Chegado aos 50 e contando 30 de carreira, Vítor Sobral abriu a Tasca para celebrar. Numa noite de segunda-feira, gélida, mesmo em Lisboa, em que as ruas de Campo de Ourique pareciam abandonadas e o brilho das luzes no interior do estabelecimento da esquina se anunciava à distância quase como cenário natalício.
Juntaram-se amigos, uns de sempre e outros mais novos, bebeu-se, brindou-se, cantaram-se os parabéns e tudo o mais que é da praxe nestas circunstâncias. Mas a noite tinha, de facto, um brilho especial.
Não, Vítor Sobral não é o Messias — nunca foi, nem nunca o quereria ser — mas há momentos em que a essência das coisas se impõe sobre as circunstâncias. O ambiente era de partilha e felicitação, mas um olhar mais distanciado permitia ver ali a história da evolução da cozinha portuguesa dos últimos 30 anos.
Dos pioneiros da modernização às figuras do momento e num contexto cúmplice, de felicidade e comunhão, como ainda há bem pouco tempo seria difícil imaginar. Três décadas em que a cozinha ganhou estatuto de arte, conquistou visibilidade e se tornou central na vida social do país.
Um tempo que Maria de Lurdes Modesto disse ter antevisto na apreciação ao então jovem chef Sobral, mas cuja amplitude a deixa hoje embevecida. Sim, a velha senhora da culinária também lá estava! Com ar de catraia vaidosa e um orgulho enorme naqueles que rodeavam e acarinhavam.
Disse, num dos muitos depoimentos gravados em vídeo que deixaram Sobral emocionado, que os primeiros ímpetos logo anunciavam um futuro brilhante. “Só não consegui prever que o Vítor tivesse um coração tão grande.” Mas é, precisamente, esse coração enorme que é hoje capaz de fazer reunir à sua volta tanta gente e tão representativa deste caminho de sucesso da cozinha portuguesa.
Dos pioneiros aos emergentes, estrelados e velhos resistentes, cultores da tradição, do produto, e da tecnologia, os do Norte e os do Sul. Uma unanimidade e um carinho em volta de Vítor Sobral que bem espelha o ambiente de orgulho, afirmação e crença que vive a cozinha portuguesa.
Já o tínhamos visto em Girona, no recente anúncio das novas estrelas Michelin, com um ambiente de partilha e cumplicidade que foi, finalmente, capaz de dividir as atenções mediáticas com o poderio espanhol. Essa unidade, confiança e entusiasmo que foi, seguramente, a melhor prenda que poderiam ter levado até à Tasca da Esquina. Vítor comemorou e reuniu a sua maior família.
Não pelas reverências ou conveniências do chef. Bem pelo contrário, uma homenagem à sua frontalidade, coragem e irreverência. E ao papel pioneiro, liderante e persistente (que continua a ter) na modernização da nossa cozinha. Com base nos produtos e as ricas tradições da nossa cultura culinária.
Foi bonita a festa, Vítor! E os parabéns são também por essa força e energia que continua a contaminar e a unir a cozinha portuguesa.