Fugas - restaurantes e bares

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A alma do Volver é argentina e portuguesa

Por Alexandra Prado Coelho

Chakall já não mora aqui, mas o Volver mantém-se um restaurante argentino, com carne, claro, mas também com alma — e isso significa um lado português mais presente nos pratos, bons produtos, a criatividade do novo chef, as sobremesas de Joaquim de Sousa e uma carta de vinhos cheia de personalidade.

Para escolher um novo chef para o seu restaurante, o Volver, Alexandra Gameiro decidiu fazer um teste aos candidatos. “Pedi-lhes para fazerem uma manteiga noisette, que é o básico, um bife à portuguesa, que era uma coisa que eu andava há vários meses para ter na carta e não conseguia, e dei-lhes uma caixa-mistério daquelas que ninguém merece, com vieiras, milho, toranja, rum, salicórnia, aipo”, conta, rindo.

João Oliveira era um dos candidatos. Na altura trabalhava com Miguel Laffan no Mercado da Ribeira e no restaurante Porto de Santa Maria, e foi tentar a sua sorte no Volver antes de ir trabalhar. Hoje, depois de ter sido o escolhido, confessa que quando viu a caixa-mistério achou que tinha que usar todos os produtos que vinham lá dentro. Mas não se deixou intimidar.

A manteiga noisette correu bem. “Ao fim de um minuto a Alexandra estava na cozinha e eu pensei ‘pronto, acabou aqui o dia’”. Mas, afinal, o que a proprietária do restaurante lhe queria dizer era que, mesmo que ele não ficasse, a manteiga ficaria. Depois veio o bife. Alexandra já tinha escolhido o corte de carne que ia usar (o rib-eye) — o prato é agora apresentado no restaurante com a frase “O que tem de argentino o bife à portuguesa? A carne” — mas João tratou bem o bife, que acompanhou com dois tipos de batatas, a agri e a doce “para fazer uma brincadeira com as cores e os sabores”. Quanto ao resto, usou mesmo tudo, e criou uma espécie de explosão de milho que conquistou Alexandra. E pronto — estava escolhido o novo chef.

O Volver de Carne Y Alma tem já uma longa história. Situado no Lumiar, longe dos locais de Lisboa onde há maior concentração de restaurantes, começou por ser a Quinta dos Frades. Nessa época, em que pertencia ao pai de Alexandra, era sobretudo um restaurante de peixe, com uma boa garrafeira e virado para uma clientela de homens de negócios das empresas que então existiam no Lumiar. Mas os tempos mudaram e foi preciso reinventar a Quinta dos Frades. Alexandra e o irmão, que na altura era seu sócio, foram buscar o mediático Chakall e o restaurante de peixe tornou-se um restaurante argentino de carne, inicialmente com o chef Igor Martinho na cozinha.

Hoje já não existe ligação entre Chakall (que, depois de um período fora de Portugal, abriu também o seu restaurante em Lisboa) e o Volver. A verdadeira alma do lugar é Alexandra e, apesar de não ser ela quem está à volta dos tachos, é ela quem procura os melhores fornecedores de carne (o menu e o site incluem uma explicação sobre os vários cortes e tempos de maturação para quem quiser saber mais), quem inventa receitas que pede aos seus cozinheiros para desenvolver e quem define o conceito do restaurante.

Depois de um período muito “carnívoro”, o Volver de Carne Y Alma está diferente. A carne continua lá, mas há mais alma. A cozinha que Alexandra, agora com o apoio de João Oliveira, quer fazer mistura Portugal e a Argentina, e começa logo nos snacks como o Picada para 2, que junta chorizo com chimichurri, morcela, pimentos padrón, pickles de pera, alheira beirã, broa de batata-doce, queijo Scarmoza, compota de pimento grelhado e azeitonas recheadas, ou ainda a Provoleta, que tem Provolone, salsichão do produtor português Joaquim Arnaut (que é um dos grandes cúmplices deste projecto), azeitonas laminadas, pevides, salsa crioula e pão de Mafra.

Alexandra, que nos recebeu com dois cocktails da casa — o pisco com mate e um (não alcoólico) doce de leite com mate — percorre a lista apresentando alguns dos novos pratos. Há, nas entradas, presunto de vaca, também de Arnaut, com panqueca de grão; sorrentino, “o raviolo da Argentina”, de abóbora com queijo de cabra da Granja dos Moinhos e mate; um tártaro de chouriço com aji e farinha de bolota da Terrius; ou o recém-criado Surf y Turf, que junta mollejas (moelas) com gamba da costa, puré de aipo e cherovia, funcho laminado e beterraba desidratada.

Nos pratos principais, um dos mais carismáticos criados já por João Oliveira é o ñoqui de hortelã e conchas, com lingueirão, berbigão, bagna cauda, coentros, lima e pickles artesanais. Outra das criações do chef é o risotto porteño com bacalhau fumado. “Temos a ideia de que a Argentina é só carne, mas a cozinha deles é muito influenciada pelos espanhóis e pelos italianos”, explica Alexandra. “Buenos Aires, por exemplo, sendo uma cidade portuária, tem muitas influências. Este é uma espécie de arroz à valenciana a que eles na Argentina juntam queijo. O João introduziu as algas, para lhe dar frescura, e o poejo, que ali fica maravilhoso.”

A par destes há outros pratos clássicos do Volver e que Alexandra diz que, por respeito aos clientes mais antigos, não pode retirar da carta. Um deles é o bife Wellington que aqui, pelo facto de estarmos no Lumiar, aparece como “homenagem a todos os que combateram nas Linhas de Torres durante a terceira invasão francesa”; o outro é o magret de pato com pancetta, polenta e erva mate e o Abafado da Quinta da Alorna.

Acaba, entretanto, de ser lançado um menu 5 Pasos e ½ para partilhar (39 euros por pessoa) sob o lema “Portugal não é só peixe e fado e a Argentina não é só carne e tango”: presunto de vaca e panquecas de grão, Surf y Turf, risotto porteño e Bocato di Cardinale (carne da vazia com maturação de 21 dias). E a sobremesa, baptizada como Tierra del Fuego.

Mas as sobremesas merecem um parágrafo à parte (ou mesmo dois). É que aqui entra outra das grandes apostas de Alexandra, o respeitado chef pasteleiro Joaquim de Sousa, que, tal como Joaquim Arnaut, se tornou um dos cúmplices deste projecto do qual é consultor.

A irresistível lista de sobremesas (com pairing de vinhos por João Saraiva e Jorge, responsável pela carta de vinhos, ver caixa) inclui uma pavlova (merengue, espuma de doce de ovos, vinagre balsâmico, pimenta rosa, creme de queijo, morangos e sorvete), o cheesecake fumado (creme de queijo, bacon, beterraba, amêndoa, bolota, morango e limão), uma torta rogel com bombom Alaska (dulce de leche, bombom Alaska de menta, framboesas e mirtilos), um alfajor de chocolate com aji (bolo de chocolate glaceado, caramelo salgado, crocante de alcagoita e mel, mousse de chocolate branco caramelizada, aji e sorvete de cacau). E, por fim, a Tierra del Fuego — “faz-me lembrar a imagens dos glaciares ao pôr do sol”, diz Alexandra — um sponge cake de framboesa, mousse de queijo, gelatina de maracujá, compota de hibisco, parfait de alfazema, favo de mel e crocante de vinagre.

E de tudo isto (e também de noites de tango, de vez em quando) se faz um restaurante que, um pouco escondido no Lumiar, sabe que tem que lutar para se fazer notar. “A carne continua a ser o nosso pilar”, diz Alexandra, “mas o Volver tem uma alma própria”.

Uma carta de vinhos feita para a descoberta

Quem gosta de ler tem muito com que se entreter com a carta de vinhos do Volver, lançada no início de Junho, um trabalho de consultoria de João Saraiva e Jorge. A carta está dividida em oito secções: “feitos um para o outro” (pairings com os pratos da carta), os microclimas, os espumantes, os rosés, os brancos, os tintos, “os santos do nosso altar” e os vinhos argentinos, representados por duas regiões, Mendoza e Salta, e três castas, Torrentés, Bonarda e Malbec.

Os pairings vão do “efervescente” (picada com espumante Joaquim Arnaut 2008) ao “extravagante” (pato, polenta, figos com Campolargo Alvarelhão Tinto 2014), passando pelo “surpreendente” (chuletón de Ávila com Vicentino Sauvignon Blac Branco 2014), sempre acompanhados por explicações sobre as razões do “casamento”.

E se nos “santos do nosso altar” estão, naturalmente, os melhores vinhos da carta, talvez a secção que desperte mais curiosidade a quem se interessa por vinho seja a dos microclimas, cujas características únicas são também explicadas na carta tal como um pouco do perfil do respectivo produtor.  

Até ao final do mês de Julho, a carta é acompanhada por uma sugestão de vinhos da Bairrada. A ideia é a cada dois meses fazer um zoom sobre uma região, “privilegiando as que não são tão óbvias”, explica Alexandra Gameiro, a proprietária do restaurante. Ou seja, não espere Douro ou Alentejo, mas prepare-se para descobrir mais sobre outras regiões vinícolas de Portugal e o trabalho de produtores menos conhecidos mas “cheios de carisma”.

Volver de Carne Y Alma
Rua Luís de Freitas Branco 5D, Lumiar, 1600-488 Lisboa
Tel.: 308 805 432/217 598 980/966 011 180
Email: volver@volver.pt
Horários: de segunda a sexta das 12h30 às 15h30 e de segunda a quinta das 19h30 às 00h30. Às sextas e sábados das 20h à 1h.
Preço médio: entre os 35 e os 40 euros.

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