Na verdade nunca desapareceram, mas não é totalmente descabido dizer-se que os tomates estão a voltar às quintas do Douro. Pelo menos o gosto pelos belos exemplares de coração de boi, a variedade que ao longo dos tempos conquistou fama de qualidade única e um carinho muito especial nas hortas das grandes propriedades durienses.
Costumava dizer-se que foram as novas estradas que deram cabo dos tomates. Ou seja, com a facilidade de deslocação os proprietários deixaram de estar obrigados às longas permanências nas quintas e daí o declínio das hortas. E mesmo quando não foram abandonadas o que praticamente desapareceu foi a figura do hortelão que a tempo inteiro cuidava da produção de frutas e legumes como garantia de refeições adequadas.
Mas como não há mal que sempre dure, o que se verifica é que as hortas estão de volta com o rejuvenescer da região, o turismo e o renascer de muitas quintas que hoje não só acolhem crescente número de visitantes como em muitos casos se transformaram em locais de residência permanente. E com isso está de volta também o orgulho nos tomates.
É por finais de Agosto, a anteceder as vindimas, que costumam dar o melhor de si. Mais vermelhos, carnudos e suculentos. E de aroma inconfundível. Com temperaturas extremas, solos pobres e xistosos, o coração de boi encontra nas encostas ensolaradas do Douro as condições naturais ideais para o crescimento e maturação.
E mesmo para aqueles que julgam não haver grandes diferenças, recorde-se o que nesta revista escreveu Miguel Esteves Cardoso, quando “um entusiástico agricultor” do Douro lhe fez chegar alguns exemplares: “Quando vi os tomates dei um passo atrás. Nunca tinha vista tomates tão altos, gordos e vermelhos. Mais pareciam dióspiros violentamente encarnados. Eram coração de boi e tinham sido criados nas encostas brutalmente soalheiras do Alto Douro.”
O entusiasta é Abílio Tavares da Silva, um nativo urbano ligado às tecnologias, que se rendeu ao Douro e decidiu mudar de vida. Faz agora vinhos na Quinta de Foz Torto, onde também cultiva uma horta exemplar. Fascinado pelos tomates, não sossega enquanto não vê divulgada e valorizada a excelência dos exemplares da região e não descansou enquanto não arranjou forma de promover um encontro com vários produtores. A empresa Greengrape e Edgardo Pacheco, jornalista e autor do programa Prato da Casa do canal CMTV, lançaram-se na organização.
O pretexto foi uma espécie de concurso, mas na prática foi uma jornada convivial em torno do tomate coração de boi. A ideia é que se revitalize a tradição das hortas nas quintas e que o encontro se repita e junte um número crescente e produtores nos próximos anos. Desta vez, foi no belo espaço da Quinta Dona Matilde que se montou a festa, tendo os produtores aproveitado para dar a conhecer entre si as mais recentes novidades vínicas. Uma bela jornada de convívio, da qual foi criada uma página Facebook onde tudo está registado (www.facebook.com/TomateDouro/).
Este primeiro encontro contou já com adesão de treze participantes (ver lista).Houve prova cega e um júri (no qual participámos) que era presidido por Francisco Pavão — que, além da sua reconhecida autoridade na área dos azeites. se revelou um grande expert em tomates — e contava até com três prestigiados chefs cozinheiros: Vítor Sobral, Miguel Castro e Silva e Hermínio Costa.
O presidente do júri, que mostrou ter estudado a questão disse ser a primeira vez que se juntaram produtores de coração de boi em forma de prova cega, apreciando as fatias de tomate sem qualquer tempero para que se pudesse analisar sobretudo o carácter primário da fruta. Nos cinco parâmetros de avaliação, valorizados de zero a cinco pontos, pesava sobretudo a harmonia (40%), seguida pelo sabor (25%), aroma (15%), persistência (15%) e textura (5%).
Entre a perspectiva mais analítica dos profissionais (exigentes quanto à cor, textura e aroma) e a valoração mais apaixonada dos meros apreciadores, foi unânime a ideia de se tratar de um produto único e de qualidade diferenciadora. As características eram muito idênticas entre todos os tomates em prova, sendo que pelo facto de se tratar de um fruto que amadurece a partir do centro é possível encontrar diferentes nuances.
A pontuação foi obtida calculando a mediana de cada característica e as pontuações finais saíram muito equilibradas. Mesmo assim destacaram-se três produtores com a pontuação mais elevada: Quinta de Montezellos, Quinta Dona Matilde e Quinta do Crasto.
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Os tomates estão de volta às quintas do Douro