Entramos na sala e o mar estende-se à nossa frente para lá da parede de vidro que nos separa do exterior. É só no mar que reparamos nos primeiros instantes. A luz do final da tarde cria uma espécie de teatro de silhuetas dentro do Ocean – o agora totalmente renovado restaurante do resort Vila Vita Parc, em Porches, no Algarve – entre os clientes sentados e os empregados que circulam pela sala. Há uma luminosidade azul que envolve tudo e que quase nos faz acreditar que descemos ao fundo do mar.
Quem conhecia a anterior, e muito mais clássica, sala do Ocenan – um dos três restaurantes com duas estrelas Michelin em Portugal – não reconhece o novo espaço. O mar também estava à nossa frente antes, mas agora a sensação é que mergulhámos nele – e para isso contribui a decoração, com uma grande colecção de corais africanos numa das paredes e as peças em cristal de Murano que nos recebem logo à entrada, fazendo lembrar ondulantes medusas. Além dos candeeiros circulares de bronze, que pairam sobre as nossas cabeças num vórtice de escotilhas.
Reaberto com o novo visual no dia 8 de Março, o restaurante faz finalmente justiça ao nome. E tudo bate certo porque há muito que a cozinha de Hans Neuner também tinha mergulhado nos oceanos portugueses. E assim continua – agora, confessa o chef, sorridente, com uma motivação ainda maior. Até porque não foi apenas a sala que mudou, mas também a cozinha, muito mais ampla e onde um número restrito de clientes (até seis pessoas) pode sentar-se numa bela mesa de carvalho com 300 anos para provar alguns pratos enquanto assiste ao trabalho da equipa.
O peixe, os mariscos e os produtos portugueses, nomeadamente os legumes biológicos algarvios, estão sempre presentes e com honras de estrelas da refeição, mas o menu que provamos ainda tem alguns produtos habituais para uma clientela mais internacional, como o foie ou o pombo. No entanto, Hans quer ter um menu – que poderá chamar-se “Descobertas” ou algo semelhante – exclusivamente com ingredientes portugueses.
Passamos então à mesa, com a impecável equipa de sala a trazer-nos primeiro um lollipop de lula com paprika, servido numa peça de louça que o envolve nuns tentáculos de polvo (e vale a pena durante todo o jantar ir reparando nas peças de louça). Vêm depois lapas servidas com molho de peixe – lapas algarvias, sublinha Hans - e um amuse bouche de fígado de ganso, ostra, ananás e amêndoa, que gostaríamos de continuar a comer pela noite dentro.
Há uma surpreendente “feijoada” com robalo, percebes e ouriço-do-mar (não, não tem feijões mas apenas o sabor deles) e um elegantíssimo prato de lula com funcho do mar e bergamota. E ainda outro, também de lula, com dashi de ovas de peixe galo. Muito boa a ligação entre lagostim, milho, coentros e funcho, a que se segue um extraordinário prato de raia com salsa e alcachofra de Jerusalém (também conhecida por topinambo), com um intenso sabor a verde, do caldo e pedacinhos de salsa, mas também um lado de conforto dado pelo topinambo.
O último prato chega em tons de vermelho, com um pombo imperial, beterraba e uma barra muesli. Mas é preciso fazer justiça também ao pão de cevada que acompanha a refeição e que é feito pelo novo chef de pastelaria, Márcio Baltazar. O pão, de longa fermentação, é tratado com muita atenção e isso nota-se no resultado que se torna irresistível, ainda mais com a manteiga de cabra servida em pequenas pérolas. As sobremesas têm igualmente a assinatura de Márcio Baltazar, que numa primeira junta morangos e azedas (sim, as florinhas amarelas) e na segunda trabalha em torno da ideia do pão, com malte, cereais e massa mãe, em versão doce, mas não muito.