claro, os cozinheiros precisam de apoio das instituições para a divulgação.

Em relação à cozinha basca, que instituições é que se envolveram?
Normalmente são os departamentos de turismo. Está provado que a gastronomia é um dos elementos mais importantes para a atracção de turistas. De atracção ou, uma vez aqui, de satisfação. Há turistas que viajam para comer, e outros que não indo para comer, a gastronomia é um dos elementos que mais valorizam.

A cozinha portuguesa está bem promovida ou falta fazer muita coisa?
Não tenho muita informação para responder a isso. De fora, diria que o bacalhau é um ícone da cozinha portuguesa, e logo a seguir vêm os vinhos e o Porto.

Azeite não?
Azeite não. [É uma marca da] Grécia, Itália e Espanha.

A cozinha portuguesa é muito mais que bacalhau e vinho. Se alguém como o Joxe Mari Aizega só identifca isto, significa que temos mesmo um problema de promoção.
Sim, eu acho que há um potencial importante que permitiria projectar a cozinha portuguesa no mundo. Acredito nisso.

E porque é que a mensagem não passa?
Não sei responder. Mas hoje em dia há uma grande competição entre cozinhas. Não significa necessariamente que Portugal não está a fazer bem as coisas, mas que há muitos países no mundo a investir dinheiro na promoção das suas cozinhas. Portanto, temos essa concorrência mundial. É preciso estratégia e investir recursos. É um trabalho de longo prazo.

Quão longo?
Depende. Daqueles exemplos que já falámos: a cozinha nórdica, em dez anos posicionou-se como uma cozinha importante no mundo; Peru em menos; no País Basco já há muito mais tempo. Depende de várias coisas: dos cozinheiros portugueses se tornarem conhecidos, da estratégia. Portugal, por exemplo, tem grandes vinhos que poderiam ser embaixadores da cozinha. Não se deve separar uma coisa da outra, devem andar de mãos juntas.
Outro exemplo: a Galiza, que está aqui tão perto. Começou com um grupo de nove cozinheiros, e agora são mais de vinte. São cozinheiros que querem promover a sua cozinha e recebem o apoio do Turismo da Junta da Galiza. Só os cozinheiros não o conseguiriam fazer, mas sem os cozinheiros a estratégia pública não seria suficiente.

Será que ter a Espanha ao lado, tão importante em termos gasronómicos, dificulta a tarefa a Portugal?
Acho que o que se passou em Espanha foi extraordinário. Começou o País Basco e com o elBulli. Não é um país especialmente inovador noutras áreas. Mas foi extraordinário que se tornasse no primeiro país do mundo em termos de gastronomia devido à sua inovação, à vanguarda. A nova cozinha basca fez com que se achasse que as escolas de cozinha profissionais não eram suficientes para o futuro. Era preciso criar um centro universitário para formar na inovação.

Portugal precisa de uma universidade assim?
Nos últimos dois anos recebi quatro ou cinco visitas de portugueses que queriam conhecer o Basque Culinary Center.

Cozinheiros?
Não, de pessoas da área da educação universitária. Há pessoas que consideram que a promoção da inovação tem de passar pela formação. É um conjunto de coisas. Tem de haver uma procura por parte dos cozinheiros profissionais, a universidade tem de formar as pessoas que trabalham no sector – é importante que haja inovação aí – e apoio público. A educação, na cozinha, em muitos países, está assente num conceito clássico, mais de influência francesa. Nós quisemos dar uma formação mais interdisciplinar: inclui gestão, ciência aplicada à cozinha, cultura. Acho que há interesse em Portugal porque tenho tido várias visitas de pessoas que querem conhecer e colaborar. Mas saliento sempre isto: têm de ser os profissionais a procurá-lo. Os cozinheiros e os empresários da restauração.

Quanto tempo levou à criação do centro?
Desde que começámos a pensar no projecto, em 2007, até à criação de uma fundação passaram quase dois anos. Logo a seguir à fundação decidiu-se construir um novo edifício de 15 mil metros quadrados, com um investimento de 18 milhões de euros. Em 2011 inaugurámos o edifício. Foi bastante rápido.

Quais são os preconceitos que é preciso ultrapassar em relação à gastronomia portuguesa?
Portugal tem uma cozinha tradicional autêntica - e a autenticidade é um dos conceitos que toda a gente procura. Também tem produtos de qualidade. É importante ter produtos icónicos. Qual seria o produto icónico português?

O bacalhau.
Pois então, o bacalhau.

É preciso que haja um produto que se destaque?
Sim, isso é positivo. Nas estratégias de marketing ajuda a explicar, facilita. Também é verdade que uma bebida como o vinho do Porto é uma marca mundial. Levaram-no os ingleses, mas é um vinho português. E o vinho da Madeira. Os vinhos portugueses são cada vez mais conhecidos, o Douro... São icónicos. Deveria fazer-se o trabalho de apoiar os jovens cozinheiros, para que saiam e façam demonstrações; fazer roteiros gastronómicos, para turistas.
Quando os cozinheiros mexicanos vão para o estrangeiro para fazer uma refeição com um colega num restaurante, não levam os pratos mais tradicionais, mas a sua própria cozinha. Quando o José Avillez, ou o João Rodrigues [do restaurante Feitoria] vão cozinhar a Londres não fazem o prato de bacalhau típico, o mais importante é fazerem a sua cozinha. Imagine: um jornalista vai a esse jantar e escreve um artigo sobre o Avillez num jornal inglês; as pessoas pensam “que interessante, Lisboa”. Chegam aqui e encontram nesse restaurante uma cozinha tradicional, autêntica. É isso que se passa no País Basco. Por exemplo, a Elena Arzak [filha de Juan Mari Arzak], que tem três estrelas Michelin, faz uma cozinha criativa. É conhecida em Londres. Mas quando um turista vai ao seu restaurante reconhece a cozinha tradicional, o peixe grelhado, as espetadas, toda a diversidade da gastronomia basca.

Que outros factores poderiam ser usados numa renovação da gastronomia portuguesa?
Quando se olha para a história de Portugal e a riqueza que houve aqui, as especiarias, produtos de África, do Brasil, penso que isso poderia ser aproveitado para desenvolver a gastronomia. É uma riqueza da vida deste país que se perdeu depois. Poderia haver investigação para recuperar esses elementos.

Teriam de ser os cozinheiros a trabalhar esse conceito.
Sim, certamente. Seria um projecto para os chefs aprofundarem, mas a universidade pode ajudar a investigar. Se olharmos para a riqueza de mobiliário, utensílios, tapeçarias, seguramente que havia uma riqueza de comida impressionante. Foi a porta de entrada das especiarias na Europa. Isso poderia ser um elemento de inspiração para um novo desenvolvimento gastronómico.
Na gastronomia parece que tudo está inventado mas não é verdade. E o que nos parece inovador agora, dentro de duas gerações as pessoas já vão considerar tradicional. Os meus filhos vão pensar que o ceviche é um prato tradicional espanhol. As coisas integram-se na cultura. E a gastronomia está em evolução permanente.

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