Numa bancada à entrada do restaurante libanês Muito Bey, em Lisboa, estão vários livros, todos com a mesma assinatura: Barbara Massaad. Esta fotógrafa libanesa que nasceu em Beirute, saiu do seu país para fugir à guerra quando tinha dez anos, cresceu nos Estados Unidos e regressou ao Líbano aos 18, é a consultora do restaurante e os seus livros inspiraram as receitas que aqui se podem experimentar.
Encontramos Barbara durante uma visita a Portugal para introduzir algumas alterações do menu. O objectivo é ir apresentando pratos novos à medida que os portugueses se vão familiarizando com a comida libanesa e, por isso, Barbara tem passado grande parte dos seus dias na cozinha do Muito Bey a dar formação.
Uma das coisas que lhe agradou imediatamente da primeira vez que veio a Portugal foi perceber que em quase todos os pratos podia usar exclusivamente ingredientes portugueses. “Neste momento, 90% dos ingredientes são locais, o que é muito importante”, diz.
Sentamo-nos para conversar com os livros que escreveu à nossa frente. Man’oushé é sobre o pão libanês, resultado de viagens pelo país nas quais recolheu um grande número de receitas que mostram a versatilidade deste pão nas inúmeras maneiras de ser usado.
Seguiu o mesmo método para entrar no riquíssimo mundo dos produtos conservados, o que resultou no livro Mouneh. Foi à procura de quem conhecia as antigas formas de preservar frutos, legumes e outros alimentos para que não houvesse desperdício e continuassem a ser usados mesmo fora das suas épocas.
O terceiro livro, Mezze, é sobre essa instituição da cozinha do Médio Oriente que são os pequenos pratos com diferentes tipos de saladas e outros petiscos e que juntam as pessoas à volta de uma mesa para partilhar uma refeição.
Mas a nossa conversa centra-se no quarto e último livro, o seu mais recente projecto, chamado Soup for Syria, cujas vendas revertem a favor dos refugiados sírios. “Tivemos um grande número de refugiados a vir para o Líbano”, conta Barbara, “e eu quis aproximar-me desse problema porque acho que é um desastre”. Num país que pode atingir temperaturas muito baixas, Barbara ficava impressionada ao ver na televisão imagens de mães sírias com crianças pequenas em tendas, ao frio.
“Peguei no carro e fui até aos campos de refugiados que ficam a 45 minutos da minha casa e comecei a tirar fotografias para as partilhar com muitas pessoas e mostrar a crise de refugiados no Líbano.” É uma situação que está a criar grande tensão, até porque o Líbano, que tem uma população de quatro milhões, já alberga há décadas os refugiados palestinianos e agora recebeu mais 1,5 milhões de pessoas fugidas da guerra na Síria.
Barbara é também a presidente do Slow Food Líbano e está ligada a um mercado de produtores, por isso rapidamente surgiu a ideia de fazer sopa, uma “comida de conforto e uma linguagem comum”, para os refugiados. Daí nasceu a ideia de um livro de receitas. “Fiz uma página no Facebook e pedi às pessoas para doarem receitas”. Alguns chefs famosos, como Anthony Bourdain e Yotam Ottolenghi participaram, o livro já foi traduzido em várias línguas — e deverá no futuro ter também uma edição em português.
Enquanto ajuda os refugiados, Barbara continua a sua principal missão que é a de estudar a comida do seu país, conhecer as tradições culinárias e aprofundar uma herança pela qual se apaixonou quando ainda vivia nos EUA, onde os pais tinham um restaurante de cozinha libanesa.
Há muito em comum entre as várias cozinhas do Médio Oriente, reconhece, mas há também coisas específicas do Líbano. “Temos 18 comunidades a viver juntas no país, cada uma com as suas tradições. No Norte temos o kibbeh [pastel de carne frito], a vida de montanha, os queijos, em Beirute há os grandes restaurantes e a vida nocturna, no Sul usamos muito as especiarias. E temos ainda uma cultura do vinho muito rica, com mais de 90 produtores por todo o país.”
Assume-se como uma pioneira no trabalho de recuperação e divulgação das tradições gastronómicas e culinárias libanesas mas, sublinha, “agora há mais pessoas a trabalhar nisso e a recuperação desta herança está a crescer.” No site do Slow Food Beirute, por exemplo, encontram-se pequenos filmes que fez para alertar para o risco de desaparecimento de alguns produtos. “No último Verão trabalhei durante dois meses sobre os últimos queijos de montanha libaneses, que correm o risco de desaparecer nos próximos anos. Quero que a nova geração continue a comer e a conhecer a nossa comida.”
E se, infelizmente, a situação política na região não está a ajudar o turismo, Barbara aposta em restaurantes como o Muito Bey, fora do Líbano, para que o mundo conheça melhor a comida do seu país.